Com uma longa história no setor musical, Pedro Kurtz foi anunciado como o novo Diretor de Operações nas Américas na Deezer. A mudança reflete um momento estratégico para a plataforma, que busca consolidar ainda mais sua presença em mercados-chave como Brasil, México e Estados Unidos. Kurtz, que ingressou na Deezer em 2020, traz à nova função a experiência adquirida como Diretor de Conteúdo LATAM.
Na posição atual, ele lidera o departamento de conteúdo, mas também atua como elo entre as operações locais e a sede da Deezer em Paris. Isso inclui adaptar estratégias globais às necessidades locais e fortalecer a colaboração entre as equipes.
A glocalização como pilar da estratégia
O conceito de glocalização, que mistura abordagens globais com especificidades locais, está no centro das operações da Deezer. Em uma entrevista exclusiva ao Mundo da Música, Kurtz ressaltou como a adaptação às preferências locais impulsionou o crescimento da música regional nos últimos anos. Ele cita o Brasil como exemplo, destacando que 75% a 80% dos streams na plataforma são de música nacional. Segundo ele, esse fenômeno ocorre porque os serviços de streaming deram ao usuário o poder de escolha, invertendo a tendência de consumo centrada em artistas globais.
“A teoria que se tinha lá no comecinho, em 2012, quando as DSP chegaram, era que cada vez mais por conta das DSPs serem globais, se ouviria essa música considerada global e que a música local cada vez mais perderia a sua influência, o seu poder de consumo. O que aconteceu foi justamente o contrário: quanto mais as DSPs cresceram, mais a música local ganhou importância. No final, as DSPs deram poder para as pessoas de escolha para elas escutarem o que elas quiserem, na hora que elas quiserem, do jeito que elas quiserem. Então, se eu quero ouvir música brasileira, eu vou ouvir música brasileira. Nada vai ser empurrado para mim. É diferente, né?”, explica.
Kurtz também aponta que a glocalização é uma prática enraizada no Brasil há décadas, muito antes do termo ganhar popularidade.
“Nos anos 80, o rock internacional foi adaptado à realidade brasileira, dando origem a movimentos locais como o rock de Brasília ou do Rio Grande do Sul”, afirma.
O papel das plataformas, segundo Kurtz, vai além de disponibilizar catálogos globais. Ele enfatiza que entender as especificidades de cada região é essencial para criar experiências autênticas. A Deezer, por exemplo, prioriza uma curadoria feita por editores locais que conhecem profundamente os gêneros e artistas regionais. Essa abordagem tem sido decisiva para atrair e fidelizar usuários em mercados como o brasileiro, onde o público valoriza a representatividade cultural.
O papel das parcerias comerciais
Um dos alicerces para a expansão da Deezer no Brasil é a colaboração com parceiros comerciais. Kurtz destaca a parceria de longa data com a TIM, que celebrou 10 anos em 2024, como exemplo de sucesso. Essa colaboração ajudou a Deezer a se consolidar no Nordeste, onde apresenta desempenho acima da média.
“A TIM é fundamental para nossa penetração em regiões como Recife e Salvador. Ao pegar um ônibus ou conversar com alguém, você percebe que a Deezer é uma presença constante”, diz.
Ele também menciona a integração com o Mercado Livre, que levou a plataforma a patrocinar eventos como o Circuito Sertanejo, conectando artistas e usuários.
Outro destaque citado por Kurtz são os eventos proprietários da Deezer, como o Deezer Summer Sessions e o Purple Door, que têm como objetivo engajar os usuários de forma mais próxima e personalizada. Esses eventos, muitas vezes realizados fora do eixo Rio-São Paulo, buscam dar visibilidade a artistas regionais e conectar a marca com as comunidades locais.
Fraudes de streams e novas políticas de remuneração
Uma das prioridades da Deezer tem sido investir em soluções para combater fraudes de streams, um problema que prejudica especialmente artistas independentes. Com o novo modelo de remuneração, o Artist Centric Payment System (ACPS), a plataforma busca beneficiar artistas que têm conexão direta com seus fãs.
“Nosso sistema recompensa quem tem uma base engajada. Isso inclui multiplicadores para streams originados de buscas diretas. Além disso, limitamos a monetização de um usuário a mil streams por mês, o que ajuda a diminuir as fraudes”, detalha Kurtz. A estratégia também permite redistribuir recursos para artistas menores.
