Cleber Augusto tem voz recriada com IA em novo álbum produzido pela Warner Music Brasil

Projeto “Minhas Andanças” reúne nomes como Zeca Pagodinho, Seu Jorge e Péricles em regravações que celebram o legado de Cleber Augusto.
Foto de Nathália Pandeló
Nathália Pandeló
Cleber Augusto Crédito Thaty Aguiar
Cleber Augusto (Crédito: Thaty Aguiar)

A Warner Music Brasil lança hoje (30) o álbum “Minhas Andanças”, projeto inédito que marca o retorno de Cleber Augusto à música com ajuda da inteligência artificial. Com 74 anos, o compositor, cantor e ex-integrante do grupo Fundo de Quintal vive há mais de duas décadas com afonia total, consequência de um câncer na garganta. Agora, graças a uma tecnologia desenvolvida especialmente para esse projeto, sua voz foi recriada digitalmente para um novo disco de samba com colaborações de grandes nomes da música brasileira.

O uso de IA para recriar a voz de Cleber foi conduzido sob curadoria artística e tecnológica da Warner. O cantor Alexandre Marmita, conhecido por seu trabalho no Samba do Trabalhador, serviu como base para alimentar o software, por ter timbre muito próximo ao de Cleber. 

A produção musical foi feita por Alessandro Cardozo e Tony Vieira, com direção artística da própria gravadora. Ao todo, são 14 faixas no álbum, sendo 13 regravações e uma inédita — “Ímã”, composta por Cleber Augusto há mais de 20 anos.

Tecnologia a serviço da memória musical

A proposta do projeto é mostrar como a IA pode ser uma ferramenta de valorização da cultura. Para Tony Vieira, A&R Manager da Warner Music Brasil, o uso responsável da tecnologia não substitui o talento humano, mas pode contribuir para preservar e divulgar legados importantes da música. 

“A tecnologia, quando usada com respeito e propósito, pode ser uma grande aliada da arte. Esse projeto não substitui a genialidade de Cleber, mas permite que sua voz e sua história continuem vivas. É uma forma de celebrar seu legado e mostrar ao mundo a importância de sua obra”, afirma o executivo.

O cantor Alexandre Marmita, responsável por fornecer as bases vocais que treinaram o modelo de IA, destacou o impacto pessoal da iniciativa. 

“Foi uma honra imensa participar desse projeto e dar minha voz para ajudar a tecnologia a trazer de volta o canto de um mestre como o Cleber. Ele é uma referência para mim e para muitos sambistas. Saber que meu timbre serviu como base para essa recriação é algo que me emociona profundamente”, contou.

Colaborações com artistas de várias gerações

O álbum reúne intérpretes de diferentes gerações do samba e da MPB, reforçando a relevância de Cleber Augusto na história do gênero. Estão presentes nomes como Zeca Pagodinho, Seu Jorge, Péricles, Ferrugem, Diogo Nogueira, Xande de Pilares, Mumuzinho, Tiee, Roberta Sá, Pretinho da Serrinha, Sorriso Maroto, Marvvila, Menos é Mais e Yan.

Cada artista foi convidado para participar de regravações de canções compostas por Cleber ao longo de sua trajetória. A produção buscou não apenas os maiores sucessos, mas também faixas menos conhecidas, compondo um panorama mais amplo da carreira do artista. A inédita “Ímã”, gravada em dueto com Péricles, foi resgatada de uma fita cassete antiga e promete ser um dos momentos mais emocionantes do álbum, uma abertura em grande estilo.

Ferrugem e Cleber Augusto
Ferrugem e Cleber Augusto (Crédito: Lyza Oliv)

Lançamento e versão deluxe

“Minhas Andanças” chega às plataformas digitais com 10 faixas. Já a versão deluxe do disco será lançada em 21 de maio, incluindo quatro músicas adicionais. Cleber Augusto acompanhou todas as etapas do trabalho e aprovou o resultado final. 

