The Economist aponta o funk brasileiro como próximo fenômeno global; especialistas analisam o potencial
Declaração da revista britânica repercutiu entre profissionais do mercado, que destacam o papel de artistas do funk brasileiro, a influência da internet e os desafios para consolidar o gênero no exterior.
Nathália Pandeló
Tempo de leitura: 5 min
Crédito: Vincent Rosenblatt
A revista britânicaThe Economisttrouxe à tona uma discussão que há anos mobiliza artistas, produtores e entusiastas da música brasileira: o potencial global do funk. Em um artigo recente, a publicação afirmou que o gênero, originário das favelas do Rio de Janeiro, está prestes a se tornar um fenômeno mundial, assim como o reggaeton fez nas últimas décadas.
Profissionais do mercado ouvidos pelo Mundo da Música concordam que o funk merece ganhar mais espaço, mas destacam que o caminho para sua internacionalização ainda exige estratégia e autenticidade.
“Funk takes off”
EmEl Boletín, sua newsletter dedicada à América Latina e exclusiva para assinantes, a The Economist destacou o crescimento do funk brasileiro e seu potencial de expansão global, apontando o gênero como a nova face da música do país. O texto ressalta que, enquanto o samba e a bossa nova moldaram a identidade musical brasileira no exterior, o funk tem ganhado força como representante da cultura contemporânea nacional.
A própria publicação admite que o sertanejo domina as paradas brasileiras há mais de uma década, impulsionado pelo crescimento do agronegócio e das regiões rurais. No entanto, sua pouca vocação para o mercado internacional abre espaço para que o funk ocupe esse papel. O gênero, que nasceu nos anos 1980 com influências do Miami bass e do electro-funk, se consolidou com batidas aceleradas e uma cultura própria de dança e bailes.
Nos últimos anos, o funk vem chamando a atenção de grandes nomes da música internacional. Apesar dos avanços, o funk ainda enfrenta desafios, como barreiras linguísticas e resistência de setores conservadores no Brasil, que tentam associar o gênero ao crime e à marginalidade.
No entanto, com o aumento do consumo de música latina no streaming e o interesse de artistas globais, especialistas apontam que a ascensão internacional do funk pode ser uma questão de tempo.
Funk brilha – mas não é de hoje
Kamilla Fialho (Crédito: Divulgação)
Kamilla Fialho, presidente da K2L e CEO da Lyons Produções, está diretamente envolvida na construção de carreiras e lidera projetos de destaque na indústria musical. Com mais de 20 anos de experiência no mercado do funk, ela comemora o momento atual, mas ressalta que a conquista de espaço no exterior não aconteceu da noite para o dia.
“Nesses mais de 20 anos trabalhando com funk nunca vi esse movimento, mas sempre acreditei que um dia ele chegaria. Acredito que a maior dificuldade estava na barreira da língua e a falta de um representante do funk que fizesse com que o mercado lá fora olhasse para o segmento sem essas barreiras”, afirma.
Para Kamilla, o trabalho de Anitta foi fundamental nesse processo.
“Ela canta ele em outro idioma, leva o trabalho até eles e o apresenta visualmente da forma mais realista e didática em seus clipes”, explica.
A executiva também destaca que a internet e as plataformas digitais têm sido aliadas poderosas na popularização do gênero.
“Hoje temos a internet muito mais presente que anos atrás. Drake foi impactado pelo Kevin Chris através do Spotify, assim como Cardi B”, exemplifica.
A profissionalização do funk e o papel dos artistas
Kamilla ressalta que os próprios artistas de funk têm se profissionalizado, entendendo que a música vai além de lançamentos e shows.
“O movimento do funk no Brasil também entendeu que a música vai além do lançar e fazer show. Os funkeiros hoje, em sua maioria, estudam o mercado, estratégias, marketing, fazem conexões estratégicas. É uma junção de fatores”, afirma.
Essa mudança de mentalidade, segundo ela, tem sido crucial para o crescimento do gênero tanto no Brasil quanto no exterior.
A batida dançante e os desafios da internacionalização
“O funk tem algo muito forte: ele é uma música dançante. Você não precisa entender a letra para sentir o ritmo, para querer se mexer. É isso que faz ele ultrapassar barreiras culturais e linguísticas”, explica.
No entanto, ela lembra que o português ainda é um desafio.
“Quando a gente olha para o mercado internacional, a gente vê que poucos países falam português, o que sempre foi um desafio para exportar nossa música. Mas o funk tem essa vantagem da batida, que conecta as pessoas independentemente do idioma.”
Risco de apropriação e a importância da autenticidade
Apesar do otimismo, Ana Paula alerta para o risco de o funk ser apropriado sem a devida representação dos artistas brasileiros durante uma possível transição para o cenário global.
“Se a gente olha para o reggaeton, por exemplo, ele cresceu globalmente porque foi liderado por artistas que vivem essa cultura. Com o funk, a gente precisa garantir que esse movimento siga um caminho legítimo”, afirma.
Ela cita o exemplo de Beyoncé e Kanye West, que já incorporaram elementos do gênero em seus trabalhos, mas ressalta que a presença de produtores e artistas brasileiros é essencial.
“O que a Anitta fez com ‘Funk Generation’ foi um passo importante, porque ela chamou produtores brasileiros para construir o som. O medo é o funk se tornar um elemento de tendência, sem que os artistas daqui sejam realmente incluídos.”
Lançado em abril de 2024, o disco de Anitta debutou em segundo lugar no Spotify Global, com destaque nos Estados Unidos e Reino Unido.
O papel das redes sociais e dos produtores brasileiros
Ana Paula também destaca o papel das redes sociais nesse processo.
“A internet tem sido uma ferramenta poderosa para o funk. O TikTok, por exemplo, ajudou a impulsionar artistas que talvez nunca tivessem chegado a certos públicos. Foi assim que o Bad Bunny conseguiu atingir um novo nível de popularidade no Brasil. A mesma coisa pode acontecer com o funk, desde que a gente consiga aproveitar esse momento e colocar os nossos artistas dentro desse movimento.”
Para ela, os produtores brasileiros serão peças-chave na consolidação do funk no exterior.
“Os produtores brasileiros vão ser essenciais para essa expansão. O funk é um ritmo eletrônico brasileiro, e são eles que sabem como criar o som certo, que realmente carrega a identidade do gênero”, afirma.
Ela também sugere que os artistas brasileiros busquem parcerias estratégicas para conquistar espaço.
“O momento agora é de aproveitar essa atenção global e criar conexões estratégicas. Quando um artista de fora quer fazer funk, a gente precisa estar lá. A lógica não é muito diferente do que já acontece dentro do Brasil: se você quer expandir seu público, faz um feat com alguém que já tem esse espaço. É o que a Karol G fez com ‘Toma Toma’, por exemplo.”
Enquanto o funk brasileiro segue seu caminho rumo ao estrelato global, a declaração da The Economist serve como um reconhecimento do potencial do gênero. Com uma batida contagiante, uma cultura vibrante e profissionais dedicados como Kamilla Fialho e Ana Paula Teixeira Paulino, o funk está mais do que pronto para conquistar o mundo.