A volta repentina de “Milkshake”, de Kelis, às conversas nas redes sociais é mais do que uma nostalgia Y2K, ou seja, dos anos 2000. O aumento de 220% em streams no Brasil nos últimos 30 dias, segundo o Spotify, acompanhado por um salto de 462% em saves, não aconteceu por acaso. O catalisador foi o Katseye, girl group formado em 2023, que transformou a faixa em manifesto pop ao reinterpretá-la em performances e conteúdos que viralizaram nas redes sociais graças a uma campanha da marca Gap.
Esse movimento coloca em perspectiva a força do Brasil como termômetro global do streaming e a renovação do modelo dos grupos musicais. O fenômeno dominou os anos 1990 e 2000 com boy bands e girl groups e parecia ter perdido espaço nos últimos anos, diante de mudanças no consumo e nos custos de produção. Agora, sinais de retorno surgem com força, e o Katseye aparece como uma das peças dessa equação.
O modelo dos grupos pop
A lógica por trás de girl groups e boy bands sempre esteve ancorada em grandes investimentos de gravadoras. Treinamento, produção de coreografias, turnês e marketing exigiam cifras altas. Em contrapartida, o retorno vinha na forma de histeria coletiva, vendas físicas expressivas e contratos publicitários milionários. Foi assim com Spice Girls, Backstreet Boys e N’Sync.
Com a chegada do streaming, a conta mudou – ou melhor, passou a não fechar. O mercado se fragmentou, os artistas solo se tornaram mais viáveis economicamente, e os grupos se tornaram sinônimo de investimento de alto risco. A dinâmica de dividir receitas entre vários integrantes, somada à dificuldade de manter coesão e relevância no longo prazo, levou a indústria a priorizar carreiras individuais.
O Katseye, no entanto, reabre esse jogo que já ganhou grandes players, como BTS e BLACKPINK. Formado por meio de um reality global da HYBE e Geffen Records, o grupo já nasce adaptado às novas lógicas digitais. O foco não é meramente vender música, mas construir narrativas visuais, trends e experiências que ampliam o alcance para além das plataformas de áudio.
O papel do Brasil
O impacto da geração Z brasileira tem sido decisivo para essa retomada. O país figura entre os maiores mercados de streaming do mundo e já provou ser capaz de alavancar hits globais. No caso do Katseye, o engajamento local foi imediato. O aumento em streams e salvamentos no Brasil superou com folga a média global, evidenciando o poder de viralização do público jovem.
Mais do que consumir, os fãs brasileiros atuam como curadores. Os desafios e danças impulsionados no TikTok se espalham para outros países, criando um efeito cascata. Isso ajuda a explicar por que “Milkshake”, lançada em 2003, voltou à cultura pop em 2025.
Grupos no pop atual
O sucesso do Katseye se conecta a uma movimentação maior no mercado. A Hybe Latam já anunciou planos de lançar um novo grupo que pode incluir brasileiros, sinalizando uma aposta no modelo para além da Coreia do Sul. Na Netflix, o reality Building the Band também conquistou audiência global, e o trio 3Quency assinou contrato com a Columbia Records, mostrando que há espaço para novos formatos de boy bands e girl groups no mainstream.
Essas experiências apontam que, embora o investimento ainda seja alto, existe terreno fértil para a volta dos grupos quando combinados a formatos de entretenimento multiplataforma. Diferente dos anos 1990, o consumo hoje não se limita ao CD ou à MTV, mas se expande para o TikTok, o YouTube e os serviços de streaming.
Nesse contexto, o paralelo com o Now United ajuda a entender diferenças importantes: enquanto o projeto de Simon Fuller buscava ser uma vitrine multicultural global, o Katseye tem estratégia mais próxima ao K-pop, com narrativa visual consistente e foco no mercado fonográfico.

Katseye mira na cultura pop
O grupo tem se consolidado para além do digital e até em grandes palcos. No último Video Music Awards (VMA), o Katseye protagonizou uma das performances mais comentadas da noite, reforçando seu potencial de disputar espaço com artistas já estabelecidos no pop internacional. Outra chancela positiva veio também do Brasil: o grupo foi confirmado no line-up do Lollapalooza 2026.
A ascensão do Katseye revela como os grupos podem voltar a ocupar lugar de destaque ao se adaptarem às novas formas de consumo. Não se trata apenas de nostalgia, mas de compreender que o pop atual se organiza como linguagem multimídia. E, nesse cenário, conjuntos musicais têm potencial para gerar conteúdos coletivos, coreografias virais e narrativas que atravessam plataformas.
O desempenho no Brasil reforça ainda o papel do país como força global da cultura digital. Se no passado eram as gravadoras que decidiam quais grupos fariam sucesso, hoje é a audiência conectada que dita o ritmo. O Katseye soube interpretar esse movimento. Usando a cartilha do K-pop, propõe um olhar ainda mais global em busca de quebrar barreiras. Ao que tudo indica, está surtindo efeito.
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