The Economist aponta o funk brasileiro como próximo fenômeno global; especialistas analisam o potencial

Declaração da revista britânica repercutiu entre profissionais do mercado, que destacam o papel de artistas do funk brasileiro, a influência da internet e os desafios para consolidar o gênero no exterior.
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Nathália Pandeló
Funk
Crédito: Vincent Rosenblatt

A revista britânica The Economist trouxe à tona uma discussão que há anos mobiliza artistas, produtores e entusiastas da música brasileira: o potencial global do funk. Em um artigo recente, a publicação afirmou que o gênero, originário das favelas do Rio de Janeiro, está prestes a se tornar um fenômeno mundial, assim como o reggaeton fez nas últimas décadas. 

Profissionais do mercado ouvidos pelo Mundo da Música concordam que o funk merece ganhar mais espaço, mas destacam que o caminho para sua internacionalização ainda exige estratégia e autenticidade.

“Funk takes off”

Em El Boletín, sua newsletter dedicada à América Latina e exclusiva para assinantes, a The Economist destacou o crescimento do funk brasileiro e seu potencial de expansão global, apontando o gênero como a nova face da música do país. O texto ressalta que, enquanto o samba e a bossa nova moldaram a identidade musical brasileira no exterior, o funk tem ganhado força como representante da cultura contemporânea nacional.

A própria publicação admite que o sertanejo domina as paradas brasileiras há mais de uma década, impulsionado pelo crescimento do agronegócio e das regiões rurais. No entanto, sua pouca vocação para o mercado internacional abre espaço para que o funk ocupe esse papel. O gênero, que nasceu nos anos 1980 com influências do Miami bass e do electro-funk, se consolidou com batidas aceleradas e uma cultura própria de dança e bailes.

Nos últimos anos, o funk vem chamando a atenção de grandes nomes da música internacional. Apesar dos avanços, o funk ainda enfrenta desafios, como barreiras linguísticas e resistência de setores conservadores no Brasil, que tentam associar o gênero ao crime e à marginalidade. 

No entanto, com o aumento do consumo de música latina no streaming e o interesse de artistas globais, especialistas apontam que a ascensão internacional do funk pode ser uma questão de tempo.

Funk brilha – mas não é de hoje

Kamilla Fialho fala sobre o funk
Kamilla Fialho (Crédito: Divulgação)

Kamilla Fialho, presidente da K2L e CEO da Lyons Produções, está diretamente envolvida na construção de carreiras e lidera projetos de destaque na indústria musical. Com mais de 20 anos de experiência no mercado do funk, ela comemora o momento atual, mas ressalta que a conquista de espaço no exterior não aconteceu da noite para o dia. 

“Nesses mais de 20 anos trabalhando com funk nunca vi esse movimento, mas sempre acreditei que um dia ele chegaria. Acredito que a maior dificuldade estava na barreira da língua e a falta de um representante do funk que fizesse com que o mercado lá fora olhasse para o segmento sem essas barreiras”, afirma.

Para Kamilla, o trabalho de Anitta foi fundamental nesse processo. 

“Ela canta ele em outro idioma, leva o trabalho até eles e o apresenta visualmente da forma mais realista e didática em seus clipes”, explica. 

A executiva também destaca que a internet e as plataformas digitais têm sido aliadas poderosas na popularização do gênero. 

“Hoje temos a internet muito mais presente que anos atrás. Drake foi impactado pelo Kevin Chris através do Spotify, assim como Cardi B”, exemplifica.

A profissionalização do funk e o papel dos artistas

Kamilla ressalta que os próprios artistas de funk têm se profissionalizado, entendendo que a música vai além de lançamentos e shows. 

“O movimento do funk no Brasil também entendeu que a música vai além do lançar e fazer show. Os funkeiros hoje, em sua maioria, estudam o mercado, estratégias, marketing, fazem conexões estratégicas. É uma junção de fatores”, afirma. 

Essa mudança de mentalidade, segundo ela, tem sido crucial para o crescimento do gênero tanto no Brasil quanto no exterior. 

A batida dançante e os desafios da internacionalização

Ana Paula Teixeira Paulino (Crédito: Divulgação)
Ana Paula Paulino (Crédito: Divulgação)

Ana Paula Paulino, gerente de A&R na Warner Music e sócia-fundadora da Ubuntu Produções, que traz no portfólio experiências com nomes como Heavy Baile e MC Carol, reforça que o funk tem uma característica única que facilita sua expansão. 

“O funk tem algo muito forte: ele é uma música dançante. Você não precisa entender a letra para sentir o ritmo, para querer se mexer. É isso que faz ele ultrapassar barreiras culturais e linguísticas”, explica. 

No entanto, ela lembra que o português ainda é um desafio.

“Quando a gente olha para o mercado internacional, a gente vê que poucos países falam português, o que sempre foi um desafio para exportar nossa música. Mas o funk tem essa vantagem da batida, que conecta as pessoas independentemente do idioma.”

Risco de apropriação e a importância da autenticidade

Apesar do otimismo, Ana Paula alerta para o risco de o funk ser apropriado sem a devida representação dos artistas brasileiros durante uma possível transição para o cenário global.

“Se a gente olha para o reggaeton, por exemplo, ele cresceu globalmente porque foi liderado por artistas que vivem essa cultura. Com o funk, a gente precisa garantir que esse movimento siga um caminho legítimo”, afirma. 

Ela cita o exemplo de Beyoncé e Kanye West, que já incorporaram elementos do gênero em seus trabalhos, mas ressalta que a presença de produtores e artistas brasileiros é essencial. 

“O que a Anitta fez com ‘Funk Generation’ foi um passo importante, porque ela chamou produtores brasileiros para construir o som. O medo é o funk se tornar um elemento de tendência, sem que os artistas daqui sejam realmente incluídos.”

Lançado em abril de 2024, o disco de Anitta debutou em segundo lugar no Spotify Global, com destaque nos Estados Unidos e Reino Unido.

O papel das redes sociais e dos produtores brasileiros

Ana Paula também destaca o papel das redes sociais nesse processo. 

“A internet tem sido uma ferramenta poderosa para o funk. O TikTok, por exemplo, ajudou a impulsionar artistas que talvez nunca tivessem chegado a certos públicos. Foi assim que o Bad Bunny conseguiu atingir um novo nível de popularidade no Brasil. A mesma coisa pode acontecer com o funk, desde que a gente consiga aproveitar esse momento e colocar os nossos artistas dentro desse movimento.”

Para ela, os produtores brasileiros serão peças-chave na consolidação do funk no exterior. 

“Os produtores brasileiros vão ser essenciais para essa expansão. O funk é um ritmo eletrônico brasileiro, e são eles que sabem como criar o som certo, que realmente carrega a identidade do gênero”, afirma. 

Ela também sugere que os artistas brasileiros busquem parcerias estratégicas para conquistar espaço. 

“O momento agora é de aproveitar essa atenção global e criar conexões estratégicas. Quando um artista de fora quer fazer funk, a gente precisa estar lá. A lógica não é muito diferente do que já acontece dentro do Brasil: se você quer expandir seu público, faz um feat com alguém que já tem esse espaço. É o que a Karol G fez com ‘Toma Toma’, por exemplo.”

Enquanto o funk brasileiro segue seu caminho rumo ao estrelato global, a declaração da The Economist serve como um reconhecimento do potencial do gênero. Com uma batida contagiante, uma cultura vibrante e profissionais dedicados como Kamilla Fialho e Ana Paula Teixeira Paulino, o funk está mais do que pronto para conquistar o mundo.

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