Exclusivo: Evandro Fióti fala sobre show que reuniu Criolo, Rael e Mano Brown
Show "Qual é o Crime?" reuniu milhares de pessoas no Espaço Unimed no último sábado e celebrou o hip hop com performances marcantes e participações especiais. Confira nosso papo com Fióti sobre o evento.
Nathália Pandeló
Tempo de leitura: 6 min
Show "Qual é o Crime?" lotou Espaço Unimed, em São Paulo (Crédito: Marcos Oliveira)
Como um alinhamento de estrelas do hip hop nacional, o encontro entre Criolo, Rael e Mano Brown voltou a acontecer, dessa vez levando 7.500 pessoas ao Espaço Unimed, em São Paulo, no último sábado (22). O show “Qual é o Crime?” trouxe um repertório que percorreu clássicos da trajetória dos três artistas e homenageou nomes fundamentais da cena do hip hop nacional. Confira o setlist completo abaixo!
A apresentação, organizada pela Bonus Track e pelaLaboratório Fantasma, teve participações de Duquesa e Drik Barbosa, além da discotecagem de DJ Vivian e DJ Marco. O evento se tornou um momento de celebração para o rap brasileiro, unindo diferentes gerações do gênero em um espetáculo pensado para reforçar a identidade cultural do movimento.
Rap nacional em festa
A proposta do show foi além de uma sequência de performances individuais. Criolo, Rael e Mano Brown construíram uma narrativa musical baseada em conexões sonoras e estéticas. No repertório, estiveram músicas como “Não Existe Amor em SP”, “Jesus Chorou”, “Envolvidão”, “Subirusdoistiozin”, “Vida Loka, Pt. 2” e “O Hip Hop É Foda”.
Evandro Fióti, CEO do Laboratório Fantasma um dos responsáveis pela produção do evento, explicou que o projeto nasceu como uma ideia para o festival Doce Maravilha, mas ganhou novas proporções. Antes do show, o empresário e artista fez um balanço da importância desse encontro com exclusividade para o Mundo da Música.
“Não foi fácil conciliar as perspectivas estratégicas para viabilizar essa junção histórica de 3 grandes nomes da nossa música, mas os artistas e as produtoras queriam muito viabilizar e nos esforçamos para encontrar um denominador comum e um modelo de negócio para desenvolver uma noite histórica, que será um marco importante na cena do rap brasileiro.”
A estrutura do hip hop no Brasil
Evandro Fióti (Crédito: Jef Delgado)
A ascensão do hip hop como um dos gêneros musicais mais ouvidos do mundo ainda esbarra em desafios estruturais no Brasil. Segundo Fióti, apesar do crescimento do mercado, ainda há dificuldades relacionadas à profissionalização e investimento.
“Eu acredito que o rap brasileiro vive um momento de aquecimento e expansão que vem sendo construído ao longo das mais de 4 décadas, objetivamente. Atualmente, no que diz respeito ao consumo do gênero, os artistas com posicionamento mais sólido na cena contemporânea são os que estão dialogando com as gerações Z e Millennial. Houve um crescimento importante, mas com pouca profissionalização, estrutura e investimento no ecossistema como um todo, que é parte dos desafios estruturais da indústria criativa, da música e de viver de cultura, sobretudo negra, no Brasil, mas não só. Acredito que vivemos um momento delicado de fragmentação do gênero e um discurso coletivo que pouco é aplicado à prática com senso de fortalecimento e comunidade, além das questões estruturais, estigmas, discriminação e de paradigmas do mercado.”
Fióti ainda destacou a necessidade de planejamento estratégico para garantir sustentabilidade ao setor.
“Creio que a sustentabilidade do gênero e do ecossistema carecem de perspectivas estratégicas agregadoras e parcerias mais sólidas. As produtoras e agências do segmento hoje estão mais sólidas e estruturadas do que na década passada. É momento de se organizar e planejar projetos criativos e que se potencializam, buscando atrair ainda mais os investimentos estratégicos de marcas, mas também de players importantes do mercado, visto que é um gênero que hoje dialoga com a ampla diversidade da juventude brasileira e de todas as classes sociais. Quase todos os gêneros musicais populares hoje se apropriam em alguma medida da lírica, estética, cultura e lifestyle da cultura hip hop, mas a verdade é que ainda há uma enorme desproporcionalidade na distribuição de oportunidades e investimentos. Acredito que estimular projetos com potencial agregador entre as empresas do segmento nos dá força para construir parcerias sólidas e oxigenar a cena, fazendo esse recurso ser reinvestido no nosso ecossistema.
