Shows digitais ganham força com ABBA Voyage, Soda Stereo e KISS e indicam mudança na percepção do público

Shows digitais movimentam grandes plateias e colocam no centro do debate a aceitação de hologramas e avatares no mercado da música.
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Nathália Pandeló
ABBA Voyage continua atraindo grande público em Londres
ABBA Voyage continua atraindo grande público em Londres (Crédito: Divulgação)

O impacto dos shows digitais fica mais evidente a cada ano. O que antes parecia uma proposta experimental, restrita a eventos pontuais, hoje aparece como um produto capaz de sustentar temporadas longas, criar novos modelos de turnê e movimentar receitas. O caso recente mais bem-sucedido continua sendo o de ABBA Voyage, que segue em cartaz desde 2022 em Londres, mantém média superior a 90% de ocupação e registrou US$ 112,9 milhões em 2024.

A temporada permanece estável e mostra que o público não vê o formato como algo passageiro. Foram 374 apresentações no ano passado, todas na arena construída especialmente para o projeto, com capacidade para 3 mil pessoas. Ao longo de 2024, mais de 1,06 milhão de ingressos foram vendidos. 

A Aniara Ltd, responsável pelo espetáculo, descreveu no relatório anual que “ainda há uma demanda substancial por ABBA Voyage e os diretores antecipam um nível alto de atividade ao longo de 2025 e 2026”. A continuidade da frequência alta de público aponta para uma relação mais natural do público com esse tipo de apresentação. No caso do ABBA Voyage, trata-se de um espetáculo que passou a fazer parte do calendário fixo de uma das capitais mais visitadas do mundo.

A expansão dos hologramas e o retorno do Soda Stereo

Soda Stereo anuncia turnê com versão digital do vocalista morto há mais de 10 anos/shows digitais
Soda Stereo anuncia turnê com versão digital do vocalista morto há mais de 10 anos (Crédito: Divulgação)

A volta do grupo argentino Soda Stereo aos palcos, prevista para 2026, mostra como esse movimento ultrapassa fronteiras culturais. A principal dúvida era sobre a presença de Gustavo Cerati, vocalista icônico que morreu em 2014. A banda confirmou que não haveria convidados ou vocalistas substitutos e que o cantor apareceria no palco em formato holográfico. 

As primeiras datas movimentaram debates, mas a expectativa do público aumentou conforme os detalhes foram confirmados. Resultado: múltiplos shows esgotados em uma das maiores arenas da Argentina e até apresentações fora do país.

A lista de experiências com hologramas já é extensa. Tupac Shakur apareceu no Coachella em 2012, Michael Jackson no Billboard Awards em 2014, Whitney Houston e Roy Orbison tiveram turnês próprias, Maria Callas percorreu cidades com uma produção da BASE Hologram, e Elvis Presley chegou a dividir o palco com Celine Dion em uma performance especial. Em todos esses casos, a curiosidade inicial se converteu em plateias cheias.

Nem mesmo a Argentina é estreante no mundo dos performers digitais: Indio Solari apareceu como holograma em 2020 nos shows dos Fundamentalistas del Aire Acondicionado. O projeto envolveu gravação em estúdio, figurino com glitch controlado, ensaios específicos de luz, fumaça e sincronização e uso de múltiplos projetores para garantir o efeito. O resultado confundiu parte da plateia, que acreditou que o artista estivesse realmente no palco.

Empresas, tecnologia e nostalgia moldam o setor ao vivo

O crescimento desses projetos revela como a nostalgia, a memória afetiva e a tecnologia criam novas camadas de interesse. O público encontra uma oportunidade de ver artistas que já não poderiam se apresentar, e os responsáveis pelos catálogos identificam novos caminhos para o repertório. Com custos altos, mas retorno igualmente atraente, esse tipo de show se aproxima da lógica dos grandes musicais, com temporadas prolongadas e um público recorrente.

No caso do ABBA Voyage, o impacto econômico estimado chega a 1,51 bilhão de libras em Londres, considerando empregos, turismo e serviços. Esses números explicam por que outras empresas apostam em formatos semelhantes. 

A popularização de superfícies refletoras, CGI e projeções de alta definição também contribui para resultados mais convincentes, deixando a experiência menos experimental e mais próxima do entretenimento mainstream.

KISS inicia nova fase e coloca os avatares no centro do futuro

Kiss revela seus avatares para shows digitais
Kiss revela seus avatares para shows digitais (Crédito: Divulgação)

Nem todos os projetos envolvem artistas falecidos. O KISS, que encerrou sua turnê final em 2023, planeja uma nova fase baseada em avatares digitais desenvolvidos pela Industrial Light & Magic em parceria com a Pophouse Entertainment

A estreia do formato digital do KISS deve acontecer em 2027 e prevê múltiplas possibilidades, de shows a produções híbridas com narrativa. A banda vendeu seu catálogo e marca para a Pophouse em um acordo estimado em US$ 300 milhões.

Ao contrário dos casos holográficos tradicionais, essa estratégia apresenta uma dimensão adicional: artistas vivos que escolhem continuar no ambiente digital depois da aposentadoria dos palcos físicos. A ideia pode aumentar o ciclo de vida das turnês, cria novas experiências e aproxima o fã de um formato que não depende de limitações de idade, saúde ou logística.

O público mudou ou apenas se acostumou?

Os exemplos mostram que a resistência aos hologramas diminuiu. A aceitação cresce quando o projeto mantém coerência artística e entrega impacto cênico. O público enxerga essas apresentações como outra forma de viver a música, não como substituição dos shows presenciais.

A discussão ética sobre legado e direitos segue importante, mas o comportamento das plateias indica que a tecnologia já encontrou seu lugar. Em vez de substituir o palco tradicional, os shows digitais formam um bloco à parte dentro da economia da música ao vivo e apontam para um futuro em que nostalgia e inovação coexistem de maneira natural – pelo menos para uma parte considerável do público.

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