Bebidas adulteradas geram alerta para o setor de shows no Brasil

Casos de intoxicação por metanol levam festivais e bares a adotar medidas de controle e acendem alerta para produtores e artistas.
Foto de Nathália Pandeló
Nathália Pandeló
Consumo de bebida alcoólica em show - Crédito Cottonbro Studio
Consumo de bebida alcoólica em show - Crédito: Cottonbro Studio

O Brasil enfrenta um surto inédito de bebidas adulteradas com metanol, com impacto direto sobre o setor de shows e entretenimento. Segundo o Ministério da Saúde, há 127 notificações de suspeita de intoxicação em todo o país, com 12 mortes confirmadas. O estado de São Paulo concentra a maior parte dos casos, seguido por Pernambuco e Distrito Federal. O ministro Alexandre Padilha classificou a situação como “diferente de tudo o que consta na nossa série histórica”, e o governo já iniciou a compra de antídotos e reforçou as ações de vigilância sanitária.

O problema começou a se agravar no final de agosto de 2025, quando os primeiros casos foram registrados em São Paulo. Desde então, investigações revelam que parte das bebidas adulteradas foi distribuída sem o conhecimento de bares e casas de eventos. A suspeita é de que grupos criminosos estejam reutilizando garrafas originais e adicionando metanol, substância altamente tóxica e sem odor perceptível. O cenário preocupa o mercado da música, que depende diretamente da venda de bebidas para sustentar a operação de shows, festivais e bares com apresentações ao vivo.

Nos bastidores, produtores e técnicos de eventos vêm redesenhando protocolos internos. A intoxicação recente do rapper Hungria, que apresentou sintomas após um show em São Paulo, levou o tema para o centro do debate na indústria musical, que agora busca medidas de prevenção mais rigorosas.

Medidas adotadas em grandes festivais e ações do governo

Tomorrowland

Com a proximidade de um dos maiores eventos do país, o Tomorrowland Brasil, marcado para ocorrer entre 10 e 12 de outubro em Itu (SP), a organização do festival anunciou novas regras para o controle de bebidas. Será proibida a entrada de qualquer líquido, incluindo água, nas áreas do evento e do DreamVille, onde o público acampa. Garrafas e copos pessoais deverão estar vazios na entrada, e apenas latas lacradas serão permitidas.

Em nota oficial, o festival informou que todos os fornecedores são contratados diretamente dos fabricantes ou de distribuidores oficiais, com controle de estoque e rastreabilidade. A equipe técnica de alimentos e bebidas foi reforçada, e haverá pontos gratuitos de hidratação em toda a área do evento. A comunicação será constante durante os dias de festival, alertando o público sobre os riscos do consumo de produtos de origem duvidosa.

No âmbito nacional, o Ministério da Saúde anunciou a compra de 2,5 mil tratamentos de etanol farmacêutico, utilizados como antídoto contra o metanol, além da criação de um protocolo para notificação imediata de casos suspeitos. 

A Anvisa e as vigilâncias sanitárias estaduais intensificaram operações de fiscalização, com interdição de bares e distribuidoras em cidades de São Paulo e do interior. O Procon-SP também abriu um canal exclusivo para denúncias, permitindo que consumidores relatem bebidas suspeitas e apresentem notas fiscais como prova de compra.

Impactos sobre bares e artistas da cena ao vivo

Bebidas adulteradas acendem alerta sobre setor de shows - Crédito: Pixabay
Bebidas adulteradas acendem alerta sobre setor de shows – Crédito: Pixabay

A crise já atinge o coração da economia noturna brasileira. A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) informou que os estabelecimentos do estado registraram uma queda média de 30% nos negócios desde o início do surto, com perdas de até 50% na receita de bebidas destiladas. Em alguns bares da capital, as vendas de vodca, gim e uísque caíram 70%, enquanto o movimento geral dos clientes despencou nos fins de semana.

Essa retração tem reflexo direto sobre músicos e trabalhadores da cena noturna, especialmente aqueles que dependem de couvert artístico, participação na receita do bar ou cachês vinculados à bilheteria. A insegurança sobre a procedência das bebidas pode afastar parte do público, reduzindo a circulação em bares menores e eventos independentes. Organizações culturais e associações do setor defendem que medidas e parcerias com distribuidores certificados sejam adotadas com urgência para evitar prejuízos maiores.

Ao mesmo tempo, festivais e casas de show maiores devem investir em fiscalização própria, testes de procedência e comunicação transparente com o público. A experiência do Tomorrowland pode servir como modelo inicial de gestão de risco, mas especialistas em segurança sanitária alertam que o enfrentamento da adulteração exige cooperação entre governo, produtores, artistas e consumidores.

O papel do público na prevenção

NS Operações gerencia entrada de público em festival
NS Operações gerencia entrada de público em festival (Crédito: Divulgação)

Embora o controle institucional seja fundamental, o público também pode atuar como agente de prevenção. Autoridades sanitárias orientam que o consumidor observe atentamente o lacre e o rótulo das bebidas, desconfie de preços muito baixos e evite qualquer produto de procedência desconhecida. Em caso de sintomas como visão turva, dor de cabeça intensa, náusea, tontura ou confusão mental, é essencial procurar atendimento médico imediato e notificar o Disque-Intoxicação (0800 722 6001).

O consumo de álcool faz parte da experiência social dos shows, mas o cenário atual exige cautela redobrada. Em um país que movimenta mais de R$ 60 bilhões por ano em bares e eventos, a confiança entre produtores e público passa a ser também uma questão de saúde pública. Garantir que o entretenimento continue sendo um espaço seguro depende da transparência de quem vende, da responsabilidade de quem organiza e da atenção de quem consome.

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