Nos primeiros seis meses de 2025, a indústria da música se deparou com mudanças estruturais que vão muito além do aumento ou queda nas receitas. A série “Music Ally Mid-Year Wraps”, publicada entre 28 de julho e 1º de agosto, traçou um panorama de cinco grandes frentes que estão redesenhando o mercado global: os impasses sobre inteligência artificial, os desafios persistentes na música ao vivo, a disputa entre majors e selos independentes, os testes com modelos pagos voltados a superfãs e a expansão da música global em novos territórios.
Com base em dados, declarações públicas e análises de mercado, os textos mostram uma indústria em busca de soluções para uma nova fase do streaming, que já não cresce nos mesmos níveis dos anos anteriores, e ao mesmo tempo atenta à necessidade de adaptar sua estrutura a demandas emergentes.
IA e direitos autorais no centro da disputa

Um dos temas mais recorrentes neste ano foi o uso de música protegida por direitos autorais para treinar sistemas de inteligência artificial generativa. Plataformas como Suno e Udio, apontadas como líderes de mercado e amplamente financiadas, enfrentam processos de gravadoras e entidades de arrecadação como a GEMA. Mesmo assim, rumores de acordos sugerem que as negociações podem virar o jogo e transformar antigos alvos jurídicos em parceiros da indústria.
Ao mesmo tempo, outras startups do setor têm buscado licenciamento desde o início, como a Mozart AI, que se comprometeu a não treinar seus modelos com obras protegidas nem gerar músicas completas. Também ganharam destaque marketplaces de licenciamento como Musical AI, Human Native AI e SourceAudio, além da Moonvalley, que se destacou na criação de videoclipes com IA e já tem a Universal como cliente.
Enquanto isso, as disputas judiciais seguem em andamento. Entre elas, o processo contra a Anthropic por uso não autorizado de letras em seu chatbot Claude, e as ações de autores contra Meta e outras empresas. A indústria fonográfica tem se unido para defender os princípios de permissão, pagamento e transparência. Para o Music Ally, a adesão de figuras como Björn Ulvaeus e Paul McCartney reforça esse movimento, apesar das pressões de grandes empresas de tecnologia por regulamentações mais leves nos EUA e Reino Unido.
Desigualdades se acentuam na música ao vivo

Apesar da recuperação da receita e da demanda por shows em 2025, o setor de música ao vivo vive um cenário de desigualdade cada vez maior. A Music Ally apontou que a alta dos custos, a queda histórica nas vendas de ingressos e o fechamento de casas de pequeno porte (como no Reino Unido, onde um terço dos espaços independentes fecharam em 2023) afetaram tanto novos artistas quanto nomes consagrados.
Turnês de artistas como Jennifer Lopez, The Black Keys e Lauryn Hill foram canceladas ou redimensionadas, e até grandes festivais como o Coachella adotaram planos de pagamento parcelado para o público geral. A Live Nation, apesar do discurso otimista de seu CEO, reportou queda de 11% nas receitas no primeiro trimestre e segue sob investigação por práticas anticompetitivas nos EUA.
Os governos e as instituições têm buscado soluções. O Reino Unido criou o LIVE Trust, que arrecadou mais de 500 mil libras com contribuições de artistas, e a Austrália lançou seu maior pacote de incentivo ao setor. Já artistas como Jason Dungan, da Dinamarca, relatam dificuldades até para arcar com vistos, optando por formações alternativas para viabilizar suas turnês internacionais.
Consolidação e tensões entre majors e independentes

A compra da Downtown Music Holdings pela Universal, por US$ 775 milhões, gerou protestos no setor independente e levou a Comissão Europeia a abrir uma investigação sobre o impacto concorrencial do negócio. O temor é de que a UMG tenha acesso a dados sensíveis de selos concorrentes e comprometa a diversidade do mercado.
Ainda assim, as majors seguem investindo no setor independente por razões estratégicas: inovação, relevância no streaming (metade dos repasses do Spotify em 2023 e 2024 foram para independentes), protagonismo de artistas autogeridos e expansão de mercados locais. Segundo a Midia Research, os independentes representaram US$ 12,7 bilhões em receitas fonográficas em 2024.
Segundo o Music Ally, esse cenário de valorização também gerou uma onda de fusões entre selos independentes. O Create Music Group adquiriu !K7 e Monstercat, a Reservoir comprou a Fool’s Gold, e o Secretly Group se uniu à Merge Records. No modelo da TV nos anos 2000, começa a se desenhar a formação de “super-indies” no setor musical.
Music Ally coloca superfãs como aposta contra o freio do streaming

Com o mercado fonográfico finalmente desacelerando o crescimento (4,8% em 2024, contra 10,2% em 2023), as plataformas e as gravadoras buscam formas de ampliar a receita além dos modelos tradicionais. Uma das principais apostas está nos superfãs: o segmento que consome mais, paga mais e deseja conexão direta com os artistas.
Spotify, Apple Music e Amazon preparam modalidades pagas voltadas a esse público. O novo plano do Spotify, batizado de Music Pro, deve custar US$ 5,99 nos EUA e oferecer áudio de alta qualidade, acesso antecipado a ingressos e ferramentas de remix. A Universal defende que esses planos também incluam recursos comunitários como escutas coletivas e sessões de perguntas com os artistas.
Apesar do potencial (o Goldman Sachs estima US$ 4,3 bilhões de oportunidade comercial), o Music Ally aponta que ainda há dúvidas sobre a aceitação dos fãs e sobre o real valor das funcionalidades propostas. A pressão por preços mais altos também esbarra na concorrência com plataformas gratuitas e no comportamento atual dos consumidores.
Novos polos musicais globais ganham força

Por fim, a série destacou a diversificação dos centros de produção e consumo musical. K-Pop, Afrobeats e música latina já consolidaram presença internacional, mas novos focos começam a se destacar. O México se tornou o 10º maior mercado fonográfico em 2024, com crescimento de 604% nos streams locais via Spotify. A Índia, que tem grande base no YouTube, também apresenta forte potencial de exportação musical.
A China, com centenas de milhões de assinantes pagantes, segue em expansão, e o Japão começa a reverter sua dependência do consumo doméstico, com 50% das receitas do Spotify vindas de fora do país. A Hybe, a gigante coreana do K-Pop, está replicando sua metodologia na América Latina, enquanto empresas como Sony e UMG ampliam investimentos em mercados africanos e asiáticos.
O cenário de 2025, segundo o Music Ally, é de reconfiguração profunda, com debates éticos sobre IA, tensões comerciais e novas oportunidades se abrindo fora dos grandes centros tradicionais. Os próximos meses devem ser decisivos para entender como essas tendências irão se consolidar ou transformar novamente o mercado.
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