Dia do Carimbó é celebrado em 26 de agosto e ganha força nos palcos de festivais nacionais

O Festival Psica se consolida como plataforma dessa nova geração cultural, com presença dos grupos Batucada Misteriosa e Toró Açu, conectando a tradição do carimbó à Amazônia urbana.
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Nathália Pandeló
À direita, a Batucada Misteriosa; à esquerda, o Toró Açu, coletivos que fortalecem o carimbó no Festival Psica - Créditos Duda Santana
À direita, a Batucada Misteriosa; à esquerda, o Toró Açu, coletivos que fortalecem o carimbó no Festival Psica - Créditos: Duda Santana

Em 26 de agosto, o Brasil celebra o Dia do Carimbó, data que homenageia o nascimento de Mestre Verequete, considerado o “Rei do Carimbó” e um dos maiores nomes da música popular amazônica. Desde 2014, o ritmo é reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Iphan, um marco que reforça a importância da tradição afro-indígena paraense que segue se reinventando a cada geração.

É nesse contexto que o Festival Psica, realizado em Belém, reforça o papel do gênero como parte essencial da música pan-amazônica. Nesta edição, o destaque vai para o Toró Açu, coletivo originário do território quilombola de Abacatal, em Ananindeua (PA), que mistura carimbó, guitarrada e ritmos afro-brasileiros em uma estética urbana e experimental. 

Em um encontro inédito, o grupo se apresenta ao lado da Batucada Misteriosa, formada por jovens da periferia de Icoaraci, que exploram a potência da percussão em diálogos com batuques afro-amazônicos, sanfona e ritmos latinos. Juntos, eles representam a vitalidade do carimbó dentro de uma cena plural, que conecta tradição, periferia e inovação musical.

O carimbó para além do folclore

O carimbó nasceu no Pará a partir de matrizes afro-indígenas e populares que moldaram a identidade da região. Com base no tambor curimbó, tornou-se expressão de território e pertencimento. Por muito tempo foi associado a apresentações turísticas e folclóricas, mas a força comunitária o manteve vivo em festas de rua, praças e terreiros.

A trajetória histórica inclui períodos de criminalização e resistência. A partir das décadas de 1960 e 1970, artistas como Verequete e Pinduca ampliaram sua visibilidade, levando o ritmo às rádios e bailes. 

O reconhecimento como patrimônio cultural pelo Iphan consolidou o gênero como parte fundamental da memória e da identidade da Amazônia. Hoje, essa herança se soma a novas linguagens, que deslocam o carimbó para palcos de festivais nacionais e para a cena contemporânea urbana.

Festival Psica como palco nacional

O Psica, realizado desde 2012, tornou-se um dos maiores festivais independentes da região Norte. Sua curadoria privilegia artistas amazônicos e linguagens periféricas, dialogando com o rap, o tecnobrega, a guitarrada e o carimbó. A edição de 2025 acontece de 12 a 14 de dezembro, em Belém, com shows gratuitos na Cidade Velha e apresentações no Mangueirão, com ingressos a partir de R$125.

“A ideia desse encontro no Psica nasceu da certeza de que o carimbó precisa estar presente nos nossos line-ups. É uma forma de valorizar e reconhecer uma das expressões culturais mais importantes da nossa cidade. O Psica não existiria se não abrisse espaço para o carimbó. Hoje, o festival é um palco de alcance nacional, e abrir esses slots é essencial para que novos artistas, jovens que tocam carimbó, tenham visibilidade. É assim que nossa cultura ganha força e ecoa em todo o Brasil”, afirma Gerson Dias, sócio-fundador do Psica.

Batucada Misteriosa e a juventude de Icoaraci

Batucada Misteriosa - Crédito Lorena Fadul carimbó
Batucada Misteriosa – Crédito: Lorena Fadul

A Batucada Misteriosa surgiu em 11 de dezembro de 2016, no espaço cultural Coisas de Negro, em Icoaraci, distrito de Belém. O grupo foi abençoado por Mestre Nego Ray, figura central na preservação do carimbó no Pará, responsável por criar espaços de acolhimento e troca que inspiraram novas gerações.

“A Batucada Misteriosa surgiu em 11 de dezembro de 2016, no espaço cultural Coisas de Negro, e fomos abençoados naquele dia pelo nosso mestre Nego Ray. Carregamos o título de conjunto mais jovem do nosso distrito, mas não o de mais novo, porque depois de nós outros grupos também surgiram. Cada um traz sua linguagem, sua poética, e a nossa é essa… essa paixão como sujeitos de Icoaraci, respirando o carimbó urbano”, conta Yuri Moreno, integrante do coletivo.

Toró Açu e a resistência quilombola

Toró Açu - Crédito Ana Serrão carimbó
Toró Açu – Crédito: Ana Serrão

Criado em 2016 no Quilombo Abacatal, em Ananindeua, o Toró Açu tornou-se símbolo da fusão entre ancestralidade e inovação. Em 2021, lançou o EP “O Caminho das Pedras”, com faixas que narram a história de mais de três séculos da comunidade quilombola.

“O Toró Açu nasceu como uma comunidade de resistência. Nossa música é a voz do lugar onde vivemos e da luta dos mais velhos que abriram caminho antes de nós. Cada composição é também uma memória coletiva, uma forma de manter viva a história do nosso território e afirmar nossa identidade no carimbó”, comenta Dawidh Maia, integrante da banda.

A proposta do grupo vai além da música: com a futura Casa do Toró, a comunidade planeja criar um centro cultural para oficinas de dança, percussão e artesanato. As letras do Toró Açu reforçam a relação do carimbó com o território, já que muitas composições mencionam diretamente lugares e pessoas, como apontou o pesquisador Givly Simons em entrevista à Rádio Cultura Brasil.

Novas gerações e a circulação nacional

Celebrar o Dia do Carimbó é reafirmar sua força como símbolo de memória, resistência e reinvenção. Hoje, o gênero se expressa em linguagens diversas, ocupando grandes festivais e reafirmando sua ligação com a juventude amazônica. Ainda que sua presença em line-ups fora da região Norte seja tímida, já há sinais de mudança, com participações pontuais em palcos de alcance nacional. Nomes como Dona Onete e Gaby Amarantos, que utilizam essa linguagem em maior ou menor grau, estão em alguns dos mais expressivos palcos do país.

As novas gerações têm papel central nesse processo. Ao conectar tradição e modernidade, grupos como Batucada Misteriosa e Toró Açu ampliam as fronteiras do gênero e mostram que os sons do Brasil vão muito além do lugar-comum, inserindo o carimbó em um diálogo mais amplo sobre diversidade e inovação musical.

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