A desigualdade de gênero no mercado musical segue sendo uma realidade no Brasil. O relatório “Mulheres na Música 2025”, divulgado pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) no Dia Internacional da Mulher, apresenta um panorama sobre a participação feminina na arrecadação de direitos autorais de execução pública. Os dados mostram que, embora o número de mulheres contempladas tenha aumentado nos últimos cinco anos, os valores distribuídos para elas continuam abaixo de 10% do total repassado pelo setor.
Em 2024, 29 mil mulheres receberam direitos autorais de execução pública, um crescimento em relação às 22 mil beneficiadas em 2020. Esse aumento acompanha a expansão da base total de titulares beneficiados, que subiu de 263 mil para 345 mil no mesmo período.
No entanto, a disparidade nos valores recebidos se mantém: do total de R$ 1,5 bilhão arrecadado pela gestão coletiva da música em 2024, R$ 926 milhões foram destinados a pessoas físicas, mas apenas R$ 75 milhões (8%) chegaram às mulheres. Esse percentual é o mesmo registrado em 2023, o que indica um crescimento absoluto no valor, mas sem avanço na participação proporcional.
Os dados apresentados no relatório foram extraídos do banco de dados da gestão coletiva do Ecad, que reúne informações de mais de 4 milhões de titulares cadastrados em sete associações de música no Brasil (Abramus, Amar, Assim, Sbacem, Sicam, Socinpro e UBC). Para identificar o gênero dos titulares, o estudo utilizou dados declarados e, nos casos em que essa informação não estava disponível, cruzou nomes com estatísticas do IBGE. Os valores analisados consideram apenas pessoas físicas contempladas com repasses de direitos autorais, desconsiderando lançamentos manuais e titulares sem identificação de gênero.
Desafios estruturais e baixa presença feminina entre os maiores rendimentos
A desigualdade é ainda mais evidente entre os 100 titulares que mais receberam direitos autorais em 2024, grupo no qual apenas 5% eram mulheres. O percentual representa uma queda em relação a 2023, quando chegou a 6%, e reflete a dificuldade das compositoras em alcançar os maiores rendimentos no setor. Nos últimos anos, a participação feminina nesse grupo oscilou entre 4% e 6%, demonstrando um crescimento irregular e insuficiente para equilibrar o cenário.
A superintendente executiva do Ecad, Isabel Amorim, reforça a necessidade de ações concretas para reverter esse quadro:
“Em um momento em que os direitos das mulheres estão sendo desafiados em várias partes do mundo, é ainda mais crucial que as empresas assumam um papel ativo na promoção da igualdade de gênero. Ao fazer isso, elas não apenas contribuem para um mundo mais justo e equitativo, mas também fortalecem suas próprias operações e garantem um futuro mais próspero para todos. Neste contexto, o estudo do Ecad se mostra cada vez mais fundamental e relevante”, ressalta.
Setores de maior retorno financeiro para mulheres
O relatório identifica quais segmentos da indústria musical mais geraram receita para mulheres em 2024. TV Aberta e TV Fechada foram responsáveis por 27% dos rendimentos femininos, enquanto o setor de rádio respondeu por 19,5%. Os shows, mesmo sendo um segmento tradicionalmente relevante, representaram 14,7% do total recebido por mulheres.
A análise também aponta que eventos sazonais, como Carnaval e Festas Juninas, tiveram impacto financeiro reduzido para as mulheres, somando menos de 2% dos rendimentos femininos. Isso demonstra que, mesmo em contextos onde há forte presença de cantoras e compositoras, a arrecadação não reflete essa representatividade.

Participação feminina no banco de dados da gestão coletiva
O Ecad conta com 4 milhões de titulares cadastrados, entre nacionais e estrangeiros, mas apenas 10% são mulheres. Dentro desse grupo de aproximadamente 400 mil titulares femininas, 78% estão cadastradas como autoras, 31% como intérpretes e uma parcela menor ocupa posições como musicistas e produtoras fonográficas.
Em 2024, foram cadastradas 12 mil novas mulheres no banco de dados, representando 12% dos novos cadastros. Esse número, no entanto, é inferior ao de 2023, quando as mulheres corresponderam a 20% dos novos registros.
Presença feminina na autoria das músicas mais tocadas
Entre as 100 músicas mais tocadas em shows em 2024, 16% tiveram participação feminina na composição. O ranking conta com apenas 15 compositoras, e nenhuma delas aparece no top 20. As primeiras mulheres surgem apenas a partir da 21ª posição, com MC Danny e Márcia Araújo sendo as únicas compositoras a aparecerem mais de uma vez no ranking.
Além disso, o relatório destaca que muitas das canções populares que mencionam mulheres em suas letras foram compostas por homens. Exemplos disso são “Anna Júlia”, escrita por Marcelo Camelo e popularizada pela banda Los Hermanos, e “Mulher de Fases”, de Rodox e Digão, sucesso do Raimundos.
Comparação com o mercado internacional
O relatório cita o estudo “Inclusion in the Recording Studio”, da Universidade do Sul da Califórnia, que analisa a presença feminina na música dos Estados Unidos. Em 2024, 37% dos artistas do Billboard Hot 100 Year-End Chart eram mulheres, um pequeno aumento em relação a 2023 (35%). A participação feminina na composição também foi estável, representando 19% das compositoras do ranking.
Nos bastidores, o avanço foi mínimo: 54% das músicas mais populares do ano contavam com pelo menos uma mulher na composição, mantendo o mesmo percentual de 2023. Esses dados mostram que, apesar dos desafios, a participação feminina nos Estados Unidos apresenta números mais elevados do que no Brasil, onde as compositoras representam apenas 10% da base de cadastrados no Ecad.
Desigualdade persiste: mulheres seguem com baixa participação na indústria musical
O relatório do Ecad reforça que a presença feminina na indústria musical brasileira ainda é desproporcional, tanto na arrecadação de direitos autorais quanto na autoria das músicas mais tocadas.
Apesar do aumento no número de mulheres contempladas com direitos autorais, os valores distribuídos a elas continuam abaixo de 10% do total, e sua representatividade entre os maiores rendimentos é reduzida.
Os desafios vão além da arrecadação. A baixa participação feminina no banco de dados da gestão coletiva, somada à ausência de compositoras no topo das paradas de sucesso, evidencia a necessidade de políticas e ações que incentivem a equidade de gênero no setor musical.
“A equidade de gênero não é apenas uma questão de justiça social, mas também um fator essencial para o sucesso e a sustentabilidade de negócios. No âmbito da música não é diferente. Em um mercado majoritariamente masculino, nós mulheres precisamos provar duas, três, quatro vezes mais que somos capazes de ocupar aquele espaço. Inclusive, provar para nós mesmas que temos os conhecimentos e habilidades necessárias sem sermos abatidas pela síndrome da impostora. Dessa forma, é preciso criar meios para empoderar e inspirar meninas e mulheres a seguirem seus sonhos de ter uma carreira na música, seja nos palcos ou nos bastidores. Que todas sejamos CEOs das nossas próprias vidas”, conclui Isabel.