As festas populares fazem parte da identidade cultural brasileira e costumam atrair grandes públicos em todo o país. Para muita gente dentro e fora do Brasil, o carnaval é visto como o maior evento nacional, mas os dados mais recentes indicam um cenário diferente.
Um levantamento da JLeiva Cultura & Esporte, realizado com patrocínio do Itaú e do Instituto Cultural Vale, analisou os hábitos culturais dos moradores das capitais brasileiras. Os dados mostram que, ao contrário da imagem comum associada ao Brasil, o carnaval ficou atrás das festas juninas em todas as cidades pesquisadas. Em Recife, a diferença foi menor, mas ainda dentro da margem de erro. Nas demais capitais, a distância ultrapassou os 10 pontos percentuais.
O estudo sobre hábitos culturais dos brasileiros constatou que 78% dos frequentadores de eventos populares nas capitais participaram de festas juninas nos últimos 12 meses anteriores à pesquisa e que 48% foram a desfiles ou participaram de blocos de carnaval. João Leiva, diretor da JLeiva Cultura & Esporte, resumiu:
Em entrevista à Agência Brasil, Leiva afirmou que isso pode ser explicado pelo fato de as festas juninas serem mais descentralizadas que o carnaval, sendo realizadas inclusive em escolas e igrejas católicas e reunirem também um público mais amplo e diverso. Além disso, as festas juninas acabam se estendendo por um período maior do ano, destacou.
“Essa característica – incontáveis eventos distribuídos por quase todas as regiões – ajuda a aumentar o acesso. Por outro lado, mesmo as festas juninas de grande porte, em grandes espaços, não chegam a ter tanto alcance midiático quanto os grandes blocos e desfiles de carnaval. Ou seja: as festas juninas, somadas, têm mais gente, mas menos fama”, disse o pesquisador.
Sertanejo domina as paradas musicais
Outro dado da pesquisa reforça o cenário cultural predominante no Brasil. O sertanejo foi apontado como o gênero musical favorito em 15 das 27 capitais, sendo citado por 34% dos entrevistados entre seus três ritmos preferidos. O índice supera a soma entre o samba (11%) e o pagode (18%), gêneros historicamente ligados à identidade musical do país.
A pesquisa mostra que a popularidade do sertanejo é consistente em todas as faixas etárias, exceto entre os jovens de 16 a 24 anos, onde ocupa a quarta posição. O gênero lidera entre os grupos de 25 a 34 anos (35%), 35 a 44 anos (35%), 45 a 59 anos (36%) e acima de 60 anos (33%).
Consumo cultural em queda
A pesquisa também aponta que a participação em atividades culturais presenciais diminuiu entre 2017 e 2024. Apenas 48% dos entrevistados afirmaram ter ido ao cinema no último ano, e um terço da população nunca visitou um museu. Além disso, 38% disseram que jamais assistiram a uma peça de teatro.
Segundo Leiva, a pandemia de Covid-19 acelerou mudanças nos hábitos culturais. A necessidade de isolamento social impulsionou o consumo de conteúdo digital e consolidou novas rotinas. A insegurança em frequentar espaços fechados e a redução na renda de parte da população também foram apontadas como fatores para a retração da presença em eventos culturais.
Interesse e acesso ainda são desiguais

Embora os dados mostrem um afastamento do público de espaços culturais tradicionais, a pesquisa identificou um público potencial que demonstra interesse em atividades como shows, festas populares, museus e espetáculos teatrais. Entre os que não participaram desses eventos recentemente, muitos atribuíram a ausência a dificuldades financeiras ou falta de espaços próximos.
O estudo também revelou desigualdades no acesso à cultura. Pessoas com maior escolaridade e renda frequentam mais atividades culturais. Enquanto 9% dos entrevistados com ensino fundamental afirmaram ter ido ao teatro, o índice sobe para 40% entre aqueles com ensino superior. Em relação à renda, as diferenças são mais acentuadas no acesso a concertos, teatro e museus, enquanto festas populares e jogos eletrônicos são mais acessíveis a todas as classes.
Mulheres demonstram mais interesse, mas enfrentam barreiras
Apesar de homens e mulheres frequentarem eventos culturais em proporções semelhantes, a pesquisa mostrou que as mulheres têm um interesse maior em atividades culturais, mas encontram mais barreiras para transformar esse interesse em presença real. Donas de casa, por exemplo, formam o grupo com menos acesso a atividades culturais.
Idosos também se destacam entre os grupos com menor envolvimento em atividades culturais. A baixa escolaridade entre as gerações mais velhas e a distância dos principais equipamentos culturais foram apontadas como possíveis razões para essa exclusão. Segundo Leiva, a descentralização dos espaços culturais e políticas de incentivo poderiam ampliar o alcance dessas atividades.
Educação e renda moldam o consumo cultural
O levantamento destacou que a escolaridade é um fator determinante no consumo de cultura. O acesso a atividades como leitura de livros, videogames e espetáculos cresce conforme aumenta o nível de escolaridade do indivíduo. Entre os que têm ensino fundamental, apenas 9% disseram ter ido ao teatro, enquanto esse percentual chega a 40% entre aqueles com ensino superior.
A pesquisa também reforça que, embora a renda seja um fator relevante para a participação cultural, a educação tem um impacto ainda maior. Entre pessoas das classes D e E com ensino superior, 97% participaram de pelo menos uma atividade cultural no último ano, enquanto esse índice cai para 83% entre os entrevistados da classe A que têm apenas o ensino fundamental.
Políticas culturais e o futuro do acesso
O estudo aponta que, apesar da retração no consumo cultural presencial, há um grande potencial de crescimento. Os dados indicam que muitas pessoas têm interesse em participar de eventos, mas enfrentam desafios como localização e custo.
A descentralização dos espaços culturais poderia ampliar o acesso, especialmente para grupos menos favorecidos. Além disso, o fortalecimento de políticas culturais e incentivos pode ajudar a reverter a tendência de queda na participação em atividades presenciais, promovendo maior inclusão no setor.