Novo estudo da Berklee detalha por que os ingressos estão cada vez mais caros

Popularização do streaming, demanda reprimida e custo de turnês ajudam a entender por que os ingressos estão mais caros do que nunca.
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Nathália Pandeló
turnê, show ao vivo
Crédito: Wendy Wei

Os ingressos para shows estão cada vez mais caros — e não é só impressão. Um novo estudo publicado pelo Music Business Journal, da Berklee College of Music, mergulha nos números e explica por que os valores dispararam nos últimos anos. Em um cenário onde o streaming se consolidou como principal forma de consumo de música, os shows ao vivo passaram a concentrar boa parte da renda dos artistas. Para o público, isso significa pagar mais — e, em muitos casos, pagar caro.

Segundo a Pollstar, o preço médio dos ingressos aumentou 27,38% desde 2019, chegando a subir 35% em apresentações em estádios. Já os dados da Live Nation mostram que, em 2024, 151 milhões de pessoas compareceram aos eventos organizados pela empresa. Isso representa um aumento de 4% em relação ao ano anterior. Ou seja, a demanda continua alta, mesmo com os ingressos cada vez mais inacessíveis.

Embora o estudo tenha foco nos Estados Unidos, a realidade tem repercussões globais. Os dados ajudam a entender o comportamento da indústria em outros países, como o Brasil, onde o aumento dos custos de produção, a concentração de vendas em poucas plataformas e a pressão por megaeventos também afetam diretamente o bolso do público.

Custos invisíveis e produção de alto padrão

Apesar das críticas à Ticketmaster, especialistas apontam que o problema é ainda mais amplo. De acordo com Chelsea De Jesus, coordenadora de agendamentos da Live Nation, os fãs muitas vezes subestimam os custos reais de uma turnê. “Você está pagando por tudo, até pela pessoa que recolhe o lixo no local”, afirmou. A logística de uma produção de estádio envolve transporte de equipamentos, hospedagem da equipe, alimentação e contratação de técnicos — todos esses custos inflacionados no cenário pós-pandemia.

Com a alta geral dos preços, impulsionada por uma inflação acumulada de 23,3% desde 2019, o impacto no setor musical foi direto. Mas o valor médio do ingresso subiu ainda mais: 43,89%, quase o dobro do índice inflacionário. Isso significa que mesmo artistas com shows esgotados enfrentam margens apertadas diante de produções cada vez mais exigentes e dispendiosas.

A nova lógica da demanda

Ingressos da turnê de celebração dos 50 anos da banda Grateful Dead, realizada em junho de 2015, mostrando detalhes e data do evento.

Depois do isolamento da pandemia, os shows se tornaram eventos sociais ainda mais valorizados. Ver um artista ao vivo virou uma experiência disputada — e, para muitos, uma forma de se afirmar socialmente. Isso tem gerado picos de demanda: a pré-venda da “The Eras Tour, de Taylor Swift, esperava 1,5 milhão de pessoas, mas atraiu 14 milhões e causou o colapso do site da Ticketmaster.

Esse cenário alimenta o mercado de revenda e inflaciona os preços. Segundo a Innerbody, os fãs estão dispostos a gastar, em média, US$ 1.028 (cerca de R$ 5.860) por ingressos de pista para ver seu artista favorito. Além disso, 42,8% dos entrevistados disseram que viajariam até 800 quilômetros para isso.

Quanto custa um show na prática?

Ir a um show envolve mais do que pagar pelo ingresso. Alimentação no local, transporte, hospedagem e até produtos oficiais entram na conta. Dados da Upgraded Points mostram que esses custos adicionais representam uma fatia relevante da experiência, principalmente nas grandes cidades.

Nova York, por exemplo, tem o maior preço médio de ingresso: US$ 231,06 (R$ 1.320), além de liderar o número de shows por ano. Mas para o fã comum, o peso é também calculado em horas de trabalho. Em cidades como Nova York e Los Angeles, é preciso trabalhar em média 9,44 horas para pagar um ingresso — mais do que um dia inteiro. A média nas 10 principais cidades dos EUA é de 7,12 horas de trabalho por ingresso.

Não é difícil fazer a comparação com a realidade brasileira. O ingresso mais disputado do ano, até o momento, foi para os shows de Bad Bunny em São Paulo. A entrada mais cara, no Pit, custa R$ 1.075,00. Considerando que o salário mínimo brasileiro em 2025 é de R$ 1.518,00, um trabalhador que recebe esse valor precisa dedicar aproximadamente 60% de sua remuneração mensal para adquirir apenas um ingresso, sem contar despesas adicionais como transporte, hospedagem e alimentação. 

Esse cenário evidencia como a experiência de assistir a um grande show internacional se tornou um luxo para muitos brasileiros.

Streaming e a desvalorização da música gravada

Plataformas de streaming - Spotify, Apple Music
Plataformas de streaming (Crédito: Cottonbro Studio)

É inegável: a popularização do streaming teve um efeito direto na valorização da música ao vivo. Hoje, um usuário tem acesso ilimitado a milhões de faixas. Para o professor Clayton Durant, da NYU, essa conveniência gerou um paradoxo: 

“Os consumidores não podem ter o melhor negócio da história da música gravada no streaming e também esperar ingressos baratos. Simplesmente não dá para ter os dois”.

Com royalties de streaming que geram cerca de US$ 0,004 por reprodução, muitos artistas veem nas turnês a principal fonte de renda. Isso tem levado a uma profissionalização crescente dos shows, com megaestruturas que substituem o ganho que antes vinha da venda de CDs.

Existe saída?

A resposta talvez não esteja em culpar apenas um elo da cadeia, mas em reconhecer a nova lógica do setor. A música, vista como serviço gratuito nas plataformas digitais, passou a depender da experiência ao vivo como principal fonte de receita. E isso cobra seu preço.

A resposta, para muitos fãs, parece estar na própria experiência. Ver um show ao vivo é mais do que ouvir música: é viver um momento coletivo, memorável e, muitas vezes, único. Isso ajuda a explicar por que tanta gente segue disposta a pagar caro para estar lá, mesmo com o peso no bolso. 

Por outro lado, o cenário preocupa: se os custos continuarem crescendo, a música ao vivo pode se tornar uma experiência cada vez mais restrita, dificultando o acesso de públicos diversos e comprometendo a democratização cultural que os shows deveriam promover.

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