Morreu no sábado (13), aos 89 anos, o compositor, arranjador e multi-instrumentista Hermeto Pascoal. A família anunciou o falecimento nas redes sociais. A causa da morte não foi divulgada inicialmente, porém a imprensa reportou falência múltipla dos órgãos.
A despedida coloca um fim a uma trajetória notável, desde o nascimento em 1936 no povoado de Olho d’Água, próximo a Lagoa Grande, na região de Arapiraca (AL), até iniciar a carreira ainda adolescente no rádio e, a partir daí, deixar sua marca na música brasileira.
O velório será nesta segunda-feira (15), aberto ao público, na Areninha Cultural Hermeto Pascoal, em Bangu, Rio de Janeiro, das 14h às 21h. O espaço fica na Praça 1º de Maio, próximo ao bairro Jabour, onde o músico viveu grande parte da vida. A informação foi confirmada pelos canais oficiais e por veículos que acompanharam a organização da despedida.
Trajetória, método e apresentações finais
Autodidata, Hermeto Pascoal dominou uma ampla gama de instrumentos, com destaque para teclas e sopros. Ficou conhecido por incorporar sons do cotidiano ao processo criativo, prática que ele chamou de “música universal”, usando desde chaleira e garrafas até ruídos da natureza. A partir dos anos 1960, formou o grupo Som Quatro e consolidou presença em palcos e estúdios do país.
Em 2025, cancelou compromissos por motivos de saúde, mas seguiu acompanhando o trabalho do seu grupo. No sábado (13), assistiu por chamada de vídeo, do Hospital Samaritano (RJ), a 22 minutos do show da banda Nave Mãe no Festival AcessaBH, em Belo Horizonte, entre 20h e 20h22. O saxofonista Nivaldo Ornelas substituiu o músico na apresentação. Ao final, Fábio Pascoal comunicou ao público a morte do pai e a banda recitou um poema do compositor. Parte do que foi recitado no palco dizia:
“a música segura o mundo / enquanto a gente viver / é a maior fonte sem fim / de alegria e prazer”.
O capítulo com Miles Davis
Um dos muitos episódios que voltaram à tona com a notícia do falecimento de Hermeto Pascoal foi o encontro inusitado com um dos maiores nomes do jazz. A colaboração acabou se tornando um caso emblemático de como o brasileiro lidava com a questão dos direitos autorais.
Em 1971, Miles Davis convidou Hermeto Pascoal para gravar no que viria a se tornar seu álbum “Live-Evil”. Hermeto registrou “Little Church”, “Nem um Talvez” e “Selim” (título que escreve “Miles” ao contrário). As primeiras edições do álbum não trouxeram crédito formal ao brasileiro, fato citado por músicos e biógrafos desde então, apesar do reconhecimento posterior sobre a origem das peças.
Miles Davis referia-se ao alagoano como “crazy albino” e declarou que, se pudesse reencarnar, escolheria ser Hermeto Pascoal. Motivos para isso não faltam. Afinal, conhecido como “Bruxo dos Sons”, apelido que carregou ao longo de toda a carreira, Hermeto recebeu o título pela habilidade de extrair música de qualquer objeto ou situação. O termo surgiu entre músicos e críticos nos anos 1970, em referência às suas experimentações com sons da natureza, utensílios domésticos e invenções próprias, que pareciam transformar o cotidiano em alquimia sonora.
A colaboração ajudou a expandir a circulação do músico brasileiro no circuito do jazz, preservando sua linguagem ancorada em baião, frevo, samba e, claro, muita improvisação. O episódio também tornou-se referência para analisar a dualidade entre a experimentação de Davis e a escrita rítmico-harmônica de Hermeto no início dos anos 1970.
Repercussão e tributos no esporte e na cultura
A celebração da obra de Hermeto Pascoal não se reteve ao mundo da música. Clubes de futebol também prestaram homenagem. O Clube de Regatas Brasil (CRB) destacou a “alagoanidade” do compositor:
“O alagoano Hermeto levou o nome do nosso estado para os mais diversos palcos internacionais, eternizando-se como um dos maiores gênios da música brasileira. Neste momento de dor, o Clube de Regatas Brasil se solidariza com seus familiares, amigos e admiradores, desejando força e conforto a todos.”
O Fluminense Football Club lembrou o título de Tricolor Ilustre (2024) e publicou: “O Fluminense Football Club lamenta profundamente a morte do ícone da música brasileira Hermeto Pascoal. […] Nossos sentimentos à família, amigos e fãs daquele que era considerado um dos maiores músicos de todo o mundo”.
Autoridades e artistas também se manifestaram. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva escreveu:
“A música e a cultura brasileira devem muito a Hermeto Pascoal, que nos deixou neste sábado, dia 13, aos 89 anos.”
A ministra da Cultura Margareth Menezes afirmou que o músico foi “um mestre generoso que transformou a música brasileira em alquimia sonora” e que Hermeto Pascoal é “patrimônio da nossa cultura. Sua magia segue viva no povo brasileiro e em todos os artistas com quem ele criou. Que sorte tivemos!”.
Caetano Veloso declarou:
“Hermeto é grandeza da música no Brasil, um dos pontos mais altos da história da música no Brasil e que se expôs ao mundo com muita clareza e força. […] Hermeto Pascoal parte, mas sua música infinita permanece.”
Zélia Duncan definiu-o como “mestre absoluto” e “filho preferido da deusa música”. Whindersson Nunes registrou que o artista “permanece vivo em suas obras”.

Política de direitos e circulação das obras
Além do trabalho como compositor, arranjador e improvisador, Hermeto Pascoal adotou uma postura pública de liberação de suas composições para regravações e licenciamento. A decisão permitiu que novas versões e usos profissionais ocorressem sem cobrança de direitos autorais por parte do autor, desde que respeitados crédito e integridade das obras, ampliando a circulação do repertório. O gesto foi reiterado por seus colaboradores e por músicos que regravaram peças do compositor.
A política se somou ao rigor de ensaio relatado por seus grupos, com rotinas intensas para garantir desempenho e autonomia na improvisação. O músico acumulou três prêmios no Latin Grammy (o mais recente, ainda em 2024, pelo disco “Pra Você, Ilza”) e recebeu, em 2023, o título de doutor honoris causa da Juilliard. Em 2024, foi homenageado pelo Fluminense; sua última apresentação no Brasil ocorreu em junho de 2025.
Nascido albino e com baixa visão, Hermeto Pascoal relatou que a condição o aproximou da escuta e do estudo fora do ambiente formal. Ao longo da vida, transitou entre palcos, gravações e projetos autorais, incluindo séries de composições e colaborações com orquestras e grupos instrumentais. Entre os depoimentos de parceiros, são frequentes as referências ao equilíbrio entre disciplina e liberdade criativa.
O artista deixa seis filhos, 13 netos e 10 bisnetos. A família publicou nota nas redes: “Com serenidade e amor, comunicamos que Hermeto Pascoal fez sua passagem para o plano espiritual, cercado pela família e por companheiros de música. […] Quem desejar homenageá-lo, deixe soar uma nota no instrumento, na voz, na chaleira e ofereça ao universo. É assim que ele gostaria.”
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