IFPI e coalizão de criadores alertam para riscos no Código de Prática de IA da União Europeia

Novo texto sobre inteligência artificial na UE gera debate: em carta liderada pela IFPI, criadores temem impacto negativo no mercado de direitos autorais.
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Nathália Pandeló
IFPI e outras entidades publicam carta sobre legislação europeia de IA (Crédito: Reprodução)
IFPI e outras entidades publicam carta sobre legislação europeia de IA (Crédito: Reprodução)

Uma coalizão de criadores e detentores de direitos da Europa criticou a Segunda Versão do Código de Prática para Inteligência Artificial de propósito geral, ligado ao Ato de IA da União Europeia. Em uma carta pública, o grupo argumenta que o texto atual não reflete os objetivos da legislação, colocando em risco o ecossistema criativo do continente. A IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica, em português), está entre as entidades que assinam o documento. Leia aqui a carta na íntegra (em inglês).

A Segunda Versão do Código de Prática foi criticada por não garantir transparência e respeito aos direitos autorais, pontos centrais do Ato de IA. A coalizão afirma que, sem melhorias significativas, o texto pode criar ambiguidades jurídicas e prejudicar a inovação responsável. O grupo pede que a próxima versão do documento esteja alinhada com as leis de direitos autorais da UE e com os princípios do Ato de IA.

Os signatários da carta incluem: IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica), CEPI (Associação Europeia de Produção Audiovisual), CEPIC (Centro da Indústria de Imagens), EMMA (Associação Europeia de Mídia de Revistas), ENPA (Associação Europeia de Editores de Jornais), EPC (Conselho Europeu de Editores), EUROCINEMA (Associação de Produtores de Cinema e Televisão), FEP (Federação Europeia de Editores), FIAPF (Federação Internacional de Associações de Produtores de Filmes), GESAC (Grupo Europeu de Sociedades de Autores e Compositores), ICMP (Conselho Internacional de Editores Musicais), IMPALA (Associação Europeia de Empresas Independentes de Música), IMPF (Fórum Internacional de Editores Musicais Independentes), IVF (Federação Internacional de Vídeo) e NME (Mídia de Notícias Europeia).

Transparência e direitos autorais em xeque

Um dos principais pontos de discordância é a falta de clareza sobre o acesso legal a conteúdos protegidos por direitos autorais para treinamento de modelos de IA. A versão sugere que os desenvolvedores de inteligência artificial precisam apenas fazer “esforços razoáveis e proporcionais” para garantir que têm acesso legal a esses materiais. Para a coalizão, essa abordagem é vaga e pode abrir brechas para o uso indevido de obras criativas.

Além disso, o texto propõe que os fornecedores de IA dependam de garantias de terceiros sobre a legalidade dos conjuntos de dados usados no treinamento. Isso, segundo a coalizão, pode isentar indevidamente os desenvolvedores de responsabilidade, especialmente quando os dados vêm de jurisdições onde as leis europeias são difíceis de aplicar. A falta de clareza nesses pontos pode gerar incerteza jurídica e prejudicar os detentores de direitos.

Preocupações com SMEs e ferramentas de reserva de direitos

Parlamento europeu, União Europeia (Crédito Jonas Horsch)
Parlamento europeu (Crédito: Jonas Horsch)

Outro ponto polêmico é a proposta de privilégios para pequenas e médias empresas (SMEs) no uso de modelos de IA pré-existentes. A coalizão reconhece a importância de apoiar SMEs, mas defende que todas as empresas devem seguir os mesmos padrões legais para garantir justiça e responsabilidade no setor. A versão atual, segundo o grupo, cria brechas que podem permitir o uso de conteúdos ilegais no desenvolvimento de IA.

O texto também prioriza o uso de protocolos como o robots.txt para bloqueio de rastreadores, em vez de outras formas de reserva de direitos. A coalizão argumenta que essa abordagem é limitada e não atende às necessidades de todos os detentores de direitos. Eles pedem que a próxima versão seja mais inclusiva em relação às ferramentas de reserva de direitos, sem favorecer uma tecnologia específica.

Impacto no mercado de licenciamento e na inovação

A implementação eficaz do Ato de IA, incluindo o Código de Prática, é vista como essencial para garantir um mercado de licenciamento funcional e saudável na Europa. A coalizão defende que a inovação e a criatividade devem crescer juntas, com remuneração justa para criadores e detentores de direitos. O licenciamento baseado nas leis de direitos autorais da UE é apontado como a solução mais eficaz para equilibrar os interesses de todas as partes envolvidas.

Além disso, o grupo pede melhorias no modelo de resumo detalhado sobre os conteúdos usados no treinamento de IA. A versão atual não fornece informações suficientes para que os detentores de direitos possam verificar se suas obras foram utilizadas. A coalizão sugere que o modelo seja revisado para atender aos requisitos do Ato de IA e garantir transparência.

Por que a legislação da União Europeia importa?

A legislação europeia sobre inteligência artificial é considerada pioneira e tem potencial para influenciar como outros países lidarão com a IA generativa. A UE está entre as primeiras a estabelecer regras abrangentes para o desenvolvimento e uso responsável da tecnologia, servindo como referência para nações que ainda estão criando suas próprias leis. O impacto global do Ato de IA é considerável, pois pode ditar padrões internacionais para transparência, direitos autorais e responsabilidade no uso de dados para treinamento de modelos de IA.

No Brasil, o debate sobre regulação de IA também avança. O Senado está discutindo o Projeto de Lei 2338/2023, que propõe diretrizes para o uso ético e seguro da inteligência artificial no país. O texto brasileiro, ainda em fase de aprimoramento, busca equilibrar inovação e proteção de direitos, inspirando-se em modelos como o europeu. Enquanto isso, a indústria criativa local acompanha de perto as discussões, preocupada com a proteção de direitos autorais e a competitividade no mercado global.

Engajamento e próximos passos

Em seu pronunciamento público, a coalizão europeia reiterou seu compromisso em participar de forma construtiva do processo de redação do Código de Prática. No entanto, o grupo alerta que não apoiará um texto que desrespeite os objetivos do Ato de IA ou as leis de direitos autorais da UE. Eles esperam que as preocupações levantadas sejam consideradas na próxima versão do documento.

Enquanto isso, a indústria criativa europeia aguarda os desdobramentos. O equilíbrio entre inovação em IA e proteção dos direitos autorais continua sendo um desafio complexo, mas essencial para o futuro do setor. A próxima versão do Código de Prática será um passo importante para definir como a UE lidará com essa questão nos próximos anos.

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