Suno.ai, autoria e uso comercial: o que letristas precisam saber antes de “lançarem” músicas geradas por IA

Coluna escrita por Bruna Campos para o Mundo da Música.
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Bruna Campos
Cadastro na UBC já dá a opção de revelar uso de IA em composições (Crédito: Reprodução)
Cadastro na UBC já dá a opção de revelar uso de IA em composições (Crédito: Reprodução)

Ferramentas como a Suno.ai cumpriram uma promessa tentadora: você descreve a ideia e recebe melodia, voz e arranjo em segundos. O resultado é bom? Opiniões sobre o assunto variam, mas ninguém discorda de que a velocidade como isso é feito é impressionante.

Como consequência do sucesso da plataforma, esses áudios inundaram os smartphones, directs e e-mails de produtores musicais, que passaram a receber uma enxurrada de áudios feitos por IA. É tanto áudio que sim, os produtores musicais já adquiriram a habilidade auditiva de identificar uma guia gerada artificialmente.

Muita euforia por parte de quem nunca teve a oportunidade de musicar uma letra e aquela sensação de que “nunca mais vou precisar pagar pra fazer guia” ou “não preciso mais de um parceiro”. Tristes mentalidades, principalmente de pessoas que buscam reconhecimento um mercado altamente colaborativo.

POSSO REGISTRAR, LICENCIAR E COMERCIALIZAR ISSO?

Diante do sonho realizado de “ouvir sua letra”, o letrista volta pra realidade e se depara com a seguinte questão: posso registrar, licenciar e comercializar isso?

A resposta padrão, baseada nos termos de uso da Suno, é: “depende do plano”. No plano gratuito, a Suno informa que as faixas são para uso não comercial e que mantém para si a propriedade do que foi gerado nesse plano free, permitindo ao usuário apenas aquele uso pessoal, de ouvir infinitas vezes e, no máximo, encaminhar pra membros da família. Sem monetização, ou seja, o que for gerado através de um plano free não pode ser disponibilizado nas plataformas de áudio, nem postado na sua conta do YouTube.

Nos planos pagos, a Suno “permite” (guarde esse verbo) o uso comercial. Aqui temos uma mudança recente nos seus termos de uso. Antes, você precisava se manter assinante pra ser proprietário da faixa. Agora, os termos dizem que se você estava assinante no momento da criação, é considerado proprietário da música, inclusive após o término da assinatura.

Atenção: segundo os termos de uso, assinar posteriormente não autoriza o uso comercial das faixas criadas no plano free, portanto, se o seu intuito é comercializar essas músicas, você deve assinar o plano pago desde o começo.

Uma observação antes de prosseguirmos: eu não sei se você sabe, mas termos de uso mudam a todo momento e, quando você assina SEM LER esses termos, tem uma cláusula com a qual você concorda dizendo que é sua responsabilidade ler as versões atualizadas, que podem conter mudanças significativas.

A AUTORIA É MINHA?

Agora, a pergunta de milhões: “a autoria é minha? Porque a letra é minha e a melodia veio da IA”. A Suno diz que a sua letra humana é sua, mas a parte gerada por IA fica submetida às licenças e limites descritos pela plataforma, especialmente sobre uso comercial e monetização.

Mas tem um detalhe que não pode deixar de ser mencionado: quando você coloca a sua letra humana no prompt, ela automaticamente vira conteúdo de aprendizado de máquina, podendo ser entregue no resultado gerado para outro usuário. É preciso considerar esse detalhe antes de começar a usar a ferramenta.

Ao cadastrar a faixa nos portais de gestão coletiva, registrar ou assinar contratos artísticos com essa música, seja transparente: documente o uso de IA. guarde links, IDs de geração, descreva claramente o status de direitos daquela melodia. Não tome para si completamente a autoria porque isso implica em responsabilidades (vou explicar mais à frente).

