Por Dentro da Estratégia: Andrea Franco detalha bastidores de “Raça Humana Reloaded” e a nova leitura da obra de Gilberto Gil

Idealizado pela Xirê de Andrea Franco, o álbum conecta gerações e traduz a visão futurista de Gil em uma releitura que une curadoria, tecnologia e memória.
Foto de Nathália Pandeló
Nathália Pandeló
Andrea Franco, CEO da Xirê (Crédito: Divulgação)
Andrea Franco, CEO da Xirê (Crédito: Murilo Alvesso)

Quarenta anos depois de seu lançamento original, o álbum “Raça Humana”, de Gilberto Gil, ganha nova vida pelas mãos da Xirê, produtora dirigida por Andrea Franco. O projeto “Raça Humana Reloaded” dá continuidade à série de revisitações iniciada com “Refavela40”, mas agora com um olhar voltado para o futuro. 

A escolha do disco de 1984 não foi casual: trata-se de uma das obras mais experimentais da trajetória de Gil, marcada por guitarras, sintetizadores e diálogos com a new wave e o pop global. Para Andrea, esse caráter vanguardista oferecia o terreno ideal para um projeto que unisse curadoria, inovação e memória, reafirmando a atualidade das discussões sobre identidade, diversidade e tecnologia presentes nas letras e nas sonoridades do álbum original.

A proposta da Xirê foi transformar “Raça Humana” em uma nova experiência sonora e conceitual, respeitando o DNA do disco e ao mesmo tempo atualizando sua textura para o presente. O resultado é uma costura entre o orgânico e o eletrônico, entre o legado e a experimentação. 

Gilberto Gil (Crédito: Leo Aversa)
Gilberto Gil (Crédito: Leo Aversa)

Cada faixa foi pensada como um encontro de gerações, conduzido por produtores e artistas capazes de traduzir a linguagem musical de Gilberto Gil em timbres contemporâneos. Em vez de reconstruir o passado, o projeto busca expandi-lo, colocando-o em diálogo direto com o universo digital e com a estética do pop atual.

A curadoria dos intérpretes se tornou um dos elementos centrais da estratégia. O projeto reúne Ana Frango Elétrico, Mariana Volker, Sílvia Machete, Teago Oliveira, Mãeana, Jovem Dionísio, Jota.Pê, Os Garotin, Mestrinho, Chico César e Flor Gil, formando um elenco que atravessa gerações e estilos da música brasileira. 

Essa escolha evidencia a visão da Xirê sobre o papel das releituras no mercado atual: mais do que resgatar um clássico, trata-se de provocar novos encontros e reposicionar o repertório de Gil dentro da lógica de consumo e descoberta musical das plataformas digitais. “Raça Humana”, nesse sentido, vai além de uma celebração do passado, mas uma atualização simbólica e estética do próprio conceito de humanidade presente na obra de Gil.

Em entrevista exclusiva ao Mundo da Música, a CEO da Xirê detalha os bastidores do projeto.

Capa e contracapa de Raça Humana Reloaded
Capa e contracapa de Raça Humana Reloaded (Crédito: Divulgação)

Entrevista: Andrea Franco revela bastidores do lançamento de “Raça Humana Reloaded”

Mundo da Música: O projeto de “Raça Humana” nasce depois do sucesso de “Refavela40”. Como vocês decidiram que este seria o próximo capítulo da série de revisitações da obra de Gilberto Gil?

Andrea Franco: O sucesso de ‘Refavela40’ confirmou o desejo do público por mergulhos curatoriais na obra de Gil. A escolha de ‘Raça Humana’ veio de uma necessidade artística e estratégica. O álbum de 1984 é, talvez, o mais ‘futurista’ e inquieto do catálogo de Gil. Ele representa um momento de ruptura estética, onde Gil dialoga diretamente com as sonoridades globais da época. Decidimos que este seria o próximo capítulo porque sua temática – identidade, diversidade e tecnologia – é urgentemente contemporânea, permitindo que a revisitação soasse como um álbum novo, não apenas como uma homenagem.

Mundo da Música: O álbum original de 1984 representava um ponto de virada estética para Gil, com guitarras, sintetizadores e um diálogo forte com a new wave. Como essa sonoridade foi reinterpretada nas novas versões sem perder o DNA do disco?

