A representação feminina na música continua sendo um tema debatido no setor. O estudo anual da USC Annenberg Inclusion Initiative, que analisa a presença de mulheres em charts e premiações musicais, aponta que, apesar de alguns avanços, os números seguem abaixo do esperado. Em 2024, 37,7% dos artistas do ranking Billboard Hot 100 Year-End eram mulheres — um leve aumento em relação a 2023, quando esse percentual foi de 35%.
Por outro lado, a presença de compositoras caiu de 19,5% para 18,9%, enquanto a de produtoras também teve retração, de 6,5% para 5,9%. A falta de mudanças significativas levanta questões sobre a efetividade das iniciativas de inclusão na indústria musical e o ritmo lento das transformações. Embora os dados sejam restritos aos Estados Unidos, eles revelam um problema sistêmico que se apresenta nos mais variados contextos, inclusive no Brasil.
Desafios na composição e produção
Os dados do estudo reforçam a desigualdade no setor. Nos últimos 13 anos, apenas 13,8% dos compositores creditados nos charts eram mulheres. Em 2024, 54% das músicas no Hot 100 tiveram pelo menos uma mulher como compositora, mas a presença feminina ainda é muito menor do que a masculina.
Na produção, os números são ainda mais baixos. Apenas 5,9% dos créditos de produção foram para mulheres em 2024, o que representa uma queda em relação ao ano anterior. Nos últimos 13 anos, 93,3% das faixas de maior sucesso foram produzidas sem a participação de mulheres, evidenciando uma barreira no acesso a essas funções dentro da indústria.
Outro ponto relevante é a distribuição de gênero nos gêneros musicais. Enquanto no pop e no R&B a presença de mulheres artistas é mais visível, no hip-hop e na música eletrônica, por exemplo, o espaço continua sendo predominantemente masculino. Isso impacta a forma como talentos femininos conseguem se estabelecer nesses mercados, limitando oportunidades e reconhecimento.
Participação feminina nos charts e premiações

O estudo também analisou a presença de mulheres em premiações como o Grammy. Em 2025, 22,7% dos indicados nas principais categorias eram mulheres, um percentual similar ao do ano anterior. O número é consideravelmente maior do que os 7,9% registrados em 2013, mas sem avanços expressivos em relação a 2024.
Nas categorias de gravação e canção do ano, a presença feminina caiu em relação ao ano anterior. Em contrapartida, a categoria de Produtor do Ano teve uma mulher indicada, o que representa um avanço, ainda que modesto, dado o histórico de baixa participação feminina.
A diferença na representação também reflete a forma como o mercado reconhece as artistas. Mulheres que se destacam muitas vezes são categorizadas em gêneros mais comerciais e acessíveis, enquanto homens têm maior liberdade para transitar por diferentes estilos sem a mesma segmentação.
Impacto da representatividade racial

A pesquisa também abordou a presença de artistas de grupos sub-representados. O percentual de artistas não brancos nos charts caiu de 61% em 2023 para 44,6% em 2024. Essa queda afetou tanto homens quanto mulheres, mas a redução foi mais acentuada entre as artistas femininas negras e latinas.
Mulheres de cor representavam 40,8% das artistas femininas em 2024, uma queda expressiva em relação aos 64,9% de 2023. A diminuição reforça os desafios de diversificação do mercado, tanto em gênero quanto em etnia, e levanta questões sobre a permanência dessas artistas na indústria.
Segundo a universidade, fora dos charts principais, a cena independente tem mostrado maior diversidade, com mulheres ocupando espaços mais amplos em festivais e em plataformas digitais. No entanto, esse crescimento ainda não se reflete completamente nas listas de músicas mais ouvidas globalmente.
Realidade das mulheres na música brasileira não é muito diferente
No Brasil, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) apontou que o número de mulheres beneficiadas com direitos autorais subiu de 25 mil em 2022 para 29 mil em 2023, e a presença feminina entre as músicas mais tocadas em shows aumentou.
No entanto, a desigualdade persiste: a União Brasileira de Compositores (UBC) revelou que 80% das mulheres do setor relataram discriminação e, apesar do crescimento na participação, apenas 7% dos direitos autorais distribuídos em 2021 foram para mulheres.
A evolução é perceptível, mas ainda há barreiras para uma maior equidade na indústria musical.
Iniciativas e barreiras para mudanças
Diversos programas e organizações têm buscado ampliar a participação feminina na indústria musical americana, como Be The Change, Keychange, She Is The Music e EQUAL, do Spotify. Essas iniciativas oferecem oportunidades para compositoras e produtoras, mas o impacto ainda não se reflete plenamente nos números do setor.
A falta de mudanças estruturais pode estar ligada às decisões das gravadoras e dos executivos de A&R. Segundo Stacy L. Smith, autora do estudo:
“A indústria musical funciona como um espelho do cinema: há muita publicidade sobre apoio às mulheres, mas poucas mudanças reais”.
Para que os avanços se tornem efetivos, a mudança precisa ocorrer nas decisões de contratação e investimento no talento feminino dentro do setor. O estudo reforça que o avanço na inclusão de mulheres depende de iniciativas concretas e de um comprometimento real por parte das grandes gravadoras e das lideranças do mercado. Sem mudanças estruturais, a presença feminina pode continuar crescendo em ritmo lento, sem alterações significativas nos bastidores da música.