Nos últimos anos, os cruzeiros temáticos deixaram de ser uma aposta de nicho para se consolidar como uma vertente promissora do setor musical. De experiências dedicadas ao samba e ao pagode no Brasil a roteiros globais com ícones do pop e do funk, o modelo atrai um público cada vez mais diverso — e disposto a pagar mais por experiências únicas.
Um dos exemplos mais consolidados desse movimento é o 70000TONS OF METAL, o maior cruzeiro de heavy metal do mundo. Com partidas anuais desde 2011, o projeto criado por Andy Piller já levou dezenas de milhares de fãs ao mar com um line-up recheado de bandas de diferentes vertentes do metal.
A próxima edição acontece entre os dias 29 de janeiro e 2 de fevereiro de 2026, partindo de Miami com destino ao porto de Labadee, no Haiti. Serão quatro dias de festival e viagem, com 60 bandas se apresentando duas vezes em quatro palcos diferentes dentro do navio.
“O recorde de público deste ano demonstra a força e alcance da comunidade global do heavy metal”, afirmou Piller, em visita ao Brasil em abril para promover a edição de 2026 e em entrevista exclusiva ao Mundo da Música.
Da ideia inusitada à operação milionária

O conceito surgiu de forma improvável. Andy Piller contou que estava em Vancouver, onde mantinha um apartamento de férias próximo ao terminal marítimo, quando teve a ideia:
“Tinha bebido um pouco e, vendo um navio zarpar, disse que devíamos fazer um festival de metal em um cruzeiro. No dia seguinte, a ideia ainda estava na minha cabeça. Era tão maluca que podia funcionar”.
Piller já acumulava anos de experiência como produtor e gerente de turnês, mas não sabia nada sobre o setor de cruzeiros. Foram necessários mais de três anos para viabilizar o projeto, incluindo negociações com armadoras e investidores.
“Todo mundo achava que era uma ideia estúpida. Ninguém tinha feito antes. Mas eu sabia que havia algo especial ali.”
Atualmente, o 70000TONS OF METAL opera como um negócio de vários milhões de dólares. Os ingressos mais baratos passam de US$ 1000 e os custos de produção incluem a complexa montagem do maior palco ao ar livre já instalado em um navio, além da logística de transportar equipamentos e acomodar 60 bandas com mais de 300 músicos a bordo.
“É um risco enorme. A margem de lucro é pequena, principalmente depois da pandemia, que paralisou tudo por dois anos”, explicou Piller.
Experiência imersiva e comunidade global
Um dos diferenciais do evento é o formato sem áreas VIP. Todos os participantes — fãs e artistas — compartilham os mesmos espaços, refeições e momentos de lazer.
“Queríamos criar um ambiente onde todo mundo se sentisse nos bastidores. Desde o check-in até o show na jacuzzi, todos vivem a mesma experiência”, diz o fundador.
Esse modelo cria uma atmosfera de comunidade intensa. A edição mais recente teve fãs de 81 países.
“Chamamos o cruzeiro de ‘Nações Unidas do heavy metal no mar’. Pessoas de países em conflito se encontram ali pelo amor à música. É uma experiência transformadora. É isso que me dá energia para continuar, mesmo com todos os desafios”, afirma Piller.
Não é por acaso que o número de brasileiros presentes cresce a cada edição. Bandas como Sepultura, Angra e Tuatha de Danann já estiveram no lineup, e novas participações estão sendo consideradas para os próximos anos.
“O Brasil tem uma cena de metal vibrante e os fãs são extremamente engajados. Eles fazem parte essencial da nossa comunidade”, destaca.
Curadoria e futuro do gênero

