A presença da inteligência artificial na indústria da música deixou de ser apenas uma curiosidade tecnológica para se tornar parte das paradas oficiais. A entrada de Xania Monet na lista Adult R&B Airplay da Billboard, na 30ª posição, marca a primeira vez que uma artista criada por IA conquista espaço em uma parada de rádio dos Estados Unidos. O feito histórico ocorre com a faixa “How Was I Supposed to Know?”, que cresceu 28% em execuções entre 17 e 23 de outubro, segundo dados da Luminate.
A música foi reproduzida em quinze estações de rádio de R&B adulto, entre as 57 que compõem o painel da Billboard, e faz parte de uma estratégia que combina algoritmos, redes sociais e métodos tradicionais de promoção. Segundo o empresário Romel Murphy, responsável por gerenciar o projeto, o objetivo é simples:
“A música dela está ressoando com o público. Essa foi a fórmula. Queremos que mais pessoas ouçam, e o rádio é parte importante disso.”
A criação de uma artista virtual
Xania Monet é fruto da colaboração entre a poeta e compositora norte-americana Telisha “Nikki” Jones, do Mississippi, e a plataforma de inteligência artificial Suno, usada para gerar a voz e o timbre da artista. Jones escreve as letras e define o estilo musical, enquanto o sistema de IA cria a interpretação vocal. O resultado é uma figura digital com presença ativa nas redes e um repertório que mistura R&B, gospel e soul contemporâneo.
A voz sintetizada de Monet chamou atenção após viralizar no TikTok e em outras plataformas. A repercussão fez a faixa alcançar o primeiro lugar na R&B Digital Song Sales e a 20ª posição na Hot R&B Songs, antes de chegar às rádios.
O interesse crescente levou a uma disputa entre gravadoras, encerrada com um contrato estimado em três milhões de dólares com a Hallwood Media, empresa do ex-executivo da Interscope, Neil Jacobson.
Entre o sucesso digital e o debate ético
O avanço de artistas gerados por IA nas paradas da Billboard tornou-se um fenômeno recente. Nas últimas semanas, a publicação registrou estreias de projetos como Juno Skye, no segmento gospel, e Breaking Rust, no country, ambos criados com ferramentas de IA generativa. A revista confirmou a origem artificial das músicas com o auxílio da Deezer, que desenvolveu uma tecnologia de detecção de IA em áudio.
No caso de Monet, o impacto é mais amplo por envolver o rádio, um espaço tradicionalmente reservado a artistas humanos. Para Murphy, a recepção positiva indica que o público está disposto a ouvir antes de julgar.
“Seja um diretor de programação, um fã ou um colega de profissão, apenas escute as canções e as letras. Depois forme sua opinião.”
Ainda assim, a chegada de Xania Monet às paradas não passou despercebida entre artistas reais. A cantora Kehlani, em um vídeo no TikTok (posteriormente apagado), criticou a ascensão da personagem virtual:
“Existe uma artista de R&B feita por IA que acabou de assinar um contrato multimilionário… e essa pessoa não está fazendo absolutamente nenhum trabalho. Isso está totalmente fora do nosso controle.”
IA, música e mercado

Desde o início de 2025, pelo menos seis artistas de IA ou híbridos com participação humana estrearam em diferentes rankings da Billboard. Essa presença crescente levanta discussões sobre direitos autorais, transparência e impacto econômico.
A própria Suno, plataforma usada para gerar a voz de Monet, foi processada em 2024 por grandes gravadoras e pela Recording Industry Association of America (RIAA), sob acusação de utilizar material protegido por direitos autorais no treinamento de seus modelos.
Em meio à controvérsia, Monet segue ampliando sua discografia. O álbum “Unfolded”, lançado em agosto, trouxe 24 faixas, seguido do EP “Pieces Left Behind”, em setembro. As canções exploram temas de amor, espiritualidade e autoconhecimento, reproduzindo as narrativas típicas do R&B contemporâneo.
Murphy afirma que o projeto não pretende substituir artistas humanos.
“A IA não substitui o artista. Esse não é nosso objetivo de forma alguma. Ela não diminui a criatividade nem tira o valor da experiência humana. É uma nova fronteira, e como em qualquer mudança, algumas pessoas são receptivas e outras ficam apreensivas.”
O caso de Xania Monet simboliza uma nova fase na relação entre tecnologia e criação artística. Ao alcançar o rádio, ela leva a discussão sobre IA para além das plataformas digitais, pressionando o setor a repensar conceitos de autoria, voz e identidade. Ainda não há consenso sobre como regulamentar esses projetos, mas é cada vez mais difícil distinguir quem ocupa as paradas.
Para alguns, trata-se de uma revolução inevitável; para outros, de uma ameaça à integridade criativa. Entre números e polêmicas, o sucesso de Monet indica que a era da inteligência artificial na música já deixou de ser uma hipótese distante.
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