A noite do Oscar deste ano, realizada no último domingo (02), marcou mais do que o triunfo da primeira estatueta para o Brasil, por “Ainda Estou Aqui”. A premiação reservou um momento especial para celebrar a trajetória de Quincy Jones.
A homenagem, que contou com uma performance de Queen Latifah interpretando “Ease on Down the Road”, música icônica do filme “O Mágico Inesquecível”, trouxe de volta à tona a influência do produtor e compositor não apenas na música, mas também no cinema.
Não é para pouco. Jones, que faleceu em novembro do ano passado aos 91 anos, deixou um legado que transcende gêneros e gerações, e sua criação em “O Mágico Inesquecível” é um dos exemplos mais marcantes dessa intersecção entre música e filme.
Lançado em 1978, o longa foi uma adaptação do musical homônimo da Broadway e uma releitura afro-americana de “O Mágico de Oz”. Com um elenco estelar que incluía Diana Ross, Richard Pryor e um jovem Michael Jackson no papel de Espantalho, o filme teve Quincy Jones como diretor musical.
Apesar de não ter sido um sucesso de bilheteria na época, o projeto se tornou um marco cultural, especialmente por sua trilha sonora e pela forma como Jones conseguiu unir talentos de diferentes áreas para criar algo único.
A visão de Quincy Jones para “The Wiz”
Quincy Jones não estava inicialmente empolgado com a ideia de trabalhar em “O Mágico Inesquecível”. Ele gostava de apenas três músicas do musical original – “Home”, “Brand New Day” e “Ease on Down the Road” –, mas aceitou o desafio por uma questão de lealdade ao diretor Sidney Lumet, com quem já havia colaborado em outros projetos. Lumet, por sua vez, apostou em um elenco majoritariamente afro-americano, incluindo Michael Jackson, que na época tinha 19 anos e ainda estava começando a carreira solo.
Foi durante as gravações que Jones e Jackson começaram a construir uma parceria que mudaria a história da música pop. Quincy notou algo especial no jovem cantor, que demonstrava uma habilidade incomum para compor e interpretar.
A conexão entre os dois foi tão forte que, pouco depois, Jones produziu o álbum “Off the Wall”, que marcou o início da ascensão de Jackson como um dos maiores artistas de todos os tempos. O filme, portanto, foi mais do que uma adaptação de um clássico; foi o palco para o início de uma colaboração lendária.
O impacto cultural e o desafio das distribuidoras
Apesar do elenco talentoso e da produção grandiosa, “O Mágico Inesquecível” enfrentou desafios na época de seu lançamento. O filme, que custou US$ 22 milhões, não conseguiu atrair o público esperado e recebeu críticas mistas.
Parte do problema foi a resistência das redes de cinema em bairros predominantemente brancos, que relutavam em exibir o filme por medo de afastar seu público habitual. Essa barreira racial era reflexo uma divisão que persistia na indústria do entretenimento, onde produções com elencos majoritariamente negros eram frequentemente relegadas a um nicho.
Berry Gordy, fundador da Motown e produtor do filme, insistia que “O Mágico Inesquecível” não era um “filme negro”, mas sim um filme com “estrelas negras”. A declaração de Gordy era uma tentativa de desafiar os estereótipos e ampliar o alcance da produção.
Apesar das dificuldades, o filme acabou se tornando um símbolo de resistência e um catalisador para discussões sobre representatividade e diversidade no cinema. Anos depois, a estreia de “The Wiz Live!” na TV, em 2015, mostrou como o projeto continuava relevante.

O legado de Quincy Jones no cinema e na TV
Quincy Jones sempre teve um olhar aguçado para talentos e uma capacidade única de unir diferentes artistas em torno de um projeto. Em “O Mágico Inesquecível”, ele também ajudou a moldar a identidade musical do filme, misturando elementos de jazz, soul e pop. Sua habilidade para criar arranjos complexos e ao mesmo tempo acessíveis foi fundamental para o impacto da obra.
Além disso, Jones usou sua influência para abrir portas para outros artistas negros na indústria. Seu trabalho na trilha sonora foi um passo importante nessa direção, mostrando que produções com elencos diversos poderiam alcançar um público amplo. Anos mais tarde, ele seria responsável por colocar Will Smith diante do papel que definiria sua carreira: o de protagonista de “Um Maluco no Pedaço”.
A homenagem no Oscar, portanto, não foi apenas uma celebração de sua carreira, mas também um reconhecimento de como ele ajudou a transformar a indústria do entretenimento.
A música como ponte entre gerações
A performance de Queen Latifah no Oscar somou à apresentação de Ariana Grande e Cynthia Erivo, estrelas de “Wicked”, em uma grande celebração do mundo criado pelo escritor L. Frank Baum. Se um elenco negro um dia já foi uma questão, hoje não mais — afinal, a primeira parte da história de Elphaba e Glinda teve bilheteria de US$ 728 milhões graças às protagonistas negra e de família imigrante.
Tudo começou com a coragem de nomes como Sidney Lumet e Quincy Jones em oferecer uma nova visão desse clássico. Quincy Jones entendia a atemporalidade como poucos. Sua capacidade de enxergar além das tendências momentâneas e criar obras que dialogam com o público é parte do que o tornou uma figura tão importante também para o cinema.
E, embora “O Mágico Inesquecível” não tenha sido um sucesso imediato, seu impacto cultural e artístico só cresceu com o passar dos anos. E, como ele mesmo diria, a música sempre foi a chave para contar histórias que ultrapassam as barreiras do tempo.