A edição 2025 do relatório da ANAFIMA sobre o PIB da música no Brasil revela um setor de dimensões bilionárias, que movimentou R$ 116,06 bilhões em 2024. O estudo mostra a música como ativo estratégico, mas também expõe desafios como a concentração geográfica e a dependência externa de equipamentos e instrumentos.
O relatório analisa toda a cadeia de valor, do mercado fonográfico às apresentações ao vivo, passando pelo comércio de instrumentos, empregos formais e a presença da música em igrejas. Mais do que números, o levantamento aponta tendências de consumo e transformação da indústria musical brasileira, que se consolida como uma das maiores do mundo.

O domínio da música ao vivo
O segmento de música ao vivo foi responsável por R$ 94 bilhões do PIB setorial em 2024, o equivalente a 81% do total. A ANAFIMA estima que o país tenha registrado mais de 100 mil datas de eventos no ano, com um ticket médio de R$ 432. O recorte mostra uma polarização: enquanto festivais regionais e independentes cobram ingressos de R$ 30 a R$ 250, megaeventos chegam a praticar valores de R$ 795 a R$ 1.100 na pista e acima de R$ 3.000 em áreas premium.
O impacto econômico dos grandes eventos impressiona. O Carnaval do Rio movimentou R$ 5 bilhões, seguido pelo Carnaval de Minas Gerais (R$ 4,7 bi), o Carnaval de São Paulo (R$ 3,4 bi) e o Carnaval de Salvador (R$ 2 bi). Entre os shows internacionais, a apresentação de Madonna em Copacabana atraiu 1,6 milhão de pessoas e gerou até R$ 469 milhões, enquanto o Lollapalooza Brasil alcançou até R$ 500 milhões.
O avanço do streaming

O mercado fonográfico brasileiro registrou faturamento de R$ 3,486 bilhões em 2024, um crescimento de 21,7% em relação ao ano anterior. Segundo os novos dados da ANAFIMA, o streaming domina a cena, com 87,6% da receita. As assinaturas geraram R$ 2,077 bilhões (68% do total), enquanto a publicidade em áudio e vídeo somou R$ 978 milhões.
O relatório destaca ainda que 93,5% das 200 músicas mais ouvidas no país em 2024 foram produções nacionais, evidenciando forte soberania cultural pela qual o Brasil já é conhecido. O Spotify manteve liderança absoluta, com 60,7% do mercado de assinaturas. Essa concentração mostra como as plataformas digitais seguem determinando estratégias de distribuição e promoção.
O peso dos direitos autorais
A arrecadação de direitos autorais pelo Ecad atingiu R$ 1,8 bilhão em 2024, um aumento de 12% em relação a 2023. Do total, R$ 1,5 bilhão foi distribuído a mais de 345 mil titulares, respeitando a divisão legal: 78% para compositores e editores e 22% para intérpretes, músicos executantes e produtores fonográficos.
Pela primeira vez, os serviços digitais se tornaram a principal fonte de arrecadação, respondendo por 26% do total, superando rádio, TV e eventos. O número de apresentações licenciadas também cresceu: foram 70 mil shows e festivais registrados em 2024, 11% a mais que no ano anterior.
Dependência externa de equipamentos
O setor de áudio e instrumentos movimentou R$ 14,6 bilhões em 2024, mas mantém dependência crítica de importações, que representam 99,1% do valor transacionado. As importações chegaram a US$ 577 milhões, contra exportações de apenas US$ 10,4 milhões, gerando déficit de US$ 566,6 milhões.
Isso significa que o músico brasileiro paga, em média, o dobro do que um consumidor nos EUA ou na Europa pelos mesmos equipamentos. A China respondeu por 67,8% das compras, e o Porto de Santos concentrou mais da metade das operações de entrada.
Empresas e empregos
O relatório da ANAFIMA revela que o ecossistema empresarial da música no Brasil é formado por 19.530 CNPJs. Desse total, 88,4% são microempresas e 47,3% operam como MEI. A concentração é clara: 53% das empresas estão no Sudeste, com destaque para São Paulo, que sozinho reúne 30,1%.
Em 2024, o setor empregou formalmente 13,3 mil trabalhadores, com saldo positivo de 1.618 vagas. A produção musical e a sonorização foram responsáveis por 40% das novas contratações. Estima-se ainda que o ensino de música empregue mais de 50 mil profissionais, somando redes formais e atividades complementares. A disparidade de gênero persiste: 64,4% das admissões foram de homens e 35,6% de mulheres.
Diante dos dados, o presidente da ANAFIMA, Daniel Neves, pontuou:
“O mapeamento de 19.530 empresas indica estrutura fragmentada, com 47,3% operando como MEI, o que amplia formalização, mas impõe limites de escala e proteção social. O fenômeno exige políticas de qualificação, crédito e dados para a tomada de decisão.”
Neves ainda levantou uma demanda que ajudaria a guiar o setor no caminho oposto a essa informalidade:
“Diante disso, ainda que um sonho, criar a Agência Nacional da Música (AGEMUS) é uma necessidade de governança, com mandato para regulação inteligente, fomento orientado a resultados e inteligência de mercado. Sem coordenação, um setor que cresce de forma consistente e já demonstrou força global seguirá subalocado. O setor tem condições de gerar impacto econômico adicional quando políticas forem ancoradas em métricas e transparência metodológica”, analisa.

Música e religião
A música religiosa também se destaca na economia. O Brasil tem quase 580 mil templos, que sustentam uma demanda contínua por instrumentos e sonorização. Igrejas evangélicas e católicas lideram em termos de formação de músicos e produção fonográfica, mostrando a força do gospel como um dos vetores de crescimento.
A presença desse segmento reforça a ideia de que a música no Brasil não se limita a entretenimento, mas atravessa cultura, fé e identidade social. Essa capilaridade ajuda a entender por que o setor alcança cifras tão expressivas.
Tendências de mercado
Os dados da ANAFIMA mostram que a música no Brasil segue em ritmo de expansão acelerada. O crescimento de 31% no número de eventos em 2025, a consolidação do streaming e o aumento da arrecadação de direitos autorais revelam um setor em transformação.
O desafio central está na redução da dependência de importações e na criação de políticas que apoiem a base empresarial formada por micro e pequenas empresas. Se o país conseguir alinhar produção, distribuição e consumo, o PIB da música tem potencial para crescer ainda mais nos próximos anos.
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