Não é apenas a ausência de concertos ao vivo a razão para enorme preocupação com a profissão dos músicos. Ao contrário do que ocorria em meios tradicionais como a TV e o rádio, músicos não são remunerados pelo consumo de suas faixas nos serviços digitais. Neste cenário, urge questionar: até quando a indústria da música irá ignorar os músicos?
Ocorre que, no Brasil, apenas os intérpretes recebem royalties oriundos do acesso às músicas em players como Spotify e YouTube. Isso decorre do fato de que apenas direitos conexos de reprodução (também chamados de direitos artísticos) são remunerados por aqui nos meios digitais. Desse modo, assim como na era da venda de discos e CDs, músicos – responsáveis por construir a base, a estrutura, o arcabouço da música – recebem apenas um cachê quando da gravação de que participam. Repetindo: pela utilização econômica das músicas em meios digitais, músicos não recebem nada.
Países centrais como Estados Unidos e Inglaterra (e a União Européia como um todo) têm se debruçado sobre essa problemática. Nos EUA, uma grande reforma na Lei de Direito Autoral foi realizada, tendo como resultado, entre outros aspectos, a criação de uma companhia público-privada para arrecadação de direitos no digital (a Music License Company – MLC). A companhia vai remunerar todos os titulares de direitos, incluídos os músicos, pelo consumo de música no digital. Essa iniciativa advém, entre outros fatores, de uma grande campanha capitaneada por importantes músicos acompanhantes, com destaque para o tecladista do Maroon 5, PJ Morton.
E no Brasil? Neste país, a política pública de direito autoral, construída ao longo de 20 anos no âmbito do extinto MinC por nomes como Otávio Afonso e Marcos Souza, foi completamente desintegrada. Como consequência, assistimos a uma indústria da música que ignora a necessidade de criação de mecanismos regulatórios de remuneração para a subsistência dos músicos, elementos fundamentais e sem os quais não haveria a gravação de fonogramas. Sobretudo em um momento de crise em que vivemos, relegar aos músicos a única opção de receber cachês por gravações é condená-los à miséria.
De fato, na execução pública tradicional – que exclui o streaming -, o ECAD tem uma rubrica especial para os músicos, modo de compensá-los por não participarem da venda de discos. Por que, então, não há nos meios digitais uma remuneração especial para os músicos? Se os intérpretes e produtores fonográficos, também titulares de direitos conexos, são remunerados, por que logo os músicos – também chamados de músicos executantes ou acompanhantes – não têm uma remuneração especial no digital? Passou da hora de criarmos mecanismos para garantir a remuneração para aqueles que constroem o alicerce dessa indústria. Ignorá-los e renegar sua participação nos royalties dos meios digitais é renegar a própria música. Uma indústria da música precisa valorizar seus músicos.
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Daniel Campello é advogado graduado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UFRJ, em 2004, membro da OAB/RJ desde 2004. É Mestre em Direito Autoral, com dissertação sobre Edição Musical em 2013, e Doutorando em Direito Autoral, com pesquisa sobre Streaming e Regulação, desde 2016; ambos pela UFRJ, tendo sido pesquisador visitante da Queen Mary University, em Londres, em 2017/18. Trabalhando com direito autoral desde 2005, é fundador e CEO da ORB Music desde 2012, uma Plataforma de Negócios de Música que provê toda a infraestrutura necessária para que editoras musicais, selos e artistas independentes possam alcançar seu público consumidor e receber, em contrapartida, todos os valores referentes aos direitos autorais e royalties que lhes sejam devidos.