O ciclo é conhecido. Capital entra pesado, valuations disparam, o mercado concentra. Com IA, o volume é inédito, assim como o crivo e o retorno operacional. Em vez de promessas, o centro passa a ser das métricas, a redução de custo por tarefa, horas economizadas e aumento de throughput. O objetivo é transformar “trilhões” em resultado mensurável.
A NVIDIA virou o termômetro, com um valuation na casa dos US$ 5 tri. Microsoft e Apple acima dos US$ 4 tri reforçam a concentração do ciclo, impulsionadas pelo mesmo otimismo que empurra a economia global para um terreno cada vez mais concentrado.

Teia de IA: capital cruzado, retorno em pauta
A euforia não passa despercebida. A Forbes repercutiu a análise daYale Schoolof Management, de Jeffrey Sonnenfeld e Stephen Henriques, que alerta para “sinais de uma perigosa superexposição”.
Hoje, OpenAI, Nvidia, Microsoft, AMD e Oracle formam uma teia de investimentos cruzados:
- A NVIDIA investe na OpenAI e fornece chips/GPUs à Microsoft;
- A Microsoft é acionista da OpenAI e cliente da CoreWeave, parceira/investida da pela NVIDIA;
- Oracle hospeda cargas da OpenAI em acordos de longo prazo.
Esse círculo de interdependência costuma ser apresentado como sinergia, mas também concentra riscos sistêmicos. Mesmo liderando o hardware de IA, a NVIDIA enfrenta concorrência de AMD, Intel, Huawei e novas startups de semicondutores, enquanto Amazon, Google e Microsoft desenvolvem seus próprios chips para reduzir a dependência da líder.
A OpenAI, por exemplo, firmou um contrato de US$ 300 bilhões com a Oracle para rodar seus modelos, um valor mais de vinte vezes superior à receita estimada para 2025.
O risco não está apenas na volatilidade dos valuations, mas no efeito cascata dessa interdependência. Quando as mesmas empresas concentram capital, infraestrutura e demanda, o sistema perde amortecedores. Uma oscilação de margem, falha técnica ou mudança regulatória em um dos polos, como NVIDIA ou OpenAI, reverbera em todo o ecossistema. A promessa de sinergia, se mal calibrada, pode virar vulnerabilidade.
O descompasso entre narrativa X entrega
“A revolução da IA é real, mas os valuations são ilusórios”, resumiu o investidor Alan Patricof. O atrito não está na tecnologia em si, e sim na distância entre o ritmo da narrativa e o da entrega.
Empresas e investidores apostam em um futuro que ainda está sendo construído, enquanto a economia real tenta localizar onde, de fato, a IA gera valor sustentável e recorrente.
Desde o lançamento do ChatGPT, companhias ligadas à IA concentraram 75% dos retornos do S&P 500, 80% do crescimento de lucros e 90% dos novos investimentos de capital (JP Morgan Asset Management).
A PitchBook mostra que, só no primeiro semestre de 2025, dois terços do venture capital americano foram destinados a startups de IA, um padrão que, historicamente, costuma anteceder fases de correção.
Em resumo, o capital já precificou a narrativa; o ROI operacional ainda precisa alcançá-la.
Bolha da IA: sinais de saturação sem drama
Se quiser ir além deste texto, te convido a mergulhar no episódio “A bolha da IA”, do podcast Café da Manhã (Folha de S. Paulo), com o pesquisador Paulo Carvão. Ele resume três sinais clássicos que classificam as bolhas econômicas:
- Concentração de valor em poucas empresas;
- Excesso de capital correndo atrás do mesmo tema;
- Descompasso entre aportes e a capacidade real de gerar lucro.
O filme é conhecido. A curva sobe rápido, a cobrança por resultado chega, e o otimismo vira peso no DRE. É nesse intervalo, entre entusiasmo e entrega, que as bolhas se formam em silêncio.
Por que trilhões agora?
A IA não é exatamente nova ou inovação recente, nova é a sua dimensão operacional.
O que mudou foi a escala, mais dados disponíveis e custos computacionais em queda.
Essa combinação de explosão de dados + computação menos custosa + queda do custo marginal de processamento + modelos maiores puxaram um ciclo de CAPEX pesado de chips, data centers, contratos de energia de longo prazo e infraestrutura de rede.
É por isso que falamos em trilhões. O jogo, porém, se decide no básico, na análise de custo por inferência, throughput por watt e payback por caso de uso. Se essas três linhas não fecham, o resto é barulho.

Qual é a sua parte na bolha?
Dá pra olhar em dois andares: uso corporativo e uso individual. O corporativo (analytics, preditivo, automação) já roda há anos, com orçamento, SLA e ROI mais claros. A virada recente veio do consumo via IA generativa, com a distribuição massiva, curiosidade alta econversão baixa para planos pagos. A OpenAI fala em 800 milhões de usuários, mas só uma fração paga pelo serviço.
O desafio é encontrar um modelo de monetização capaz de sustentar essa estrutura sem depender indefinidamente de aportes de capital.
O nó é de uniteconomics, ou seja, ARPU baixo, custo de servir alto (modelo + GPU + energia) e muita conta subsidiada por contratos de nuvem e capital. Enquanto o usuário final não sustentar a infraestrutura, o sistema repousa em aportes e receitas B2B.
Cada clique sem ROI reforça o risco de saturação; cada caso de uso que fecha a conta puxa o mercado para a realidade. No fim, é a disposição de pagar (ou não) que decide quanto dessa corrida trilionária vira negócio, e quanto vira correção.

O que fica se a bolha estourar
Mesmo que o entusiasmo esfrie, o padrão histórico se repete. As tecnologias de uso amplo, fibra óptica e a própria internet, deixam infraestrutura e ganhos de eficiência que sobrevivem à especulação.
A diferença, agora, é o ritmo da obsolescência. Servidores e chips perdem valor em meses, não em décadas. Isso pressiona as empresas a buscarem retorno imediato e encurta o tempo entre o pico e a correção.
Se a bolha vier, ela não apaga o avanço, apenas redefine quem fica de pé quando o capital se recolhe. A corrida da IA pode ser bolha, mas também é fundação. O saldo virá quando a euforia der lugar a produtividade mensurável e ROI sustentável.
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Entre promessas trilionárias e data centers do tamanho de cidades, seguimos tentando medir se estamos, de fato, construindo o futuro ou só precificando a ideia dele.
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Até a próxima edição!
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