A inteligência artificial chegou com a promessa de democratizar a criação musical. De permitir que qualquer pessoa componha, arranje, cante, escreva e produza com qualidade profissional, sem depender de ninguém.
A tão sonhado dia de ouvir sua música materializada. Chega de ter dor de cabeça com arranjador que cobra caro pelo serviço, não entende seu pedido e ainda demora 10 dias pra entregar uma produção. Imagine a eternidade que são 10 dias para o discípulo da máxima do “quero tudo pra ontem!”, ainda mais agora com o Suno, que faz uma música em 10 segundos.
Eu vou cantar uma bola aqui e me dê moral porque cada loucura que eu disse na internet está acontecendo: vem se revelando uma forma nova e silenciosa de aprisionamento criativo. O músico que usar pela primeira vez a inteligência artificial vai usar a segunda, a terceira, a quarta e daqui a pouco estará viciado e incapaz de fazer música sem a ferramenta. A deliciosa arte humana de inventar temas, escrever letras, elaborar arranjos e tocar um instrumento está com os dias contados.
Na verdade, já estamos aprisionados há um certo tempo, desde que o Spotify determinou a forma como temos que compor, arranjar, cantar e mixar. Estamos todos aprisionados em um padrão que aceitamos em busca da promessa de maior alcance orgânico e melhora da taxa de retenção dos ouvintes. O “downgrade criativo” em troca da promessa que não se realizou.
Quando todo mundo usa a mesma forma, a mesma métrica e as mesmas referências, é claro que tudo começa a soar igual. A inteligência artificial não gera a partir da sua experiência ou vivência, ela gera a partir de padrões. Ao lado da minha “teoria do aprisionamento criativo” vem a “teoria do efeito buraco negro criativo” e é muito importante você entender e estar preparado pra isso.

O buraco negro criativo
O buraco negro criativo prevê um colapso da diversidade artística, provocado pelo excesso de semelhança. A inteligência artificial começa a produzir tanto conteúdo parecido, extraído dos mesmos aprendizados, que tudo é sugado para dentro de um mesmo campo gravitacional.
O próximo passo nessa jornada rumo ao colapso é justificar o uso da IA pra otimizar serviço. “A inteligência artificial aumenta a minha produtividade”. Vamos passar a admirar músicos eficientes e perfeitos, afinal, com tanta tecnologia, chega da imperfeição da arte, o erro que emociona, a pausa fora do tempo, o desafino. E isso fará com que um dia amemos (E MUITO!) a imperfeição: a voz que falha, a palavra que escapa, a pausa fora do tempo, Nós vamos procurar resquícios de imperfeições pra as matar a saudade do que é ser humano. Isso parece loucura?
Vai começar nossa busca por tudo que a inteligência artificial não consegue ou não quer reproduzir. Quanto mais melodias forem “geradas”, mais preciosa será a melodia que foi realmente CRIADA. E refletindo muito, muito mesmo, eu cheguei à conclusão de que a IA não vai acabar com os artistas, músicos e compositores, ele vai apenas jogar uma luz enorme em quem são os criadores intelectuais de verdade. Os que escrevem porque têm algo a dizer, muito acima daqueles que o fazem apenas porque têm algo pra publicar.
A tecnologia vai continuar avançando e, sim, estão todos certos quando dizem que não tem mais volta. Mas eu ouso acreditar que enquanto houver alguém que escreva a partir do que viveu, a arte vai continuar existindo. E o buraco negro da criatividade não vai engolir quem tem alma.
No fim dessa reflexão toda, eu começo a me animar novamente, entendendo que o problema não é a inteligência artificial criar demais. São os humanos criarem de menos. É muito importante entendermos que no meio de todo esse ruído digital, é necessário o silêncio da autenticidade. Mas vamos com calma. Absorva essa ideia no seu tempo porque ainda está cedo pra acreditar em tudo isso.
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