“A voz é a alma da música, e a IA me permitiu manter a essência da minha interpretação, mesmo com a tecnologia. O resultado final é surpreendente. A emoção e a mensagem das músicas continuam intactas, e isso é o que realmente importa. Agradeço a Warner e a todos os envolvidos que tornaram este projeto possível”, declarou o sambista.

A iniciativa é inédita no Brasil e reforça o debate sobre os usos éticos e criativos da inteligência artificial na música. Ao mesmo tempo, aponta caminhos possíveis para que artistas que enfrentam limitações físicas ou de saúde possam continuar produzindo e se comunicando com o público.

Sucessos reconhecidos pelo público

Entre os destaques mais populares, “A amizade”, aqui em nova versão com Yan, é uma das composições mais conhecidas de Cleber. A música se tornou um hino da valorização dos laços afetivos no samba, eternizada nas rodas e no repertório de gerações. Outro sucesso de grande circulação é “Timidez”, parceria com Arlindo Cruz, regravada inúmeras vezes desde os anos 1990, agora interpretada ao lado de Diogo Nogueira.

“Fera no cio”, cantada por Sorriso Maroto, é outro clássico da era de ouro do pagode noventista, trazendo forte apelo popular, enquanto “Minhas andanças”, faixa-título interpretada por Seu Jorge, é um samba de atmosfera nostálgica que já circulou em diversas gravações ao longo das décadas.

“Nem lá nem cá”, agora em dueto com Zeca Pagodinho, também é bem conhecida entre os fãs de samba, e sua nova versão reforça o encontro entre gerações proposto pelo projeto.

Pérolas menos conhecidas de Cleber Augusto

Faixas como “Quantas canções” (com Pretinho da Serrinha) e “Romance dos astros” (com Roberta Sá) pertencem a um lado mais introspectivo da obra de Cleber, muitas vezes ofuscado pelos hits dançantes. “Lucidez”, com o grupo Menos é Mais, também é uma dessas composições que circulam mais entre músicos e conhecedores do repertório do autor do que no grande público.

Outros exemplos de faixas mais discretas, mas de altíssimo valor poético e harmônico, são “Livre pra sonhar”, cantada por Marvvila, e “Deixa estar”, com Mumuzinho — ambas revelam um Cleber mais contemplativo e melódico.

“Ímã”, inédita composta há mais de 20 anos e agora gravada com Péricles, é a grande novidade do projeto. A recuperação da faixa a partir de uma fita cassete dá ainda mais valor histórico ao disco, oferecendo uma composição “perdida” que representa a essência do sambista.

A importância de Cleber Augusto para o samba

Cleber Augusto é uma das figuras centrais na consolidação do Fundo de Quintal, grupo carioca que transformou o samba nos anos 1980 ao introduzir arranjos mais complexos, letras líricas e o uso do banjo como instrumento principal. Compositor prolífico e exímio violonista, Cleber foi responsável por renovar a linguagem do samba ao lado de nomes como Arlindo Cruz, Sombrinha, Almir Guineto e Jorge Aragão.

Sua obra, regravada por diversos intérpretes, se destaca por melodias refinadas e letras que falam tanto de amor quanto de cotidiano, sempre com lirismo e sensibilidade.

O legado do Fundo de Quintal

O Fundo de Quintal não apenas revolucionou o gênero musicalmente, como também serviu como incubadora de talentos. Ao longo das décadas, o grupo revelou artistas que se tornaram grandes nomes solo do samba e do pagode. A postura coletiva e colaborativa da formação original favoreceu a criação de um repertório compartilhado, onde compositores como Cleber ganharam espaço para experimentar e firmar um estilo próprio.

Projetos como “Minhas Andanças” reforçam a importância de revisitar esse repertório com novos intérpretes, reafirmando o samba como gênero vivo, em constante renovação. Cleber Augusto, mesmo afastado dos palcos há mais de duas décadas, segue presente como referência incontornável do samba brasileiro.

  • Leia mais: