Turnê em queda: relatório aponta redução no número de artistas em circulação mundial

Queda no número de artistas em turnê afeta desde nomes emergentes até superstars e levanta dúvidas sobre a sustentabilidade do modelo ao redor do mundo.
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Nathália Pandeló
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Crédito: Wendy Wei

Após a retomada acelerada dos shows ao vivo no pós-pandemia, a indústria da música ao vivo dá sinais de desaceleração. Segundo dados revelados pela empresa de análise musical Chartmetric, a proporção de artistas em turnê caiu consideravelmente nos últimos dois anos — inclusive entre os grandes nomes do mercado.

A pesquisa levou em conta mil artistas de cada nível de carreira (emergentes, intermediários e superstars) e definiu como “artistas em turnê” aqueles que fizeram ao menos dez apresentações ao longo do ano. No grupo intermediário, a fatia caiu de 19% em 2022 para 12% em 2024. Já entre os superstars, o índice recuou de 44% para 36%.

Pressões econômicas e logísticas

Os motivos para o recuo são diversos. O levantamento do Chartmetric destaca o aumento nos custos com transporte e hospedagem, a queda na venda de ingressos para alguns shows e o salto nas taxas de visto para músicos estrangeiros nos Estados Unidos, que subiram de US$ 460 para US$ 1.615 por integrante.

Outro entrave é a redução do número de casas de pequeno porte, sobretudo no Reino Unido e em partes da Europa. Em vez de longas turnês com dezenas de datas, muitos artistas têm optado por agendas mais enxutas e concentradas em grandes centros.

Mesmo nomes consagrados vêm enfrentando dificuldades. Em 2024, turnês de Jennifer Lopez e The Black Keys foram canceladas devido à baixa demanda. Até festivais tradicionais, como o Coachella, levaram semanas para esgotar ingressos — algo que, até pouco tempo atrás, acontecia em poucas horas.

Discrepâncias no mercado

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Apesar da retração em alguns segmentos, a gigante dos shows ao vivo Live Nation reportou crescimento de dois dígitos na venda de ingressos, totalizando 95 milhões até abril de 2025. As vendas de entradas para shows em estádios subiram 80% na comparação anual.

Ainda assim, a empresa adotou cautela nos reajustes de preços. De acordo com o CFO Joe Berchtold, o foco tem sido a “otimização dos preços”, com valores mais baixos em setores periféricos e mais altos para assentos privilegiados. O preço médio de entrada em estádios caiu 8%, para US$ 60.

Esse cenário desigual aponta que as grandes turnês ainda prosperam, mas artistas em ascensão e intermediários enfrentam obstáculos cada vez mais difíceis de superar.

Impactos da saúde na decisão de sair em turnê

Além dos desafios financeiros e logísticos, questões pessoais e de saúde também têm influenciado as escolhas dos artistas em relação às turnês. Um exemplo recente veio de Miley Cyrus, que explicou em entrevista a Zane Lowe, do Apple Music, os motivos pelos quais tem evitado turnês. 

“Ao longo dos anos, aprendi que a sobriedade é meu Deus. Eu preciso dela. Vivo por isso. Mudou completamente minha vida”, afirmou a cantora, destacando que manter esse equilíbrio exige protocolos rigorosos que são incompatíveis com a rotina de estrada.

Miley também revelou que sofre de uma condição vocal chamada edema de Reinke, associada ao uso excessivo das cordas vocais. Embora hábitos como beber e fumar tenham agravado o quadro no passado, ela explicou que a causa é anatômica. 

“Tenho um pólipo muito grande na corda vocal, que me dá muito do tom e da textura que fazem quem eu sou, mas é extremamente difícil cantar com isso. É como correr uma maratona com pesos nos tornozelos.” 

Segundo a artista, uma cirurgia para remoção do pólipo poderia comprometer permanentemente sua voz, o que a impede de considerar a operação. 

“Eu não faço dublagem. Canto ao vivo, e essas músicas são grandes. Eu não tenho músicas pequenas”, disse.

Esse tipo de relato ajuda a entender que a decisão de um artista se afastar dos palcos vai muito além do faturamento: envolve saúde física, mental e identidade artística.

Dados reforçam a concentração de público e renda nas grandes estrelas

Porcentagem de artistas em turnê está menor, segundo Chartmetric
Porcentagem de artistas em turnê está menor, segundo Chartmetric (Crédito: Chartmetric/Reprodução)

Enquanto artistas como Miley optam por se afastar das turnês, os dados mostram um distanciamento crescente entre grandes turnês e o restante da cadeia musical. Em contraste com os desafios enfrentados por músicos de médio porte, superestrelas como Taylor Swift conseguiram gerar cifras bilionárias: entre 2023 e 2024, a “The Eras Tour” arrecadou mais de US$ 2 bilhões em 149 shows, com ingressos que chegaram a ultrapassar US$ 14 mil no mercado secundário.

Por outro lado, mais de 50% do público do Coachella 2025 precisou recorrer a planos de parcelamento para adquirir ingressos. Isso evidencia uma pressão crescente sobre os fãs, ao mesmo tempo em que o setor se torna menos acessível para quem está fora do topo do mercado. A queda na porcentagem de artistas em turnê entre 2022 e 2024, revelada pela Chartmetric, mostra que o gargalo não está apenas na decisão individual, mas em um sistema que favorece poucos e desestimula muitos.

Na prática, o mercado se polariza: de um lado, megaestruturas com alto investimento e retorno; de outro, artistas que enfrentam dificuldades para viabilizar turnês sustentáveis.

O futuro das turnês depende de políticas e novos formatos

Diante desse cenário, iniciativas institucionais e novos modelos de negócio podem ser decisivos para manter vivo o circuito de shows. Um exemplo é o UK Live Trust, no Reino Unido, que destina £1 de cada ingresso vendido em arenas e estádios para apoiar casas de show menores. A ação já arrecadou mais de £500 mil, com adesão de nomes como Diana Ross e Pulp. Medidas como essa ajudam a proteger a infraestrutura essencial para que novos artistas possam circular.

Outra tendência é a busca por experiências personalizadas e digitais. Com o aumento do preço dos ingressos, há incentivo para agregar valor à vivência do público, seja por meio de shows únicos, ativações exclusivas ou transmissões em realidade virtual. Especialistas também apontam para o crescimento das turnês em países asiáticos, com nomes como Lady Gaga, Coldplay e Oasis programando passagens pela região.

Seja pela via institucional ou pela reinvenção do formato, o futuro das turnês passa por equilibrar a sustentabilidade para os artistas e o acesso para o público. A motivação para pegar a estrada permanece viva — mesmo em um cenário que exige cada vez mais estratégia e adaptação.

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