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E agora? Quem poderá nos defender?

Diante de um projeto de lei que pode mudar totalmente o curso dos Direitos Autorais no Brasil, nosso colunista Sergio Jr. traz informações relevantes sobre a mobilização da opinião pública artística.
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Redação

Eu adoraria que o incrível Roberto Bolaños pulasse agora em nossa frente vestido de super-herói e dissesse: Eu! O Chapolin Colorado! Tenho certeza que você pensou o mesmo quando leu a pergunta.

Infelizmente o assunto é outro. E não é nada engraçado. Está para ser votado um Projeto de Lei que visa restringir vertiginosamente os direitos autorais no Brasil.

(PL 3992/2020 – Altera a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, a Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008 e dá outras providências. dep. Geninho Zuliani –DEM/SP) e (PL 3968/1997Isenção de direitos Autorais) esse segundo tem como signatários dep. Newton Cardoso Jr. (MDB/MG), Felipe Carreras (PSB/PE), Maurício Dziedricki (PTB/RS), Arthur Lira (PP/AL), Magda Mofatto (PL/ GO), Pedro Lucas Fernandes (PTB/MA), Wolney Queiroz (PDT/PE), Paulo Ganime (Novo/RJ) e Léo Moraes (PODEMOS/RO). Além disso, o dep. Schiavinato (PP/PR) apresentou o REQ 1972/20 solicitando apensação do PL 2517/2020 que suspende o pagamento de direitos autorais no período da Pandemia, ao PL 3968/97.

Em menos de uma semana, está pra ser votado e decidido o futuro da Lei de direitos autorais (Lei 9.610/98  – e/ou o que for restar dela).

Antes de falar sobre causas e motivos de ambas as partes, me permitam contar uma história rápida. Vamos lá:

Em 1878, na França, por força de um escritor chamado Victor Hugo surgiu a Association Littéraire et Artistique Internationale (emfrancês: Associação Literária e Artística Internacional), a ideia era proteger o direito intelectual, os direitos do autor. Os frutos desse trabalho culminaram na Convenção da União de Berna, na década de 1880.

Antes da sua adoção, as nações frequentemente recusavam reconhecer os direitos de autores de trabalhos estrangeiros. Por exemplo, uma obra de um autor de um país, tinha seus direitos protegidos, apenas naquele país e não em outro; e assim por diante. Com o advento da Convenção de Berna, autores oriundos de outros países signatários, passaram a ser tratados da mesma forma que autores locais.

A Convenção foi revista emParis (1896) e Berlim (1908), completada em Berna (1914), revista em Roma(1928), Bruxelas (1948), Estocolmo (1967), Paris (1971) e emendada em 1979. Desde 1967 que a Convenção é administrada pela World Intellectual Property Organization (WIPO), incorporada nas Nações Unidas em 1974.

 

O que isso tem a ver com o assunto? Em minha opinião, tudo. E olha que não só pelos aspectos legais, mas, pela poesia que há nesse fato. O Brasil faz parte dos países que respeita a Convenção. Mas, você se atentou à beleza da causa? Reparou na grandiosidade dela? Versa sobre a proteção de direitos intelectuais, patrimônios imateriais, algo que nos rege hoje, que centenas de países mundo a fora são signatários. É sobretudo bonito e é digno! Começou há 142 anos!

Pois bem, os senhores deputados querem em menos de 7 (sete) dias fazer mudanças sérias e profundas em nossa Lei de Direitos Autorais. Cada mudança proposta, vai fazer um efeito cascata, um desmonte na legislação e uma ruptura de direitos sem precedentes.

E Agora? Quem poderá nos defender?

As razões, os fatos e a informação correta! Sim, informação correta.

Vamos aos pontos?

1º) Por que mudar a lei que protege TODOS os AUTORES, MÚSICOS e ARTISTAS DO PAÍS?

A lei, é muito bonita, e muito bem escrita. Esse não é caso de “mimimi’,  não é “choradeira”. A lei protege o patrimônio intelectual, e rege como deve ser remunerado o detentor do direito, quando um terceiro têm vantagens econômicas sobre a sua obra.

Imagine você, que eu diga que a partir de agora: eu vou entrar na sua casa quando eu quiser. Alugarei um quarto pra alguém, pendurarei uma propaganda de uma grande empresa na sua porta, sem pedir sua permissão, e sem que você receba por isso. E que um dia, eu vou determinar quanto, quando e como pago à você! Isso se eu quiser lhe pagar algo.

