Angela Ro Ro morre aos 75 anos e deixa legado como voz fora da curva na música brasileira

Cantora Angela Ro Ro marcou a MPB com sua voz rouca, autenticidade e composições intensas.
Foto de Nathália Pandeló
Nathália Pandeló
Angela Ro Ro
Angela Ro Ro (Crédito: Prêmio da Música Brasileira)

A cantora e compositora Angela Ro Ro morreu nesta segunda-feira (8), aos 75 anos, no Hospital Silvestre, no Rio de Janeiro. O falecimento foi confirmado pelo advogado Carlos Eduardo Campista de Lyrio, que informou que uma infecção hospitalar foi a causa da morte. A artista, internada desde junho com problemas renais e uma grave infecção pulmonar, passou por traqueostomia e enfrentou complicações sucessivas ao longo dos últimos meses.

O nome de Angela Ro Ro ocupou um espaço singular na música brasileira a partir dos anos 1970. Dona de uma voz rouca e inconfundível, construiu uma obra que transitava entre o blues, o samba-canção, o bolero e o rock, sempre com letras confessionais que refletiam sua intensidade artística e pessoal.

Uma trajetória marcada por autenticidade

Nascida Angela Maria Diniz Gonsalves, ela recebeu o apelido “Ro Ro” na infância, em referência à voz grave e ao som característico de seu riso. Desde cedo demonstrou talento musical, iniciando os estudos de piano clássico aos cinco anos. Sua carreira profissional, no entanto, só se consolidaria após um período de experiências fora do Brasil, quando viveu na Itália e em Londres, trabalhando em diferentes ocupações enquanto se apresentava em pubs e construía seu repertório.

De volta ao Rio, Angela começou a se apresentar em casas noturnas até ser contratada pela gravadora Polygram/Polydor, hoje Universal Music. Em 1980, ganhou projeção nacional ao cantar sozinha no palco do Teatro Fênix a canção “Amor, Meu Grande Amor”. A interpretação, marcada pela força de sua presença e pela escolha estética de se apresentar de smoking, mostrou uma artista que desafiava padrões de gênero e dava voz a sentimentos do ponto de vista feminino.

Angela Ro Ro entre influências e diálogos artísticos

Angel Ro Ro

Angela citava influências de nomes como Ella Fitzgerald, Maysa e Elis Regina, mas construiu um estilo que fugia de rótulos. Sua produção logo foi reconhecida por outros intérpretes: Ney Matogrosso gravou “Balada da Arrasada”, Maria Bethânia incluiu “Fogueira” em seu repertório e Frejat regravou “Amor, Meu Grande Amor”, perpetuando o alcance de suas composições entre múltiplos gêneros e gerações.

Essa capacidade de dialogar com diferentes vertentes musicais e de inspirar outros artistas consolidou seu papel como ponte geracional. A autenticidade de Angela estava em suas canções e em sua postura diante da vida, marcada por transparência e pela recusa em seguir convenções.

Uma vida de excessos e de coragem

O percurso artístico foi acompanhado por momentos de turbulência. A própria Angela Ro Ro não escondia seus excessos, chegando a dizer: “Eu fiz a experiência de me autodestruir e não fui competente. Errei. E daí? Errei comigo”. Esse tipo de franqueza tornou-se parte de sua imagem pública e de sua persona artística.

Lésbica assumida desde o início de sua carreira, viveu seus relacionamentos sem recuos e enfrentou preconceitos em um período de forte conservadorismo social. A coragem em se posicionar fez dela também uma referência na luta por maior representatividade LGBTQIA+ no meio artístico em um momento em que artistas abertamente gays eram raros.

O afastamento dos palcos e a despedida

Nos últimos anos, Angela enfrentou dificuldades financeiras e de saúde, que a afastaram dos palcos. Em alguns momentos, chegou a recorrer às redes sociais para pedir ajuda. Sua última apresentação aconteceu em maio de 2025, pouco antes de ser internada.

Mesmo com as adversidades, continuava presente no imaginário cultural. Antes da internação, colaborou com a cineasta Liliane Mutti na produção de um documentário sobre sua vida e obra, que se encontra em fase final. O filme promete registrar sua trajetória artística e a dimensão humana de uma artista que viveu intensamente e rompeu fronteiras.

Angela Ro Ro ocupa um lugar de destaque na música brasileira por ter construído um repertório visceral, carregado de autenticidade e emoção. Em um mercado frequentemente formatado por padrões comerciais, sua voz rouca e suas composições pessoais desafiaram convenções.

Mais do que sucessos, sua contribuição está na abertura de caminhos para expressões musicais mais livres e na coragem de ser fiel a si mesma. A morte de Angela é, também, a despedida de uma das artistas mais originais de sua geração, mas reafirma a permanência de sua obra como referência incontornável na história da música brasileira.

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