Audiolivros crescem no streaming e Spotify enfrenta pressão por combos com música

Com crescimento acelerado no Brasil, os audiolivros dividem atenção com músicas e podcasts nas plataformas e abrem caminho para músicos como narradores ou criadores de trilhas sonoras.
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Nathália Pandeló
Audiolivros estão cada vez mais populares (Crédito: Lena Kudryavtseva)
Audiolivros estão cada vez mais populares (Crédito: Lena Kudryavtseva)

O mercado de audiolivros está em plena expansão no Brasil. Só no primeiro trimestre de 2024, a receita com o formato dobrou em relação ao mesmo período do ano anterior. A chegada de serviços como Audible, Storytel e Skeelo deu uma nova cara ao segmento. O que antes era um nicho virou parte importante do ecossistema do áudio, e está mexendo diretamente com o universo da música.

É cada vez mais comum ver músicos e atores envolvidos com a produção de audiolivros. Uns emprestam a voz para a narração. Outros criam trilhas exclusivas para acompanhar os capítulos. Tudo isso enquanto os audiolivros dividem espaço com músicas e podcasts nas plataformas de streaming. É uma disputa direta pelo tempo (e pelo dinheiro) dos ouvintes.

Não é exagero. Segundo a Bookwire Brasil, a receita com audiolivros no quarto trimestre de 2024 cresceu 166% (incluindo pacotes de operadoras) em relação ao ano anterior, e os títulos em áudio passaram a representar 19,5% da receita digital combinada de e‑books e audiolivros. 

Outro levantamento feito pela Kantar IBOPE Media no estudo Inside Audio 2023 revelou que 95% dos brasileiros acreditam que podem ler mais ouvindo audiolivros, e que 90% já consomem podcasts ou audiolivros

Spotify entra na jogada e reacende debate

Audiolivros crescem em popularidade (Crédito: Shutterstock)
Audiolivros crescem em popularidade (Crédito: Shutterstock)

Um dos principais pontos de virada foi o movimento do Spotify, que lançou audiolivros em inglês dentro do plano Premium em alguns países. O serviço ainda não chegou oficialmente ao Brasil, mas a empresa estuda oferecer títulos em português no futuro.

Por enquanto, quem assina o Premium em países como Estados Unidos e Reino Unido pode ouvir até 15 horas por mês de livros narrados. A novidade gerou polêmica no meio musical: como fica a divisão dos royalties? O valor da assinatura continua o mesmo, mas agora precisa ser repartido entre músicas, podcasts e audiolivros.

A preocupação aumentou quando veio à tona que o Spotify havia convertido todos os assinantes do plano Premium para essa versão com audiolivros sem um aviso claro. O resultado foi uma queda nos royalties pagos a compositores e editoras, estimada em US$ 230 milhões só no primeiro ano da mudança. O impacto foi tão grande que, na última semana, dois senadores dos Estados Unidos enviaram uma carta à FTC, pedindo uma investigação oficial sobre a prática, alegando que o modelo prejudica criadores e engana consumidores.

Muitos artistas e produtores veem nisso uma ameaça: em vez de ampliar os ganhos, o streaming estaria apenas redistribuindo o mesmo valor para mais categorias, diminuindo a fatia da música.

Artistas narrando livros: uma nova forma de atuação

Clarice Falcão entre os narradores brasileiros de destaque na Audible Brasil
Clarice Falcão entre os narradores brasileiros de destaque na Audible Brasil (Crédito: Divulgação)

Músicos que buscam novas formas de se expressar têm encontrado nos livros narrados um campo fértil. É o caso da cantora e atriz Clarice Falcão, que emprestou sua voz para a versão em áudio do livro “Um Teto Todo Seu”, de Virginia Woolf, na Audible. A obra é uma coletânea de ensaios sobre a liberdade criativa e a independência financeira das mulheres artistas — um tema que segue atual quase um século depois da sua publicação.