AS ASSOCIAÇÕES DE GESTÃO COLETIVA SE ANTECIPARAM

Cadastro na UBC já dá a opção de revelar uso de IA em composições de música (Crédito: Reprodução)
Cadastro na UBC já dá a opção de revelar uso de IA em composições de música (Crédito: Reprodução)

As associações de gestão coletiva já possuem campos para que você assinale na hora do cadastro se essa música teve ou não uso de inteligência artificial. Muitos estão criticando as associações por conta desse campo, dizendo que isso representa um aval à substituição dos criadores humanos.

Não se trata disso. O que as associações estão prevendo é a regulação do uso das IAs em um futuro bem próximo e, quando as regras forem criadas, será preciso atualizar os cadastros com informações verificadas.

Prevendo um chamamento em massa para que titulares corrijam seus cadastros, o que ocuparia tempo e toda estrutura operacional das entidades para correções, as associações se anteciparam colocando um campo para inserção dessas informações. Essa informação não está sendo usada pra nada agora, é apenas uma informação em stand-by.

Houve uma parcela de titulares que solicitaram esses campos, porque, ao contrário de muitos, querem ser honestos informando qual das partes da música não foi feita por eles.

O RISCO DO PLÁGIO

Outro ponto que costuma passar batido nos termos de uso da Suno é que não há garantia de que o resultado que a IA trouxer seja inédito. Muitos processos contra a Suno tramitam mundialmente alegando que a plataforma copiou catálogos inteiros pra treinar seu sistema, todos sem autorização. O seu prompt pode resultar em similaridades com obras e fonogramas de terceiros e como a Suno passou a propriedade desse áudio pra você, o responsável pelo plágio é você.

Lembra que lá no começo do texto eu pedi pra você guardar o verbo PERMITE? Pois bem… não vejo que uma empresa que usa conteúdo que não é dela tenha o poder de permitir que você use esse conteúdo, porque ela mesma não está usando a base desse conteúdo com permissão. Vou deixar esse parágrafo solto aqui pra você refletir…

BOAS PRÁTICAS PARA LETRISTAS E PRODUTORES

– Defina por que você está usando a ferramenta antes de começar a usá-la. Se há qualquer possibilidade de uso comercial, use desde o começo um plano pago.

– Guarde as provas da “criação”: data, plano ativo, prompts, versões, exportações. Isso ajuda a comprovar a cadeia de titularidade (lembre que os termos de uso sempre mudam; que pode haver similaridade de músicas…).

– Seja claro na divisão criativa: letra humana é humana; parte gerada por IA não tem autor humano. Nos cadastros, nomeie funções reais (“letra humana”, “produção assistida por IA”, “arranjos feitos por IA”). Isso pode te ajudar no caso de alegação de infração aos termos de uso e plágio. Quem assume 100% da música, é 100% responsável por ela e você pode não querer isso em algumas situações.

– Não prometa exclusividade de algo gerado por IA. Não há garantia alguma de que outra pessoa não gere algo parecido amanhã. Inclusive, algo parecido com a sua própria colaboração humana na plataforma, isso porque tudo que você insere no prompt é convertido em aprendizado de máquina e pode ser usado na criação de outra pessoa.

– Use o Shazam ou aplicativos semelhantes para “ouvir” sua criação e buscar similaridades.

– Atualize-se periodicamente: termos, FAQs e políticas mudam; configure lembretes para reler documentação oficial da Suno a cada trimestre. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Continuo defendendo obras e fonogramas criados por humanos. Não vejo com bons olhos e esperança os rumos que o mercado vem tomando em relação à crescente inundação de músicas de IA nas plataformas digitais.

Acredito que quando mais as inteligências artificiais avançarem, mais valioso será o artista que sabe cantar de verdade, compor de verdade, tocar um instrumento e operar um programa de produção.

Brinque de prompt producer, mas não se autointitule de nada que você realmente não seja, tenha ao menos essa consciência.

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