A relação entre o k-pop e o Brasil vem ganhando novos contornos. Se antes o destaque estava na devoção dos fãs brasileiros, hoje o próprio som do país passa a ser incorporado em produções coreanas. O funk, gênero que nasceu nas periferias do Rio de Janeiro e se consolidou como uma das maiores forças do pop global, tornou-se referência direta em lançamentos de grupos e artistas solo da Coreia do Sul.
Embora os exemplos recentes chamem mais atenção, esse movimento não é tão novo quanto pode parecer. Há quase uma década já surgiam covers, coreografias e experimentações de idols e coreógrafos coreanos com batidas do funk, mostrando que a aproximação foi construída de forma gradual até alcançar o patamar atual. Um vídeo recorrente no TikTok e Reels mostra grupos de k-pop dançando ao som de funk proibidão, gerando reações curiosas de fãs brasileiros que compreendem o contraste entre as letras explícitas e a estética inocente das formações.
No entanto, lançamentos do momento mostram que o batidão deixou de ser apenas uma influência esporádica. O aespa, um dos grupos mais populares da nova geração, acaba de lançar “Rich Man”, faixa que aposta em beats típicos do funk e até em trechos cantados em português. O caso evidencia como a sonoridade brasileira passa a ocupar um lugar de destaque no k-pop.
Funk nas produções de idols globais
O interesse pelo funk brasileiro ganhou um novo impulso, dessa vez em escala internacional, em 2021, quando o duo Tropkillaz produziu a faixa “Money” para a Lisa, integrante do BLACKPINK. O beat com inspiração direta no 150 bpm carioca deu o tom de um dos trabalhos solo mais celebrados do k-pop nos últimos anos. Pouco depois, a colega de grupo Jennie também explorou o gênero em samples incorporados a seu álbum, sinalizando que a conexão poderia se tornar uma tendência. Não por acaso, o próximo disco do BLACKPINK deve ter produção de Diplo, notoriamente bem versado nos sons das cenas urbanas brasileiras.
Em 2023, o diálogo se expandiu com parcerias de maior visibilidade. O Tomorrow X Together (TXT), em colaboração com Anitta, lançou “Back for More”, faixa que mistura pop coreano com elementos de funk e reggaeton, consolidando um encontro que parecia inevitável. Já a drag queen Pabllo Vittar dividiu os vocais com o girlgroup NMIXX em “Mexe”, reforçando a presença brasileira dentro do repertório coreano e criando um marco simbólico de representatividade. Resultado? O single entrou no chart de músicas virais no Spotify da Coreia do Sul. A música também está presente nos charts do Melon, o maior aplicativo de música sul-coreano.
Estética ou estratégia de mercado?

O avanço do funk no k-pop levanta uma questão central: trata-se de uma escolha estética ou de uma estratégia voltada ao público brasileiro? O Brasil está entre os maiores mercados consumidores de música no streaming e é um dos países mais engajados em fandoms de k-pop. Shows de grupos como Stray Kids, BTS e Twice registraram estádios lotados e repercussão massiva nas redes sociais.
O uso do português e a incorporação de batidas locais sugerem uma leitura atenta desse potencial. Ao mesmo tempo, o k-pop construiu sua identidade a partir da apropriação de gêneros globais, do trap ao afrobeat, e o funk se encaixa como mais uma camada estética. A escolha pode, portanto, cumprir dois papéis: dialogar com um público específico e reforçar a imagem de vanguarda do gênero.
O papel histórico do Brasil no pop global
Ainda que o funk seja hoje o ritmo brasileiro mais presente no k-pop, essa não é a primeira vez que o país influencia diretamente a cena coreana. Desde meados da década de 2010, os idols já dançavam coreografias de hits nacionais em vídeos de reação ou apresentações especiais. Coreógrafos como Rikimaru, ligado ao estúdio 1MILLION, popularizaram passos de funks brasileiros em aulas na Coreia, viralizando no YouTube e TikTok.
Essa circulação mostra como o Brasil vem exercendo influência constante na formação do pop global. A entrada do funk em produções coreanas amplia essa trajetória, trazendo uma linguagem periférica e urbana para dentro de um dos gêneros musicais mais consumidos do planeta. Para os fãs brasileiros, a experiência de ver seus ídolos cantando em português ou dançando passinhos é também uma forma de reconhecimento e pertencimento.
Expectativas para o futuro
Com o aespa testando novos caminhos em “Rich Man”, cresce a expectativa por mais colaborações entre artistas brasileiros e coreanos. O histórico de encontros recentes com Anitta e Pabllo Vittar indica que há interesse mútuo e espaço para aprofundar essas trocas. A questão que fica é se o funk se consolidará como parte estrutural da sonoridade do k-pop ou se continuará como influência pontual em determinados projetos.
De todo modo, a aproximação já produziu resultados visíveis. O batidão carioca, que atravessou fronteiras e ganhou diferentes camadas de reconhecimento, hoje ecoa nos palcos e estúdios da Coreia do Sul. O fenômeno mostra como o k-pop, em sua busca constante por inovação, encontra no Brasil um parceiro cultural e estético à altura de sua ambição global.
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