“O convite veio da Audible e eu fiquei muito empolgada, porque eu já tinha lido Virginia Woolf, mas só tinha lido ficção mesmo, romance. E fiquei apaixonada pelo livro”, conta Clarice.

Segundo ela, a experiência de ler com atenção máxima fez toda a diferença. “Foi o livro que eu li com mais atenção na minha vida, porque eu tinha que entender cada frase para poder dar a entonação que aquela frase merecia.”

Ela também compartilhou os desafios do processo: 

“Eu leio rápido, sou meio ansiosa, e aí volto e meia a gente tinha que parar: ‘Clarice, você tá lendo muito rápido’. Depois eu peguei o ritmo.” 

Para Clarice, o ritmo da leitura foi a parte mais difícil. Já a mais prazerosa? 

“Talvez tenha sido ler o livro.”

Produção nacional ainda é pequena, mas promissora

Apesar do avanço em assinaturas e da popularização do formato, o Brasil ainda produz menos de 500 audiolivros por ano. Isso está começando a mudar, com plataformas como Skeelo e Tocalivros apostando em produções nacionais e modelos de distribuição via parcerias com editoras, operadoras e grandes empresas.

A Skeelo, por exemplo, já soma milhões de usuários e tem investido em obras narradas por personalidades conhecidas. Muitos artistas assinam com exclusividade para uma dessas plataformas, como é o caso de Clarice Falcão, que gravou “Um Teto Todo Seu” diretamente para a Audible. 

Já outros atuam em parceria com editoras. Ícaro Silva, por exemplo, deu voz ao bruxo mais famoso da literatura infantojuvenil ao narrar a saga Harry Potter. Rafael Cortez firmou colaboração com a editora Livro Falante, narrando diversas obras de Machado de Assis, como Quincas Borba, Memórias Póstumas de Brás Cubas, O Alienista e Dom Casmurro. Ele também gravou O Meu Pé de Laranja Lima, publicado pela Melhoramentos, com direito a interlúdios musicais que tiraram proveito de seu lado de cantor.

Esse movimento ajuda a dar mais visibilidade ao formato e estimula o público a explorar novos modos de consumir literatura, com vozes já conhecidas do teatro, da TV e da música.

Música e literatura dividem o mesmo espaço

Audible ganha força no Brasil
Audible ganha força no Brasil (Crédito: Shutterstock)

O ponto central dessa transformação é o cruzamento entre formatos. Hoje, música, podcast e livro disputam o mesmo campo: as plataformas de streaming. Isso muda o jogo não só para os ouvintes, mas também para os artistas, que precisam encontrar novas formas de se destacar em meio a tanta oferta de conteúdo.

Para quem trabalha com música, isso pode parecer uma ameaça à renda, mas também é uma chance de diversificar. Narrar um livro, compor uma trilha para um romance ou até participar de um projeto híbrido com áudio imersivo são caminhos possíveis para artistas que querem ir além dos álbuns e singles.

Clarice resume bem esse tipo de experiência: 

“Foi a primeira vez que eu narrei algo assim. No começo é uma adaptação, mas depois que você pega o jeito, é uma delícia.”

O que vem pela frente

A expectativa é que os audiolivros em português cheguem ao Spotify em algum momento. De forma oficial, claro: atualmente, diversos títulos já são oferecidos de forma pirata dentro da plataforma, passando-se por episódios de podcast. Quando isso acontecer, o impacto na forma como os brasileiros consomem áudio pode ser ainda maior. Mais concorrência entre formatos, mais demanda por conteúdos variados e, claro, mais atenção para as questões de remuneração.

Enquanto isso, músicos que enxergarem o potencial criativo do formato já podem sair na frente. A leitura em voz alta, a criação de paisagens sonoras e a performance vocal em narrativas literárias estão ganhando status de produto cultural completo, e o mercado está só começando a entender as possibilidades disso.

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