A mudança adotada pelo Spotify em março de 2024, que passou a incluir audiolivros como parte de seu plano premium nos Estados Unidos, está no centro de uma controvérsia com potenciais impactos financeiros bilionários. Segundo estimativas da National Music Publishers’ Association (NMPA), principal entidade de representação de editores e compositores musicais no país, a prática já causou uma perda de US$ 230 milhões (R$ 1,265 bilhão) em royalties no primeiro ano de vigência do novo modelo.
A afirmação foi feita durante a reunião anual da NMPA, em Nova York. Na ocasião, a conselheira jurídica da entidade, Danielle Aguirre, alertou que essas perdas podem se ampliar:
“Se não interrompermos essa prática, estamos projetando uma perda de mais de US$ 3,1 bilhões (R$ 17 bilhões) até o fim do próximo período regulatório”, que se encerra em 2032.
NMPA critica reclassificação de plano como “pacote”
A crítica da NMPA recai sobre a estratégia do Spotify de classificar seu serviço como um bundle, ou pacote, que oferece não apenas músicas, mas também audiolivros. De acordo com a entidade, essa reformulação permitiu à empresa redistribuir o valor das assinaturas, reduzindo a fatia destinada ao pagamento de royalties musicais.
Segundo Aguirre, mais de 44 milhões de assinantes nos Estados Unidos foram automaticamente convertidos para o novo pacote, sem que houvesse solicitação expressa. Essa mudança, ainda de acordo com a NMPA, representa um risco à sustentabilidade econômica da atividade de composição e edição musical no país.
A plataforma já enfrentou uma ação movida pela Mechanical Licensing Collective (MLC), que alegava descumprimento das regras de remuneração previstas em acordos anteriores. Embora o processo tenha sido encerrado em janeiro por decisão judicial favorável ao Spotify, a NMPA continua questionando a prática por outros meios, como notificações extrajudiciais e campanhas públicas.
Documentos do Spotify confirmam impacto financeiro semelhante

Apesar do embate jurídico, documentos financeiros do próprio Spotify dão suporte à estimativa da NMPA. Em um comunicado enviado ao mercado no último trimestre, a empresa reconheceu que, caso o MLC vença um eventual recurso judicial, poderá ser obrigada a pagar aproximadamente US$ 236 milhões (R$ 1,298 bilhão) referentes ao período de março de 2024 a março de 2025. A cifra é muito próxima da estimativa apresentada pela associação.
O Spotify, por sua vez, sustenta que a inclusão de audiolivros configura um bundle legítimo, conforme previsto no acordo de 2022 firmado com a NMPA no âmbito do processo Phonorecords IV, que definiu os critérios para a divisão de royalties em serviços digitais.
Receita da Amazon também levanta preocupações
Durante o mesmo evento, a NMPA expressou preocupação com outra mudança no mercado: a adoção de um modelo semelhante pela Amazon Music, que passou a incluir audiolivros como parte de seus serviços a partir de novembro de 2024.
Segundo Aguirre, nos três primeiros meses após essa implementação, houve uma redução de 40% na receita musical vinda da Amazon, afetando especialmente as organizações de gestão coletiva de direitos (PROs).
A própria NMPA, quando o modelo da Amazon foi anunciado, havia declarado otimismo em relação ao impacto da medida. À época, a entidade afirmou ter estabelecido uma interlocução “respeitosa e produtiva” com a empresa para buscar uma solução de remuneração que não prejudicasse os compositores. A nova avaliação, baseada em dados recentes, indica que o resultado pode ter sido diferente do previsto.
Streaming domina, mas é limitado por regulamentações

Apesar das disputas em torno da distribuição de receitas, o setor editorial musical norte-americano apresentou crescimento expressivo em 2024. Segundo a NMPA, a receita total do segmento foi de US$ 7,04 bilhões (R$ 38,72 bilhões), um aumento de 17% em relação ao ano anterior. O streaming respondeu por 45% desse valor, consolidando-se como a principal fonte de receita para editores e compositores.
No entanto, a entidade ressalta que 72% dessa receita ainda está submetida a regulações obrigatórias, como decretos de consentimento ou licenças compulsórias. Isso significa que há pouca margem de negociação direta em muitos dos canais de exploração musical, o que limita a capacidade de reação imediata a mudanças impostas pelas plataformas.
Áreas com potencial de crescimento ainda são pouco exploradas
Outros canais de receita, como as redes sociais (TikTok, Instagram, X) e o licenciamento para uso público em bares, restaurantes e eventos, continuam com participação modesta, segundo os dados apresentados pela NMPA. As plataformas sociais respondem por apenas 2% da receita total, enquanto o licenciamento geral representa 5%.
No caso de espaços públicos, a entidade identificou que 80% dos estabelecimentos de médio porte estariam utilizando serviços de streaming para o consumidor final, em vez de contratar licenças adequadas para uso comercial. A NMPA informou que enviará seis notificações extrajudiciais a empresas B2B que estariam oferecendo serviços sem a devida regularização.
Compositores e editores articulam resposta coletiva
Para a NMPA, os próximos meses serão decisivos para buscar correções no sistema atual. Além de manter ações judiciais e administrativas contra práticas que considera abusivas, a entidade pretende mobilizar compositores, editores e outras organizações do setor para reforçar a pressão por mudanças.
A eventual reabertura dos processos de definição de taxas (Phonorecords V), prevista para os próximos meses, poderá reacender o debate sobre o modelo de remuneração das plataformas de streaming. Até lá, o alerta da NMPA permanece: as perdas já ocorreram e, segundo a entidade, tendem a se aprofundar se nada for feito.
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