Diante do envelhecimento de bandas clássicas, a curadoria do festival busca equilibrar nomes consagrados com novos talentos.
“A ideia é ter algo para cada subgênero: thrash, death, black, folk, metal sinfônico… Ao mesmo tempo, usamos o evento como uma vitrine global para artistas emergentes. Já levamos bandas de lugares como Costa Rica ao palco com visibilidade internacional”, explica.
Apesar de ser um evento voltado para um nicho específico, Piller acredita que o metal vive um bom momento.
“O heavy metal hoje em dia é maior do que nunca. E não há nenhum gênero musical contemporâneo que seja tão globalizado quanto este. Talvez música clássica, jazz, blues, essas coisas, sabe, também sejam realmente globalizadas. Mas só com o heavy metal você pode ir do Brasil à Indonésia, da Nova Zelândia à Suécia, e do Canadá à África do Sul, e ver pessoas com camisetas de heavy metal na rua.”
Esse potencial se estende ao modelo de cruzeiros. A tendência dos chamados “theme cruises” cresceu exponencialmente e não se limita mais à música.
“Hoje tem cruzeiro de programa de culinária, time de futebol, reality show… Tem até cruzeiro da Harley-Davidson, com as motos a bordo. Estamos voltando a colocar em prática projetos para novos mercados e outros gêneros. A pandemia atrapalhou muito, mas os planos continuam vivos”, adianta.
O Brasil no centro da rota

Com o aumento da participação brasileira no evento e a crescente profissionalização do setor de turismo musical no país, o 70000TONS OF METAL também se torna exemplo de como eventos internacionais estão atentos ao mercado sul-americano. Em 2025, Piller escolheu o Brasil como primeira parada de sua turnê promocional global, reforçando a importância estratégica da região para o festival.
Esse interesse se conecta ao crescimento de cruzeiros temáticos no Brasil, que já abriga eventos voltados a estilos como samba, pagode, axé e música eletrônica. Embora ainda haja desafios logísticos e de infraestrutura para expandir projetos de grande porte na costa brasileira, o potencial de crescimento é reconhecido.
Curadoria, bandas novas e a renovação do heavy metal
Embora o heavy metal ainda seja amplamente associado a nomes que ganharam notoriedade nas décadas de 1980 e 1990, Andy Piller defende que o gênero vive um momento de consolidação global. Ele reforça que, apesar da idade avançada de muitos headliners históricos, há uma nova geração se formando e conquistando espaço, inclusive com turnês internacionais.
A curadoria do 70000TONS OF METAL leva esse panorama em consideração, equilibrando ícones do metal mundial com bandas emergentes de diversas partes do planeta. Andy Piller conta que já levou ao palco grupos de mercados pouco representados nos grandes festivais.
“Não faria sentido gastar metade do meu orçamento com uma única megaestrela. Nosso objetivo é criar um line-up diverso, com bandas como Sepultura, Anthrax, Testament, Nightwish, Sabaton e Helloween, mas também dar espaço para subgêneros.”
Além da proposta de diversidade estética, há também um olhar estratégico para o futuro do gênero.
“Falo com colegas da indústria sobre quem serão os próximos headliners quando os atuais não estiverem mais por aqui. Ninguém tem uma bola de cristal, mas o 70000TONS OF METAL é também uma plataforma para testar esses nomes e apresentá-los a jornalistas e públicos de diferentes países”, explica.
A ideia é que o navio funcione como uma vitrine internacional para artistas que ainda não circulam pelos grandes palcos.
Oportunidades e desafios para o Brasil no mercado de cruzeiros musicais
Com um público reconhecidamente engajado e uma cena musical ativa em diferentes gêneros, o Brasil é presença constante no 70000TONS OF METAL. A organização afirma que pretende seguir incluindo representantes brasileiros nas próximas viagens. Ainda assim, o envolvimento do setor musical nacional com o mercado de cruzeiros temáticos ainda é limitado.
Enquanto nomes do funk, pagode, samba e eletrônico já começam a experimentar cruzeiros próprios no litoral brasileiro, há poucos produtores e artistas do país atentos ao potencial estratégico dessas experiências.
É um modelo que permite vender ingresso, merchandising e experiências ao mesmo tempo, além de criar um vínculo forte com o público. Piller reconhece que a logística de operar em diferentes portos e mares impõe obstáculos, mas acredita que o interesse crescente do público pode abrir caminhos.
Mesmo diante do entusiasmo de fãs brasileiros que embarcam em Miami todos os anos, ainda são raros os profissionais da música que consideram o modelo como parte de suas estratégias de carreira ou negócios. A aposta de Andy Piller em visitar o Brasil para divulgar a edição de 2026 mostra que o país é visto como um mercado relevante — mas ainda pouco explorado — nesse setor.
A longo prazo, o desenvolvimento de cruzeiros musicais no Brasil dependerá da articulação entre artistas, promotores e operadores turísticos, além de um maior reconhecimento da experiência como ativo comercial e de posicionamento.
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