Valor global de direitos autorais da música supera cinema em 2023

Setor cresce 11% em 2023 e direitos autorais na música ultrapassam receitas globais de bilheteria, impulsionados por streaming e vinil.
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Nathália Pandeló
Disco de vinil - Billboard exclui dados de CDs e vinil do

O mercado de direitos autorais da música alcançou um novo marco em 2023, registrando um valor global de US$ 45,5 bilhões. Segundo o relatório “Global Value of Music Copyright”, produzido pelo economista Will Page, o setor cresceu 11% em relação ao ano anterior e 26% desde 2021, período fortemente impactado pela pandemia. Esses números colocam a música à frente do cinema, que registrou US$ 33,2 bilhões em receitas globais de bilheteria no mesmo período.

Page atribui esse desempenho ao crescimento dos serviços de streaming e à recuperação das receitas de direitos de execução pública e performance ao vivo. O estudo, publicado anualmente, consolida dados de gravadoras, sociedades de gestão coletiva e editoras, eliminando sobreposições para apresentar uma visão mais precisa do mercado. Will Page explica:

“O valor das performances ao vivo para as sociedades de gestão coletiva agora supera o das licenças gerais para execução pública. Canções cantadas no palco agora estão gerando mais royalties do que aquelas que tocam como música de fundo em ruas comerciais e hotéis.”

Streaming lidera o crescimento da música

Os serviços de streaming continuam como a principal fonte de receita das gravadoras, contribuindo para um aumento de 10,4% no setor. Embora o digital tenha liderado, o mercado físico surpreendeu ao registrar um crescimento percentual maior, com destaque para o vinil, que avançou 15,4%. Esse formato, antes considerado nichado, vem se consolidando como uma alternativa significativa para as receitas musicais.

É como detalha Will Page:

“O crescimento da receita das gravadoras, de 12%, foi impulsionado principalmente pelo streaming (alta de 10,4%), mas o mercado físico não é mais um detalhe insignificante — ele, na verdade, superou o crescimento percentual do streaming (13,4%), com o vinil, em particular, crescendo 15,4%.”

As sociedades de gestão coletiva também tiveram um desempenho sólido, com uma alta de 11%. O relatório destaca a crescente importância das receitas provenientes de shows ao vivo, que ultrapassaram os ganhos com licenciamento de músicas para ambientes comerciais. Esse movimento reflete mudanças nos hábitos de consumo e na valorização da experiência ao vivo, especialmente após a pandemia. Will Page acrescenta:

“Para contextualizar, uma década atrás, as arrecadações digitais representavam cerca de 5%, enquanto as transmissões respondiam por metade.”

Já as editoras musicais, embora tenham registrado crescimento mais tímido de 4%, continuam relevantes no setor. Parte do aumento na receita das editoras está ligada a novas práticas de licenciamento digital, que têm superado as formas tradicionais, como rádio e transmissões televisivas.

Direitos autorais na música

Disparidade global no valor do streaming

Embora América do Norte e Europa representem apenas 48% do volume global de streams, elas concentram 80% do valor gerado por esses serviços. Por outro lado, regiões como América Latina e Ásia, excluindo o Japão, são responsáveis por 46% do consumo, mas geram apenas 12% do valor. Essa diferença reflete os diferentes modelos de monetização e tarifas praticadas em mercados emergentes, onde os serviços gratuitos ainda predominam.

Essa disparidade também levanta questões sobre a sustentabilidade do crescimento em mercados onde o volume de consumo é alto, mas a receita gerada permanece limitada. Conforme apontado por Page, a expansão do streaming para regiões emergentes é promissora, mas exige ajustes para equilibrar o retorno financeiro.

Outro ponto relevante é a relação entre os valores pagos por serviços de streaming e os direitos autorais musicais. Enquanto plataformas de vídeo sob demanda, como Netflix e Prime Video, ampliam o valor repassado aos criadores, a comparação com mercados tradicionais, como cinema e rádio, mostra que há espaço para um retorno maior aos titulares de direitos musicais.

Cinema enfrenta recuperação lenta

O mercado cinematográfico ainda sente os impactos da pandemia. Apesar de ter crescido 29% em 2023, alcançando US$ 33,2 bilhões, as receitas continuam abaixo do pico registrado em 2019, quando o setor atingiu US$ 41,9 bilhões. Essa recuperação lenta contrasta com a rápida ascensão do streaming de vídeo e áudio, que ampliaram sua base de usuários durante o período de restrições.

Além disso, o relatório aponta que as receitas do cinema, quando analisadas pelo retorno efetivo aos criadores, são significativamente menores do que as do mercado musical. Dos US$ 33,2 bilhões arrecadados nas bilheterias, apenas US$ 16,6 bilhões retornaram aos distribuidores, o que equivale a metade do valor bruto.

Impacto da mudança para plataformas digitais

O avanço das plataformas digitais está remodelando o mercado de direitos autorais em diferentes frentes. No caso da música, o valor gerado pelas plataformas digitais já supera amplamente o das transmissões lineares, como rádio e TV aberta. Esse movimento representa um realinhamento das fontes de receita e reforça a importância de licenças adequadas para que os criadores sejam devidamente remunerados.

A mudança para o digital também impacta o cinema. Conforme os consumidores investem mais em entretenimento doméstico, como televisores de alta definição e sistemas de streaming, o setor de exibição cinematográfica enfrenta dificuldades para recuperar sua relevância. O impacto dessa mudança não se limita às receitas de bilheteria, pois também influencia o fluxo de investimentos direcionados à produção audiovisual.

Projeções para o futuro dos direitos autorais

Com a expansão das plataformas digitais e a crescente integração de mercados globais, especialistas apontam que o valor dos direitos autorais da música pode dobrar na próxima década. O relatório sugere que a inclusão de mercados sub-representados nas estatísticas globais, como países da África e do Oriente Médio, pode elevar ainda mais os números.

Além disso, o relatório menciona que os streamers de vídeo, como Netflix e Prime Video, pagam aos titulares de direitos autorais musicais cinco vezes mais do que o cinema. Esse fato reforça a importância estratégica do ambiente digital para o setor de música e evidencia a transformação do mercado global de entretenimento.

A análise apresentada pelo relatório destaca não apenas a força econômica do mercado de música, mas também as mudanças estruturais que moldam o consumo e a monetização de direitos autorais. Essas transformações, impulsionadas pela digitalização e pela globalização, devem continuar influenciando o setor nos próximos anos.