A artista virtual Xania Monet, criada pela compositora Telisha Jones com apoio da plataforma Suno, assinou contrato de US$ 3 milhões com a Hallwood Media. O acordo marca um ponto de virada para a relação entre música e inteligência artificial, levantando questões sobre como esses projetos chegam a esse patamar e o que eles representam para o mercado.
O que chama atenção não é apenas o valor do contrato, mas como ele se tornou possível. Diferentemente de outros projetos que exploram vozes sintéticas de forma experimental, Jones estruturou Monet como uma persona artística completa. Isso tornou o investimento interessante do ponto de vista comercial. Tanto que o contrato foi fechado com a Hallwood após uma “bidding war” (guerra de ofertas) entre múltiplos interessados, cuja identidade não foi revelada.
Um dos fatores para isso é que a personagem ganhou identidade visual, presença em redes sociais e um repertório de músicas que seguem a estética do R&B contemporâneo. Essa estratégia, que replica passos tradicionais do desenvolvimento de carreiras humanas, foi fundamental para atrair o interesse de gravadoras.
Como um avatar virou aposta de gravadora
No mercado tradicional, os contratos envolvem a aposta em artistas com potencial de crescimento, incluindo turnês, exposição midiática e riscos ligados à imagem pessoal. No caso de Monet, esses fatores se reconfiguram.
O avatar não viaja, não se apresenta fisicamente e não enfrenta escândalos, mas pode gerar receitas em streaming, merchandising digital e shows virtuais. O contrato assinado reflete essa lógica: menos dependente da performance ao vivo, mas mais exposto a riscos jurídicos e tecnológicos.
A trajetória até a assinatura do acordo também passa pela capacidade de Jones em usar ferramentas digitais para dar vida a letras próprias. Ao recorrer à Suno, ela converteu suas composições em músicas completas, com arranjos e vocais criados por IA.
O resultado chamou atenção pelo engajamento imediato: o álbum “Unfolded” e o single “How Was I Supposed to Know?” ultrapassaram milhões de reproduções em pouco tempo, com receita já estimada em mais de US$ 50 mil. A artista virtual já gera cópias, igualmente criadas por IA, que buscam monetizar em cima de sua popularidade online.
Não por acaso, a Hallwood Media se interessou no potencial de mercado que a artista virtual oferecia. A gravadora independente foi fundada em 2019 por Neil Jacobson, ex-presidente da Geffen Records e executivo de longa trajetória na Interscope. Embora tenha menos visibilidade do que as grandes majors, a empresa se especializou em gestão de catálogos e no desenvolvimento de carreiras fora do modelo tradicional, atuando com produtores como Murda Beatz e Sounwave. Essa flexibilidade estratégica ajuda a explicar por que foi a primeira a investir em uma artista virtual como Xania Monet, apostando em formatos que gravadoras mais conservadoras ainda hesitam em explorar.
Diferenças contratuais e riscos inéditos

Nos contratos tradicionais, as gravadoras precisam administrar fatores ligados à carreira física do artista, como turnês, imagem pública e compromissos promocionais. No caso de Xania Monet, os desafios são outros: a incerteza sobre quem detém a autoria das músicas criadas com apoio de IA e a dependência de plataformas como a Suno, que hoje enfrenta processos por uso de material protegido em seus treinamentos.
Esses pontos transformam o contrato em uma aposta de alto risco. Se decisões judiciais limitarem ou inviabilizarem o funcionamento da Suno, todo o projeto pode ser impactado. O mesmo pode acontecer caso as plataformas de streaming mudem suas políticas de acordo com a porcentagem de IA utilizada na concepção de um lançamento.
Além disso, há o debate sobre remuneração: parte da indústria defende que músicas criadas com inteligência artificial recebam royalties menores, em um modelo semelhante ao de playlists de ruído branco, enquanto outros acreditam que devam ser excluídas do sistema de arrecadação convencional.
O que muda para o mercado
O caso de Monet ajuda a medir a receptividade do público a artistas virtuais. Diferente de iniciativas como o projeto The Velvet Sundown, que tentou gerar dúvidas sobre sua origem e acabou recebendo críticas de falta de transparência, Jones deixou claro desde o início que Monet é uma criação de IA. A resposta até agora mostra que o público aceita essa condição quando ela faz parte da proposta artística, sem tentativa de enganar ouvintes.
Essa distinção é importante para entender os próximos passos da indústria. Se os consumidores se engajam com artistas abertamente virtuais, as gravadoras podem encontrar nesse modelo um caminho legítimo de expansão. Ao mesmo tempo, artistas humanos passam a dividir espaço e receitas com criações digitais, levantando novas tensões em um mercado que já enfrenta debates sobre remuneração justa no streaming.
Um sinal do futuro
A assinatura do contrato de Xania Monet não deve ser vista meramente como uma curiosidade, e sim como a formalização de uma tendência que pode ganhar escala. As gravadoras estão testando formatos de investimento que não dependem exclusivamente de carreiras físicas, enquanto os compositores independentes encontram meios de competir com estruturas maiores usando ferramentas de IA.
O futuro ainda é incerto, especialmente diante de processos judiciais e da falta de regulamentação sobre autoria e direitos autorais. Mas a trajetória de Monet indica que o consumo musical pode se tornar cada vez mais híbrido, misturando criações humanas e digitais em um mesmo mercado.
A grande questão, para artistas, gravadoras e plataformas, será definir até onde vai a legitimidade dessas criações e como equilibrar inovação com a proteção de quem cria música de carne e osso.
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