O lançamento de LUX, quarto álbum de Rosalía, alcançou 42,1 milhões de streams no Spotify em um único dia, o maior número já registrado por uma artista que canta em espanhol. O recorde supera Mañana Será Bonito, de Karol G (35,7 milhões), e mais do que dobra o desempenho de Motomami, de 2022 (16 milhões).
Não é só isso. Segundo o Chartmetric, a artista somou 1,57 milhão de novos ouvintes mensais e 46 mil seguidores no Instagram na semana anterior ao lançamento, resultado de uma campanha centrada em imersão e escassez, e não em virais.
O caso LUX chama atenção por inverter a lógica predominante do marketing digital. A Columbia Records conduziu uma campanha silenciosa e simbólica, que transformou o álbum em experiência de escuta prolongada. A ausência de teasers e o foco no conceito narrativo recolocaram o disco no centro da estratégia, reposicionando o streaming como consequência e não como ponto de partida.
Com LUX, Rosalía inaugura uma nova fase de sua trajetória, mais distante da fusão entre flamenco e pop urbano que a projetou em El mal querer (2018) e da experimentação eletrônica e performática de Motomami (2022). Se antes a artista explorava contrastes entre tradição e contemporaneidade por meio da energia e da exposição, agora adota o recolhimento como linguagem.
A presença orquestral, o uso de múltiplos idiomas e a estética sacra transformam LUX em um trabalho mais introspectivo e conceitual, que reconfigura a relação entre som, imagem e identidade na sua carreira.
Um lançamento que recusou o algoritmo
Em um ambiente dominado por lançamentos pensados para redes sociais, Rosalía adotou uma estratégia inversa. Pediu ao público que ouvisse o álbum no escuro e de fones de ouvido, reforçando o caráter imersivo da obra.
Gravado com a London Symphony Orchestra e dividido em quatro movimentos, LUX combina idiomas e referências da música clássica, distanciando-se do formato de singles rápidos.
A divulgação evitou o ciclo tradicional de pré-save e clipes seriados. Em vez disso, a campanha apostou em mistério e escassez visual: outdoors com a palavra LUX na Times Square (Nova York) e em Madrid, e uma transmissão ao vivo na madrilenha Plaza de Callao para revelar a capa. A ausência de informações estimulou especulação e tornou o álbum assunto global antes do lançamento.
O papel do single “Berghain”
O único lançamento anterior ao álbum foi o single “Berghain”, divulgado em 27 de outubro com videoclipe dirigido por Nicolás Méndez. A faixa, cantada em inglês, espanhol e alemão, apresentou ao público a estética sonora de LUX, mesclando coral e elementos eletrônicos de forma contida. O clipe, ambientado em um espaço escuro e minimalista, serviu mais como peça de ambientação do que como aposta comercial.
Diferente dos singles promocionais usuais, “Berghain” não teve campanha de playlist nem divulgação pesada nas redes. Seu papel foi introduzir o conceito do álbum e reforçar o tom contemplativo que marcaria o projeto. Ao adotar uma faixa de transição entre o pop e a música orquestral, Rosalía sinalizou que o foco do lançamento seria a experiência completa, e não o desempenho isolado de um hit.
Aliás, a direção visual de LUX reforçou o caráter conceitual do álbum. A capa mostra Rosalía com véu branco e lábios dourados, em referência a iconografias religiosas e a imagens de clausura, fotografada por Noah Dillon.
O figurino, semelhante a um hábito de freira, foi comparado por críticos a uma camisa de força, simbolizando tensão entre fé e controle. Nos materiais de divulgação e nas listening parties, a artista manteve uma paleta limitada de branco, azul e dourado, refletindo a ideia de luz e transcendência sugerida pelo título. As escolhas de moda, mais contidas que em Motomami, indicam uma mudança de foco: do corpo e da performance para a interioridade e o gesto artístico.
O impacto de um vazamento inesperado
Dois dias antes da estreia oficial, LUX vazou integralmente nas redes sociais. De acordo com o portal Catalan News, as 18 faixas circularam on-line na noite de 5 de novembro, antecipando o lançamento previsto para o dia 7. O vazamento ocorreu após um episódio isolado envolvendo a música “Reliquia”, que havia sido publicada e retirada do Spotify em poucas horas.
O incidente se espalhou rapidamente entre os fãs, que passaram a compartilhar os arquivos e ironizar o episódio nas redes, chamando o vazamento de “listening party antecipada”. Outros usuários defenderam a artista, afirmando que também ouviriam o disco nas plataformas oficiais. O impacto sobre o desempenho comercial foi mínimo: mesmo com a circulação ilegal, LUX manteve recordes de audiência e atingiu os 42 milhões de streams em 24 horas. Para o mercado, o caso reforça como o público engajado pode neutralizar prejuízos e transformar vazamentos em parte da narrativa do lançamento.
O álbum físico como estratégia de diferenciação
Com o streaming consolidado como principal fonte de receita da indústria, LUX trouxe o formato físico de volta à pauta. As edições em CD e vinil contêm três faixas exclusivas que não estão nas plataformas, o que impulsionou as vendas e reposicionou o disco como item de valor. As versões autografadas esgotaram nas primeiras horas de pré-venda.
O movimento contraria a tendência de queda do formato. Em 2024, os Estados Unidos venderam 33 milhões de CDs, contra 100 milhões uma década antes, e no Reino Unido a participação do formato na receita total caiu de 43% para 6%. Ao apostar na materialidade e na limitação de tiragem, a artista e sua equipe criaram um modelo híbrido que converte engajamento digital em consumo tangível.
Crescimento antecipado e engajamento orgânico
Antes mesmo do lançamento, a campanha já mostrava efeito nos dados. O Chartmetric registrou 385 mil novos ouvintes em 1º de novembro, um aumento de 730% em relação à média normal, e 1,57 milhão de novos ouvintes em 4 de novembro, crescimento de 164%. Esses picos ocorreram durante as listening parties realizadas em museus e centros culturais em 20 cidades.
Em Barcelona, o evento reuniu cerca de 900 pessoas no Museu Nacional d’Art de Catalunya, onde a artista participou de uma instalação sonora. Em Nova York, a experiência começou com a frase “When was the last time you were in complete darkness?”, projetada em uma tela branca antes do início da audição. As reações dos participantes geraram conteúdo orgânico que substituiu o marketing tradicional.
Lições para a indústria e para artistas independentes
A campanha de LUX reforça que a escassez pode ser tão eficiente quanto a exposição. Para as gravadoras, o caso mostra que planejamento narrativo e consistência estética podem gerar mais valor que volume de publicações. O silêncio calculado e a clareza de conceito criaram expectativa e sustentaram o interesse por semanas.
Para artistas independentes, o principal aprendizado está na coerência entre mensagem e formato. A ausência de virais e a ênfase em experiência reforçam que projetos autorais, quando bem estruturados, podem conquistar espaço sem depender da dinâmica algorítmica. Especialmente quando se trata de uma artista que atingiu um novo patamar de popularidade com seu álbum anterior, como foi o caso de Motomami.
O desempenho de LUX não se explica apenas pelo tamanho da base de fãs, mas pela forma como o lançamento foi desenhado. O álbum transformou o tempo de espera e a escuta em parte da experiência, um modelo que reacende a discussão sobre atenção e profundidade no consumo musical.
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