O combate à fraude, segundo Kurtz, é essencial para garantir a sustentabilidade da indústria musical. Ele explica que o ACPS foi projetado para incentivar um ecossistema mais justo e transparente.
“Quanto mais um artista está conectado com sua base de usuários, mais ele será recompensado. Isso cria uma relação de confiança entre a plataforma, os artistas e os ouvintes”, completa.
Estruturas reduzidas que entregam resultados
Kurtz também comenta sobre a dinâmica da equipe da Deezer no Brasil, composta por cerca de 30 pessoas. Apesar do tamanho relativamente pequeno, ele ressalta a capacidade de colaboração entre os times como um diferencial.
“Quando o marketing traz uma ideia, todos os departamentos contribuem para desenvolvê-la. Essa integração nos permite criar projetos impactantes e alinhados com as necessidades do mercado”, afirma.
Exemplos como o Purple Door, realizado em Salvador, ilustram essa abordagem. O evento, que contou com a participação de artistas locais como Leo Santana, foi um sucesso de público e engajamento. Kurtz destaca que essas iniciativas são planejadas com base em dados e insights coletados pela equipe editorial, que monitora tendências e preferências regionais.
A importância da América Latina no cenário global
Para Kurtz, a América Latina é um mercado estratégico não apenas pelo potencial de crescimento, mas também pela riqueza cultural. Ele acredita que o sucesso da Deezer na região depende de um entendimento profundo das dinâmicas sociais e econômicas locais.
“A história de colonização e a cultura de escassez influenciam o comportamento do consumidor na América Latina. Precisamos levar isso em conta ao criar estratégias de longo prazo”, explica.
Ele também menciona o impacto da diáspora na popularidade de gêneros musicais regionais.
“Hoje, vemos música brasileira dominando os charts em Portugal, graças à conexão cultural e ao efeito das redes sociais. O mesmo acontece com a música mexicana nos Estados Unidos, impulsionada por uma comunidade latina forte e engajada que hoje impulsiona artistas como Peso Pluma, Grupo Frontera, ouvindo corridos, ranchera, banda Os latinos são 20% da população dos EUA, cerca de 66 milhões de pessoas em um país que tem uma moeda muito forte. Então, o que se considera o valor que se paga por play, que é uma métrica inventada, mas que pode ser levada em consideração em algum momento, chega a ser sete vezes maior nos Estados Unidos, oito vezes maior do que a gente tem aqui, porque é um mercado mais monetizado”, analisa.
Visão estratégica para o futuro
Para 2025, a Deezer planeja expandir sua presença em eventos regionais e programas de desenvolvimento de artistas. Iniciativas como o Deezer Fan XP e o programa Deezer Next continuarão a aproximar artistas e público. Kurtz também enfatiza a importância de explorar mercados com grande potencial de crescimento, como o Brasil e o México.
“A América Latina, no geral, é um mercado desafiador, mas também muito interessante e trabalhado com muita possibilidade. Ninguém é mais fã de artista do que os latino americanos. A loucura que é fazer um show no Brasil, na Argentina, principalmente, é surreal. O México… Então a gente vai continuar trabalhando nessa mesma esfera de fãs, porque existe muita paixão por música e muito amor por artistas no Brasil, pela música no geral”.
Além disso, Kurtz menciona a importância de integrar novas tecnologias, como inteligência artificial, para oferecer experiências mais personalizadas aos usuários. Ele destaca que os sistemas de recomendação da Deezer, baseados em machine learning, são ferramentas essenciais para conectar os ouvintes a novos artistas e gêneros.
“A IA já faz parte do nosso dia a dia, desde a curadoria de playlists até a criação de experiências imersivas”, explica.
A trajetória de Pedro Kurtz na Deezer destaca os desafios e oportunidades de alinhar estratégias globais com necessidades locais. Apesar dos avanços, ele aponta que o mercado musical ainda enfrenta barreiras, como a necessidade de maior educação do consumidor sobre o valor da música e desafios na integração de tecnologias em mercados emergentes.
Kurtz também ressaltou a importância de construir parcerias que expandam o alcance da música regional.
“Nosso objetivo não é tirar assinantes de outras plataformas, mas trazer novas pessoas para o mercado, principalmente aquelas que ainda não pagam por música”, conclui Pedro.