Sucesso de Mariah Carey domina charts de Natal e mostra que canções festivas não se renovam há mais de 30 anos

O chart natalino da Billboard confirma, ano após ano, a força de clássicos lançados no século passado e expõe a dificuldade de renovação do repertório de Natal.
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Nathália Pandeló
Os atuais hits de Natal no chart da Billboard
Os atuais hits de Natal no chart da Billboard (Crédito: Reprodução)

Dois dos exemplos mais emblemáticos do cancioneiro de Natal são assumidamente millennials. “All I Want For Christmas Is You”, de Mariah Carey, e “Então é Natal”, na voz de Simone, já passaram dos 30 anos de vida. Lançadas em 1994 e 1995, respectivamente, as duas canções seguem como trilhas sonoras quase obrigatórias de dezembro, atravessando gerações sem perder espaço.

Esses casos ajudam a explicar por que o Natal é, talvez, o período mais nostálgico do calendário musical. Basta olhar para o chart natalino da Billboard, que ranqueia semanalmente as músicas festivas mais consumidas do mundo, para perceber que o topo segue ocupado por faixas antigas, repetidas ano após ano, com poucas variações.

No ranking, “All I Want For Christmas Is You” lidera de forma recorrente, seguida por títulos como “Last Christmas”, do Wham!, “Rockin’ Around The Christmas Tree”, de Brenda Lee, e “Jingle Bell Rock”, de Bobby Helms. A lista reúne dados de streaming, execução em rádio e vendas, compilados pela Luminate e pela Mediabase, refletindo hábitos de consumo atuais para um repertório majoritariamente antigo.

Um repertório que atravessa décadas

O Top 10 natalino da Billboard é um retrato claro dessa permanência. Das dez músicas mais populares, a maioria foi lançada entre as décadas de 1940 e 1960. Estão ali nomes como Nat “King” Cole, Andy Williams e Dean Martin, artistas cuja relevância comercial no restante do ano já não é comparável à força que ganham em dezembro.

Mesmo faixas mais recentes, como “Santa Tell Me”, de Ariana Grande, ou “Underneath The Tree”, de Kelly Clarkson, já têm mais de uma década de estrada e representam exceções em um catálogo pouco aberto a novidades. O consumo se repete com tamanha regularidade que essas músicas acumulam dezenas de semanas no chart, retornando automaticamente todo fim de ano.

Esse comportamento não está ligado apenas ao gosto musical, mas a um ritual coletivo. O Natal ativa memórias afetivas, associações familiares e experiências da infância. A música funciona como um elo emocional, capaz de transportar o ouvinte para contextos específicos de sua história pessoal, o que torna o apego a essas canções ainda mais forte.

O boom criativo do século XX

Um ukulele em cima de uma manta, cercado por luzes de Natal e um presente decorado com folhas de azevinho e fita vermelha, criando um ambiente natalino aconchegante.

A consolidação desse repertório passa, também, por um contexto histórico muito específico. A maior parte dos clássicos natalinos surgiu em meados do século XX, um período marcado por grande investimento da indústria fonográfica em músicas temáticas.

Canções como “White Christmas”, eternizada por Bing Crosby durante a Segunda Guerra Mundial, nasceram carregadas de sentimentos coletivos, como saudade, esperança e desejo de união. O sucesso comercial dessas faixas incentivou gravadoras, compositores e intérpretes a produzir mais músicas dentro desse universo.

Musicalmente, esse repertório adotou uma linguagem própria, inspirada no pop tradicional e no jazz, com arranjos orquestrais, corais e elementos sonoros que passaram a ser imediatamente associados ao “clima de Natal”. A repetição constante no rádio e, mais tarde, na televisão ajudou a padronizar esse conjunto de músicas como trilha oficial das festas.

Por que quase não surgem novos clássicos

A imagem mostra um ornamento de Natal em forma de clave de sol vermelha pendurado em uma árvore decorada, simbolizando o espírito festivo e musical.

Criar um novo clássico natalino é uma tarefa complexa. O mercado é altamente concentrado em faixas já consagradas, que dominam as playlists editoriais, as programações de rádio e o consumo doméstico. Para uma música nova se firmar, não basta um bom desempenho inicial. Ela precisa sobreviver à passagem do tempo e ser adotada por diferentes gerações.

“All I Want For Christmas Is You” é o caso mais bem-sucedido dessa virada recente. A canção de Mariah Carey conseguiu dialogar com a estética clássica do Natal, sem deixar de soar como um hit pop de sua época. Esse equilíbrio raro explica por que, três décadas depois, ela não apenas permanece relevante, como domina os charts festivos globais.

Casos semelhantes são poucos, e o próprio comportamento do público indica que a busca por novidades no Natal é limitada. Em dezembro, a lógica do consumo muda: o familiar vence o novo.

O Natal brasileiro e a força de Simone

No Brasil, esse apego à tradição ganha um símbolo muito específico. Há cerca de 30 anos, não existe Natal sem Simone, e em algum lugar do país, alguém estará ouvindo “Então é Natal / E o que você fez?”. A versão de Cláudio Rabello para a canção de John Lennon e Yoko Ono transformou o álbum “25 de Dezembro” em um dos mais vendidos da história do mercado fonográfico nacional.

O sucesso atravessou formatos, línguas e gerações, mantendo-se vivo agora também nas plataformas de streaming. Assim como os clássicos internacionais, a música deixou de pertencer a um período específico e passou a integrar o ritual coletivo do fim de ano.

Os charts natalinos mostram que, em meio a um mercado movido por lançamentos semanais, poucas coisas são tão estáveis quanto a música de Natal. E, ao que tudo indica, essa tradição ainda deve durar muitos dezembros.

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