Estudo revela o que torna a música contemporânea mais simples que a de séculos passados

Estudo com 20 mil composições mostra queda na complexidade melódica em gêneros como pop, rock e hip hop, enquanto clássica e jazz ainda lideram em diversidade estrutural.
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Nathália Pandeló
Partitura com notas musicais - estudo
Crédito: Pixabay

A música ocidental tornou-se gradualmente mais simples em sua estrutura ao longo dos últimos séculos, especialmente nas últimas décadas. Essa é a conclusão de um estudo da Universidade Sapienza de Roma, que analisou 20 mil arquivos musicais em formato MIDI, abrangendo desde peças clássicas do século XVII até hits atuais de pop, hip hop e eletrônica

A pesquisa, publicada sob o título “Decoding Musical Evolution Through Network Science” (“Decodificando a evolução musical através da Ciência de Redes”, em português), usou modelos de rede para medir a complexidade das composições.

Os resultados mostram que gêneros como jazz e música clássica ainda mantêm maior variedade melódica, enquanto pop, rock e hip hop tendem a repetir padrões mais curtos e previsíveis. A mudança reflete evoluções estilísticas e o impacto de ferramentas digitais e plataformas de streaming na produção musical.

Estudo analisou transições entre notas

A equipe liderada por Niccolò Di Marco transformou cada música em um grafo — um modelo matemático que mapeia como as notas se conectam. Nessa representação, cada nota é um ponto, e as linhas entre elas indicam com que frequência uma leva à outra. Assim, foi possível quantificar características como repetição, variação e originalidade.

Por exemplo: uma sonata de Beethoven apresenta centenas de transições distintas entre notas, com frases longas e pouca repetição imediata. Já um hit pop moderno tende a repetir os mesmos intervalos (como o clássico “vi-IV-I-V” em “Someone Like You”, de Adele) e a usar “ganchos” melódicos curtos, que facilitam a memorização. 

“O declínio na complexidade não reflete qualidade inferior, mas uma mudança nos padrões composicionais”, explica o estudo. Os dados revelam que músicas pós-1980 apresentam “convergência estrutural entre gêneros”, indicando homogenização.

Tecnologia e consumo influenciaram a mudança

Spotify, YouTube, Shazam, streaming, MIDiA

Dois fatores ajudam a explicar a tendência. O primeiro é a popularização de softwares de produção musical, que permitem criar trilhas com loops pré-gravados e samples. Muitas composições atuais nascem de sequências repetitivas de acordes, o que limita a exploração melódica,

O segundo é o papel das plataformas de streaming. Algoritmos de recomendação privilegiam músicas com estruturas familiares, que geram engajamento rápido. Canções complexas exigem mais atenção do ouvinte, o que vai contra a lógica do consumo em massa. Um dado do estudo corrobora isso: as 100 músicas mais tocadas no Spotify em 2023 tinham, em média, 30% menos variação de notas que as do topo em 1990.

Jazz e clássico também perderam complexidade

Apesar de ainda serem os gêneros considerados mais complexos, jazz e música clássica não ficaram imunes à simplificação. Composições recentes desses estilos mostraram-se menos complexas que as de eras anteriores. 

No jazz, a média de notas distintas por música caiu 22% desde os anos 1950; na clássica, peças do século XXI têm estruturas mais próximas do pop instrumental que das sinfonias românticas.

O estudo também destacou que artistas populares de jazz, como Kamasi Washington, têm músicas com 15% mais repetições que os pioneiros do gênero.

Simplicidade não significa baixa qualidade

Os pesquisadores enfatizam que a redução da complexidade não torna a música “pior”. Grandes sucessos da história, como “Happy Birthday” ou “Blowin’ in the Wind”, de Bob Dylan, usam estruturas simples e são culturalmente relevantes. 

A genialidade está em como se usa a simplicidade. O problema, segundo o estudo, é a perda de diversidade — 78% das músicas analisadas pós-2010 usam os mesmos 10 intervalos musicais.

O estudo sugere que a tendência pode mudar. Movimentos como o hyperpop e a revitalização do jazz progressivo indicam uma busca por novidades estruturais. A história da música é cíclica. Quando um padrão se esgota, artistas rompem com ele — e aí nasce a próxima revolução.

A pesquisa está disponível para consulta pública, e a equipe planeja estender a análise para incluir ritmo e letras. Em meio à era dos algoritmos, os artistas continuam a desafiar convenções – como mostram gêneros experimentais e a revitalização do jazz progressivo. A história sugere que, mesmo em períodos de homogenização, a ousadia musical sempre ressurge.

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