A indústria da música, muitas vezes associada à glória e ao sucesso, esconde uma realidade sombria: músicos estão entre os profissionais com maior risco de suicídio. É o que revela o estudo “Musicians, the music industry, and suicide: epidemiology, risk factors, and suggested prevention approaches” (Músicos, a indústria da música e o suicídio: epidemiologia, fatores de risco e abordagens sugeridas de prevenção) conduzido por George Musgrave e Dorian A. Lamis.
A pesquisa, que analisou dados do Reino Unido e dos EUA, aponta que a combinação de problemas de saúde mental, uso de substâncias e pressões da carreira contribui para uma taxa de suicídio significativamente maior entre artistas, especialmente mulheres e aqueles ligados a gêneros como rock, punk e heavy metal.
O estudo também aborda a romantização do sofrimento na música, exemplificada pelo chamado “Clube dos 27”, que reúne ícones como Jimi Hendrix, Amy Winehouse e Kurt Cobain, todos mortos aos 27 anos. Segundo os autores, essa narrativa pode ser prejudicial, pois glamouriza a autodestruição e desvia o foco da necessidade de intervenções concretas para salvar vidas.
Fatores de risco: saúde mental, pressão e isolamento
Os pesquisadores identificaram uma série de fatores que tornam os músicos particularmente vulneráveis ao suicídio. Entre eles, destacam-se altas taxas de depressão e ansiedade, consumo excessivo de álcool e drogas, e o estresse gerado pela instabilidade financeira e pela busca constante por sucesso.
Mulheres na música enfrentam um risco 69% maior de suicídio do que a média feminina no Reino Unido, enquanto nos EUA, a categoria que inclui músicos registrou a maior taxa de suicídio feminino em 2012, 2015 e 2021.
A pressão da indústria também é um ponto crítico. Músicos freelancers, por exemplo, frequentemente lidam com isolamento social e falta de suporte estrutural. Além disso, a exposição nas redes sociais e a cobrança por validação agravam o estresse emocional.
O estudo ainda menciona o exemplo do K-pop, onde jovens artistas enfrentam treinamentos rigorosos, pressão extrema e cyberbullying, fatores que têm sido associados a uma série de suicídios entre estrelas do gênero.
Estratégias de prevenção: mudanças na indústria e apoio psicológico

Para enfrentar o problema, Musgrave e Lamis sugerem a adaptação do “Zero Suicide Framework”, um modelo já utilizado em outras indústrias para reduzir riscos e salvar vidas. Entre as medidas propostas estão o treinamento de profissionais da música para identificar sinais de risco, a criação de redes de apoio específicas para músicos e o acesso facilitado a tratamentos de saúde mental.
O estudo também defende mudanças estruturais na indústria, como a adoção de horários mais saudáveis, maior segurança financeira e ambientes de trabalho menos abusivos. “A indústria musical é profundamente perigosa”, alerta George Musgrave em entrevista ao The Guardian. “Nenhuma outra área toleraria tantas perdas sem agir.”
Algumas iniciativas já estão em andamento. Gravadoras como a Sony criaram cargos focados em bem-estar, e organizações como a Help Musicians oferecem apoio psicológico e financeiro a artistas. No entanto, os pesquisadores destacam que essas ações ainda são insuficientes diante da magnitude do problema.
Um chamado para a ação
A pesquisa reforça que a música, apesar de sua importância cultural, é uma profissão de alto risco para a saúde mental. A combinação de fatores individuais e estruturais cria um ambiente propício ao suicídio, exigindo intervenções urgentes e coordenadas.
Enquanto a indústria começa a dar os primeiros passos na direção de um ambiente mais seguro, os autores defendem a necessidade de mais pesquisas e de um diálogo aberto sobre saúde mental, sem reforçar estereótipos prejudiciais. “Precisamos parar de romantizar o sofrimento e começar a agir para salvar vidas”, conclui Musgrave.
Com dados alarmantes e propostas concretas, o estudo serve como um alerta para a indústria da música e para a sociedade como um todo, destacando a importância de cuidar daqueles que dedicam suas vidas à arte.
A prevenção ao suicídio é uma questão de saúde pública que exige atenção e ação coletiva. No Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional e prevenção ao suicídio 24 horas por dia, de forma gratuita e sigilosa, através do telefone 188, além de chat online e e-mail. Campanhas como o Setembro Amarelo buscam conscientizar a população sobre a importância de falar sobre saúde mental e buscar ajuda.
Dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2021, foram registradas mais de 14 mil mortes por suicídio no país, reforçando a necessidade de políticas públicas e iniciativas que promovam o acolhimento, a redução do estigma e o acesso a tratamentos de saúde mental. A prevenção também passa pela educação, com a identificação precoce de sinais de risco, como mudanças de comportamento, isolamento social e falas sobre desesperança, e pelo fortalecimento de redes de apoio, incluindo familiares, amigos e profissionais da saúde.
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