Andrea Franco: O desafio era justamente este: honrar a ousadia original sem cair no anacronismo. O Gil de 1984 usou a tecnologia da época (sintetizadores, drum machines) para expressar sua visão. Na revisitação, mantivemos o ‘esqueleto’ rítmico e harmônico do disco, mas reinterpretamos o timbre. As guitarras e os sintetizadores de hoje falam a língua do presente, incorporando a estética lo-fi ou a precisão do pop atual, por exemplo. O DNA do disco, que é a pulsação rítmica e a clareza melódica de Gil, foi preservado, mas o ‘corpo’ sônico foi atualizado por produtores que entendem o diálogo entre o orgânico e o eletrônico.

Ana Frango Elétrico, Jota.pê, Jovem Dionísio, Os Garotin, Teago Oliveira, Chico César, Flor Gil, Mariana Volker, Silvia Machete, Mestrinho e mãeana recriam álbum de Gilberto Gil
Ana Frango Elétrico, Jota.pê, Jovem Dionísio, Os Garotin, Teago Oliveira, Chico César, Flor Gil, Mariana Volker, Silvia Machete, Mestrinho e mãeana recriam álbum de Gilberto Gil

Mundo da Música: A escolha do “elenco” é um dos pontos mais simbólicos do projeto. Como foi o processo de reunir artistas de gerações tão diferentes, como Ana Frango Elétrico, Jovem Dionísio, Chico César e Flor Gil, em torno do mesmo repertório?

Andrea Franco: A curadoria do ‘elenco’ foi um dos pilares conceituais do projeto. Raça Humana’ não é apenas sobre Gil, mas sobre a perenidade da sua mensagem. Precisávamos de vozes que representassem o espectro completo da música brasileira de hoje. Artistas como Chico César trazem a ponte histórica e a sofisticação lírica. Ana Frango Elétrico e Jovem Dionísio representam o novo pop e a desconstrução estética, provando que a obra de Gil inspira a vanguarda. E a presença de Flor Gil é simbólica, representando a continuidade do legado familiar. O processo foi orgânico: mapeamos quem já dialogava com Gilberto Gil, mesmo que inconscientemente, e os convidamos para uma conversa musical.

Mundo da Música: Gil sempre foi um artista atento à tecnologia e à inovação. Como esses elementos se manifestam neste projeto, seja na produção musical, na estratégia de lançamento ou na forma de conectar o álbum a novos públicos?

Andrea Franco: Gilberto Gil sempre foi um artista à frente do seu tempo, seja na Tropicália ou no uso da internet. Essa atitude se manifesta no projeto de três formas principais:

1. Produção Musical: Uso de tecnologias de estúdio que permitem essa ‘costura’ sônica entre diferentes artistas e produtores.

2. Estratégia de Lançamento: Não lançamos apenas um álbum, mas uma narrativa multimídia, utilizando redes sociais e plataformas digitais para criar contextos visuais e conceituais para cada faixa

3. Conexão com o Público: Usamos a tecnologia para ‘desemparedar’ a memória. Ao inserir a obra em playlists e formatos de consumo atuais, garantimos que um clássico de 1984 possa ser descoberto por um jovem de 18 anos lado a lado com lançamentos do pop global.

Mundo da Música: A Xirê tem se consolidado como uma produtora que alia curadoria e memória. Qual é o papel da empresa na preservação e atualização do legado de artistas como Gil, e como vocês enxergam o impacto cultural desse tipo de releitura no cenário atual?

Andrea Franco: A Xirê nasceu com a missão de ser mais do que uma produtora; somos uma casa de curadoria e memória viva. Nosso papel é atuar como um catalisador que não apenas preserva um legado, mas o lança para o futuro. Entendemos que a obra do Seu Gilberto não pode ser engavetada. Projetos de releitura, como o ‘Raça Humana’, são o investimento mais estratégico na longevidade cultural. Eles criam um ciclo virtuoso: o artista original é redescoberto, e a nova geração de talentos ganha um palco para dialogar com a história. É um impacto cultural que solidifica a música brasileira como uma potência atemporal.

Mundo da Música: Para além da celebração de um clássico, “Raça Humana” também propõe um diálogo sobre identidade, diversidade e futuro. Que mensagens vocês esperam que o público absorva ao ouvir esse reencontro de gerações?

Andrea Franco: Esperamos que o público absorva, antes de tudo, a mensagem central de pertencimento e diversidade. ‘Raça Humana’ nos convida a celebrar nossas diferenças e a buscar a unidade na pluralidade. No contexto atual de polarização, ouvir gerações, estéticas e identidades distintas cantando juntas o mesmo repertório é, em si, um ato político e poético. Acreditamos que o álbum propõe um olhar otimista para o futuro, um convite a abraçar a complexidade de ser humano e a beleza de nos reconhecermos uns nos outros.

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