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Nova regulamentação da IA passa no Senado; músicos repercutem o assunto

Texto aprovado no Senado inclui proteção aos direitos autorais em treinamentos de inteligência artificial; Câmara analisará o projeto em 2025.
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Nathália Pandeló
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PL da IA passa no Senado Federal (Crédito: Divulgação)

O Senado Federal deu um passo importante ao aprovar, nessa terça-feira (10), o Projeto de Lei 2.338/2023, que regula o uso de inteligência artificial (IA) no Brasil. O texto é visto como um avanço, especialmente para o setor criativo, pois protege os direitos autorais e define critérios para o uso de obras artísticas por sistemas de IA. A proposta, no entanto, ainda precisa ser analisada pela Câmara dos Deputados, onde será alvo de novos debates e possíveis alterações.

O projeto de lei surgiu em resposta à crescente utilização de tecnologias de IA, que frequentemente utilizam materiais protegidos por direitos autorais sem a devida autorização ou remuneração. Entre as medidas aprovadas no Senado, estão a obrigatoriedade de informar quais conteúdos foram usados no treinamento das máquinas e a possibilidade de criadores negociarem diretamente o uso de suas obras.

Direitos autorais no centro do debate

Uma das principais inovações do texto é a criação de um órgão regulador para mediar as negociações entre empresas de tecnologia e criadores. O objetivo é assegurar que músicas, textos e outros conteúdos protegidos sejam utilizados de forma responsável e remunerada. Caso a lei seja sancionada, artistas poderão proibir o uso de suas obras em sistemas de IA ou negociar contratos por meio de entidades como a União Brasileira de Compositores (UBC).

Outro ponto importante é o cálculo da remuneração para os criadores. Ele será baseado no tamanho da empresa de IA, na frequência de uso das obras protegidas e no impacto concorrencial que os conteúdos gerados possam ter em relação aos trabalhos de artistas humanos. Isso significa que uma música utilizada para treinar um sistema de IA que cria trilhas sonoras automaticamente deverá gerar compensação financeira proporcional ao seu uso.

Representantes do setor musical como Paula Lavigne, Marina Sena e Michael Sullivan participaram ativamente das discussões. Em coletiva de imprensa após a votação no Senado, Marina Sena destacou a necessidade de responsabilizar empresas que lucram com a IA: 

“Ninguém está aqui lutando contra a inteligência artificial, porque a inteligência artificial a gente entende como uma tecnologia que veio também para trazer progresso. Mas a gente entende que, se há empresas ganhando bilhões com isso, essas empresas precisam arcar com as consequências e precisam arcar com essa mineração de dados que fazem com a nossa obra, com a nossa vida. E não só a nossa vida, mas a vida de toda a população brasileira”.

O impacto no setor musical

Para o mercado musical, a aprovação do texto no Senado representa uma tentativa de equilibrar os avanços tecnológicos com os direitos de quem produz conteúdo criativo. Atualmente, sistemas de IA utilizam milhares de músicas, livros e imagens para aprender padrões e gerar novos conteúdos. No entanto, muitas dessas obras são usadas sem o consentimento dos autores, gerando preocupações sobre a desvalorização da criatividade humana.

Além disso, o texto propõe sanções rigorosas para empresas que não cumprirem as regras, incluindo multas que podem chegar a R$ 50 milhões ou 2% do faturamento bruto. Essas medidas visam coibir práticas abusivas e criar um ambiente mais justo para os criadores.

Expectativas para a tramitação na Câmara

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PL da IA passa no Senado Federal (Crédito: Divulgação)

Apesar dos avanços, o projeto enfrenta desafios significativos na Câmara dos Deputados. Diferentes setores, incluindo as grandes empresas de tecnologia, podem tentar modificar pontos que consideram onerosos, como a obrigatoriedade de informar e negociar o uso de conteúdos protegidos. Por outro lado, associações e representantes da classe criadora prometem intensificar a mobilização para garantir que as conquistas obtidas no Senado sejam mantidas.

Marcelo Castello Branco, diretor-executivo da UBC, classificou a aprovação no Senado como um passo inicial importante, mas destacou que ainda há um longo caminho a percorrer. 

“Esta vitória no Senado, ainda parcial, é o primeiro passo para termos uma regulação responsável, contemporânea, que prime pela transparência, remuneração de direitos e respeito à individualidade, quando os criadores não autorizarem previamente o uso de suas obras protegidas no terreno baldio da IA. Agora, resta agradecer a todos que participaram desta cruzada: artistas, autores, especialistas em direito, produtores e políticos que produziram um texto que, sob muitos aspectos, pode colocar o Brasil na vanguarda do tema, e não em modo de espera permanente”.

O que muda para criadores e empresas de IA

Além da opção de artistas poderem optar por licenciar suas obras por meio de contratos individuais ou de entidades de gestão coletiva, o texto também prevê que sistemas de IA que utilizam voz e imagem de pessoas respeitem os direitos de personalidade, conforme definido no Código Civil. Isso inclui a necessidade de consentimento prévio para qualquer uso de conteúdo que possa impactar a reputação ou a intimidade do criador.

Outro ponto relevante é a criação de um ambiente experimental para negociar remunerações. Esse espaço permitirá que empresas e criadores cheguem a acordos sobre o uso de obras artísticas, com base em critérios claros e transparentes.

Uma visão para o futuro do mercado criativo

Com a regulamentação, o Brasil pode se posicionar como um dos líderes globais no debate sobre o uso ético da inteligência artificial. O texto aprovado no Senado é considerado mais abrangente do que leis similares aprovadas em outros países, incluindo a Europa. Contudo, sua implementação dependerá de uma articulação eficiente entre os diversos setores envolvidos.

Para os criadores, a proposta representa uma chance de assegurar que a inovação tecnológica não comprometa a valorização do trabalho artístico. No entanto, o processo ainda está longe de ser concluído, e as discussões na Câmara prometem ser decisivas para o futuro do mercado musical e da criatividade no Brasil.

Enquanto isso, artistas, advogados e representantes do setor criativo seguem mobilizados para garantir que as mudanças reflitam os interesses de quem cria e também de quem inova. A expectativa é de que o projeto comece a ser analisado na Câmara em 2025, com uma possível aprovação ainda no mesmo ano. Caso sancionado, as principais regras entrarão em vigor em até dois anos, com algumas exceções previstas para sistemas de IA generativa, que terão prazos mais curtos.

Esse é um momento decisivo para a relação entre tecnologia e criatividade no país, com implicações que poderão reverberar em mercados além da música, abrangendo outros campos culturais e criativos.