Inteligência artificial motiva criação da coalizão JusticIA na América Latina

Mais de 30 organizações se uniram para pedir proteção dos direitos de criadores e produtores diante da Inteligência Artificial.
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Nathália Pandeló
JusticIA pede uso justo da inteligência artificial no mundo da música
JusticIA pede uso justo da inteligência artificial no mundo da música (Crédito: Reprodução)

Uma aliança inédita de 34 organizações culturais e criativas da América Latina lançou a JusticIA, uma coalizão que busca garantir que os avanços da inteligência artificial generativa não comprometam os direitos de autores, artistas, produtores fonográficos e editoras. A iniciativa foi apresentada hoje (26), durante um evento virtual que reuniu representantes da música e de outros setores culturais da região.

O movimento surge em um momento em que governos de diferentes países latino-americanos discutem propostas de regulação da tecnologia. A JusticIA se propõe a amplificar as vozes da comunidade criativa, pressionando os legisladores a estabelecer obrigações claras de transparência para empresas que desenvolvem e comercializam sistemas de IA generativa.

Durante a coletiva de imprensa realizada hoje, a iniciativa apresentou seu manifesto a favor da utilização responsável da IA. Mark Baker, vice-presidente sênior de Políticas Públicas e Assuntos de Governança do Warner Music Group, citou o uso de inteligência artificial na recuperação vocal de Cleber Augusto, ex-membro do Fundo de Quintal, cujo novo álbum foi lançado pela Warner com amplo uso da tecnologia. 

No entanto, o discurso é claro: a IA não é um inimigo, mas não pode ser utilizada sem o consentimento dos criadores. 

Transparência e rotulagem como prioridades

Instituições que assinam a iniciativa sobre IA na música
Instituições que assinam a iniciativa sobre IA na música (Crédito: Divulgação)

A declaração conjunta apresentada pela coalizão destaca que os fornecedores de IA devem manter registros detalhados dos materiais usados no treinamento de seus modelos e disponibilizar essas informações para os detentores de direitos com interesse legítimo. Além disso, pede que os conteúdos gerados inteiramente por IA sejam devidamente rotulados para que os consumidores não confundam criações humanas com produções automatizadas.

De acordo com a mensagem, a transparência é um pilar fundamental para que a inovação tecnológica se desenvolva sem colocar em risco a sustentabilidade das indústrias criativas. A coalizão defende que o uso responsável da inteligência artificial só será viável se acompanhado por salvaguardas jurídicas que preservem os investimentos de artistas e produtores.

A posição das entidades

No evento de lançamento, Adriana Restrepo, diretora regional da IFPI para a América Latina e o Caribe, reforçou a urgência do debate.

“Em meio a esse cenário dinâmico e em constante mudança, é justo e apropriado que os direitos autorais e conexos sejam preservados e que os desenvolvedores de sistemas e modelos de inteligência artificial sejam obrigados a agir com transparência, informando sobre o conteúdo que utilizaram no treinamento de seus modelos. Todos nós nesta coalizão estamos unidos em torno dessas ideias e deste pedido que estamos fazendo hoje a todos os governos, legisladores e formuladores de políticas públicas.”

Paulo Rosa, presidente da Pro-Música Brasil, também manifestou apoio integral à iniciativa.

“Praticamente todos os países latino-americanos estão discutindo alguma forma de regulação da Inteligência Artificial. É de vital importância para os setores de produção de bens culturais, entre eles o musical, que os direitos autorais e conexos de criadores e produtores sejam preservados e adequadamente protegidos.”

O Brasil aparece no grupo com instituições como UBC (União Brasileira de Compositores) e Abramus (Associação Brasileira de Música e Artes), além de artistas que apoiam publicamente a inciativa: Wilson Simoninha, Fernanda Takai, Rafael Barreto (Jammil e Uma Noites) e Robson Moraes

Artistas brasileiros que aparecem como signatários da iniciativa
Artistas brasileiros que aparecem como signatários da iniciativa (Crédito: Reprodução)

Um chamado coletivo à ação

A JusticIA está aberta à adesão de outros atores do setor criativo, de formuladores de políticas públicas e de membros da sociedade civil. A coalizão pretende enviar a declaração diretamente aos parlamentos e governos da região, buscando fortalecer a proteção jurídica em um cenário em que a inteligência artificial já permeia diversas atividades culturais e de entretenimento.

A IFPI, que representa mais de 8 mil gravadoras em todo o mundo, lembrou no comunicado que as novas tecnologias sempre foram vistas como aliadas, desde que acompanhadas de regras claras. A entidade enfatizou que a IA tradicional já trouxe benefícios em processos de produção e negócios, mas alertou para os riscos específicos da IA generativa, caso opere sem limites.

Oportunidades e riscos para os setores criativos

Inteligência artificial - IA Music Ally direitos autorais gêneros
Crédito: Freepik

No texto de apoio, a IFPI reconheceu que a IA generativa tem potencial para criar um ambiente de colaboração produtiva entre empresas de tecnologia e detentores de direitos, especialmente por meio de modelos de licenciamento. No entanto, apontou que permitir o uso indiscriminado de obras protegidas ameaça a economia criativa da região.

A entidade destacou ainda que a diluição dos direitos autorais abriria espaço para grandes companhias globais explorarem criações latino-americanas sem compensação adequada. Para os representantes da coalizão, apenas a manutenção de direitos exclusivos robustos garante que artistas e produtores continuem investindo em novas obras e fortalecendo a diversidade cultural.

Próximos passos da campanha

Com a divulgação do site oficial (http://iajusticia.com/), a JusticIA abre espaço para que novos apoiadores assinem a declaração. A expectativa é que a pressão conjunta leve governos a criar normas que protejam o trabalho humano e garantam clareza na relação entre criadores e empresas de inteligência artificial.

Ao colocar a América Latina no centro desse debate global, a coalizão reforça que a discussão sobre inteligência artificial não é apenas tecnológica, mas também política e cultural. A integração da IA nos processos criativos precisa ser acompanhada de salvaguardas que mantenham a sustentabilidade de toda a cadeia produtiva.

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