Te pareceu absurdo? Pois bem! Para nós também!

2º)  Por que essa insistência em fazer isso agora, com o setor em crise em meio à pandemia?

O setor do entretenimento está quebrado! Sejamos francos. Sem previsão de volta e de retomada. As demissões se avolumam, milhares de trabalhadores não tem em quê trabalhar, nem como sobreviver. Hoje, mais de 300 mil titulares de direitos no país já estão com sua arrecadação prejudicada.

Os direitos são pagos a partir de suas execuções públicas. Para que haja essa remuneração, os setores teriam que estar funcionando. E não estão. Pra quê mexer na legislação acerca do tema?

Pensa comigo:

  • Não tem como arrecadar de show;
  • Não há como arrecadar em músicas de casas de festas;
  • Não tem como arrecadar de hotéis (que é um taxinha entre R$0,40 a R$ 0,60 por quarto ocupado – estão vazios);
  • Não há como arrecadar de barzinho;
  • Sobraram Rádio, TV, Plataformas de Streaming e Lives*

*Obs.: Ressalta-se que mesmo esses que restaram, estão fazendo negociações pra realizar os pagamentos, e o ECAD e as demais entidades que nos representam têm cedido.

Nessa quarta, enquanto o Congresso decidia se colocavam (no último minuto) na MP 948/20 emendas versando sobre direitos autorais, o que prejudicaria os artistas de todo o Brasil, os artistas, por sua vez, foram as suas redes sociais e fizeram postagens, dizendo:

Sou compositor,

Sou intérprete,

Sou músico.

#SomosTodosEcad*

E na legenda:

Somos todos contra qualquer restrição de direito autoral.

Simples assim! Sem agredir, sem escandalizar. O Movimento teve engajamento de mais de 600 mil profissionais da musica e alcançou mais de 1 milhão de pessoas. No entanto, na MP 948/20 aprovada, não entrou o texto sobre a alteração na arrecadação dos Direitos Autorais, que será discutido na próxima semana como Projeto de Lei.

*Ah! Caso você não saiba, nós aqui no Brasil somos regidos por um sistema de ‘Gestão Coletiva’ de direitos. Todos nós formamos as associações, que ao todo são 7 (sete) e juntas, formam, controlam e regem o ECAD. Por isso, que todos nós somos o ECAD.

(Fiz um texto há um tempo atrás pra essa coluna, nele explico como funciona, clica aqui para ler).

 

E Agora? Quem poderá nos defender?

Você! Aí vai me perguntar:

_ Como?

Se informando e questionando. Colocando-se em nosso lugar.

Lembra o exemplo que dei, da casa? Então… Já seria ruim em tempos normais. Imagina isso na pandemia?! Justo quando você está sem renda e trabalho, alguém poderoso diz que vai usar sua casa com fins lucrativos, sem você concordar, e o dinheiro não vai pra você. Absurdamente assustador.

Essa é uma causa apartidária, não há aqui postura de esquerda nem de direita. Nossa luta é apenas para não haver ruptura dos nossos direitos, em prol de não sei quem, pra não sei o quê!

Só sei que quem possui tal intento, deve ter um motivo muito mais importante que mais de 300 mil pessoas (músicos, autores, intérpretes), para mover uma força política dessa grandeza em nossa direção, com essa pressa e tamanha insistência.

Os leitores aqui do Mundo da Música, sabem que meus textos costumam ser mais bem humorados e leves. Vou ficar devendo isso dessa vez. E quero encerrar dizendo duas coisas:

1º) Procure saber e se envolver mais com política, no bom sentido da palavra.

Sabe por quê? Se você não gosta e não se envolve, será governado por quem gosta e se envolve.

2º) Quero encerrar com uma frase do grande Abel Silva (um gênio dessa geração):

“Se você ainda não entendeu: As minhas musicas são suas! Mas, os direitos são meus!”

Fique bem, com fé a pandemia passa, vamos rezar e nos manter atentos pra saber o que fica.

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Sergio Jr. é integrante do grupo Sorriso Maroto, Músico, Compositor e Produtor Musical, com 22 anos de atuação no mercado fonográfico. Bacharel em Direito, Criador e Diretor Artístico da “Artesanal Digital” (Editora/Selo/Produtora).