O impacto do show e o legado do hip hop
Além de reunir um público expressivo, o evento trouxe um momento de reflexão sobre a relevância do hip hop. Não é por acaso que Rael, Criolo e Mano Brown foram escolhidos para integrar essa trinca sagrada do rap nacional.
Os três artistas marcaram diferentes momentos da cena nacional, cada um trazendo contribuições únicas para a evolução do gênero no Brasil. Mano Brown, como um dos fundadores dos Racionais MC’s, ajudou a consolidar o rap como uma ferramenta de resistência e denúncia social, influenciando gerações com suas letras diretas e narrativas sobre a realidade periférica. Hoje, soma empresário sagaz (Boogie Naipe) e podcaster bem-sucedido a esse currículo.
Criolo ampliou os horizontes do estilo ao transitar por diferentes sonoridades, conectando o rap a outros gêneros e aproximando novos públicos da cultura hip hop. Rael, por sua vez, inovou ao incorporar elementos do reggae e da MPB ao seu trabalho, tornando sua música acessível a uma audiência ainda mais ampla sem perder a essência do rap. Juntos, eles representam a continuidade e a transformação do hip hop brasileiro, mantendo a identidade do gênero viva e relevante para as novas gerações.
Evandro Fióti resumiu o significado dessa união:
“Eu só realizei que estava vivendo um grande sonho quando começamos a discutir a direção criativa e artística do show. Nossa primeira reunião foi em março do ano passado, na casa do Rael, nosso libriano maior, rs! Esses 3 artistas são homens negros, vindos da Zona Sul de São Paulo, que mudaram a realidade social de jovens como eu, salvaram muitas vidas através da sua arte. Além de grandes artistas e lideranças, são grandes seres humanos, com valores que contribuem para uma sociedade melhor a partir da cosmovisão da cultura hip hop.”
Momentos do show “Qual é o Crime?”, com Rael, Criolo e Mano Brown (Crédito: Marcos Oliveira)
Esse encontro de trajetórias teve a proposta de ir na contracorrente dos movimentos solo que têm marcado o ecossistema do rap. Evandro complementa:
“Atualmente sinto a cena bastante individualista. Acredito que o show acena para a potência de projetos únicos, coletivos e que, além de impactar positivamente o ambiente de negócios, deixam uma marca expressa dos valores e da essência da cultura que nos trouxe até aqui. Vejo esse show como um grande movimento Sankofa, que inspira a cena e artistas do segmento a construírem mais possibilidades e parcerias concretas para nos fortalecermos enquanto ecossistema.”
Além do espetáculo principal, “Qual é o Crime?” também contou com apresentações que reforçaram a diversidade dentro do gênero.
“Essa noite com discotecagem de DJ Marco e DJ Vivian (expoentes essenciais da nossa cultura), além do show da Duquesa com participação da Drik Barbosa, que são artistas que estão impactando e transformando a cena, contribuindo para uma maior equidade a partir do protagonismo feminino, transformando o discurso do gênero e levando autoestima para as mulheres ao mesmo tempo que ampliam o consumo do gênero. Penso em curadoria com visão de impacto e acredito que nosso trabalho é construir no ambiente de negócios espaços onde essa pluralidade reafirme a marca e a essência da cultura hip hop que é baseada na coletividade. E não tem como falar de coletividade sem refletir sobre a importância da diversidade e equidade”, completo Fióti.
O setlist, repleto de clássicos que marcaram gerações, prometia uma noite inesquecível, onde cada música contaria uma parte dessa história de resistência, inovação e união.
Confira abaixo a lista completa das faixas que embalaram o show “Qual é o Crime?” e que selaram mais um capítulo importante na cena do hip hop nacional.
Criolo, Rael e Mano Brown (Crédito: Marcos Oliveira)