Boa parte dos profissionais da música ainda atua sem qualquer formalização. Músicos, produtores, donos de estúdio, gestores de selo e empresários trabalham frequentemente sem CNPJ, sem emissão de nota fiscal e sem pagamento dos tributos mínimos. Essa realidade gera barreiras concretas na rotina: dificulta a participação em leis de incentivo, impede a assinatura de contratos com marcas e plataformas e deixa os profissionais vulneráveis em casos de cancelamento de shows ou inadimplência.
Regularizar a atividade profissional implica entender quais tributos são obrigatórios, cumprir prazos de emissão de nota fiscal e obrigações como o DAS do MEI ou o recolhimento via Simples Nacional. Os riscos da informalidade são reais, por isso se torna essencial conhecer os principais impostos e obrigações comuns a quem atua no mercado musical e como exemplos reais mostram o impacto da formalização no dia a dia.
Panorama da informalidade e sua influência no setor musical
Dados do IBGE indicam que em 2022 cerca de 43,2% dos trabalhadores da cultura atuavam informalmente, acima da média nacional de 40,9%. O setor cultural contava com 5,4 milhões de ocupados naquele ano, ou 5,6% de todos os trabalhadores brasileiros. Mesmo com 30,6% dos trabalhadores com ensino superior completo (ante 22,6% da média do país), o trabalho informal é predominante, comprometendo os direitos e a renda.
Na prática cotidiana, um músico que toca em bares e eventos informais muitas vezes recebe cachê em espécie e sem nota fiscal. Essa situação impede a emissão de comprovantes para prestação de contas em editais ou para declarações de Imposto de Renda. Um produtor que grava artistas em estúdio sem CNPJ não consegue emitir nota e fica de fora de projetos patrocinados, mesmo tendo boa reputação e qualidade técnica.
O que pode dar errado sem regularização e controle fiscal

Trabalhar sem formalização expõe a diversos riscos. Quando não há nota fiscal, o músico ou produtor não tem respaldo em caso de não pagamento ou cancelamento de contrato em cima da hora. Sem recolhimento de INSS, não há aposentadoria, licença-maternidade ou auxílio-doença. A ausência de declaração adequada de renda pode resultar em autuações e multas da Receita Federal, pela falta de prestação de contas.
Estúdios e selos que não possuem certidões negativas de débito ficam automaticamente desclassificados em editais públicos e leis de incentivo. Uma produtora informal que contrata músicos sem emitir notas ou reter impostos pode ser responsabilizada por passivos trabalhistas e tributários, com multas e cobranças retroativas. Esses casos ocorrem com frequência em projetos em que se busca formalidade, como eventos municipais ou patrocínios privados.
Como gerir um CNPJ e manter os impostos em dia
O MEI é o formato mais comum entre profissionais da música que formalizam seus serviços. Em 2025, mais de 12,5 milhões de brasileiros estão registrados como MEI, representando 78% dos novos CNPJs abertos no primeiro trimestre do ano. Esse modelo permite a emissão de nota fiscal, contribuição previdenciária mínima via DAS (que engloba INSS e, quando necessário, ISS ou ICMS) e acesso a benefícios básicos como aposentadoria.
Mas há limitações claras. O MEI permite faturar até R$ 81 mil por ano e exclui certas atividades como produção de eventos ou agenciamento artístico. Em casos nos quais um músico dá aulas, grava trilhas sonoras ou organiza eventos, é preciso migrar para microempresa (ME) ou EPP sob o Simples Nacional. Nesse regime, tributos como IRPJ, CSLL, PIS, Cofins e ISS são recolhidos de forma proporcional ao faturamento e vêm reunidos no DAS.
No dia a dia, isso faz diferença. Por exemplo, um produtor que vende beats online e faz licenciamento para vídeos digitais como MEI precisa monitorar seu rendimento mensal para não ultrapassar o limite e migrar a tempo para o Simples Nacional. Caso isso não ocorra, ele pode ser desenquadrado, receber multa e ainda perder os benefícios. Já um estúdio que abre ME em Simples Nacional pode deduzir custos de produção, pagar ISS municipal e recolher INSS sobre pró-labore dos sócios, mantendo a operação regular.
A depender do regime adotado, é possível deduzir legalmente despesas operacionais do cálculo de tributos. Isso inclui gastos com aluguel de estúdio, compra de instrumentos e equipamentos, serviços contratados (como mixagem, masterização e designer gráfico), deslocamentos, hospedagem em turnês e até material de escritório. Embora os percentuais variem conforme o faturamento e a faixa do Simples Nacional, em muitos casos essas deduções podem representar entre 8% e 16% do total da receita bruta. O aproveitamento correto dessas despesas ajuda a reduzir o valor efetivo dos impostos e contribui para uma gestão financeira mais equilibrada.
O peso da formalização no cotidiano dos profissionais da música

Para muitos profissionais da música, formalizar a atividade pode abrir portas importantes. Emitir nota fiscal, manter tributos em dia e ter certidões negativas válidas são pré-requisitos para participar de editais, assinar contratos com marcas e oferecer serviços com maior respaldo jurídico. Essa estrutura facilita também o acesso a crédito, aposentadoria e benefícios previdenciários, além de reforçar a imagem profissional no mercado.
Mas é preciso reconhecer que nem sempre esse processo é simples ou viável no dia a dia. Para o músico que toca em bares e recebe o cachê em dinheiro vivo ao fim da noite, pagar impostos significa levar menos dinheiro para casa, o que já é difícil diante da baixa remuneração e da informalidade dos contratantes. Muitos donos de estabelecimentos não emitem nota, não formalizam os pagamentos e, em alguns casos, recusam trabalhar com artistas que exigem comprovações ou atuam como empresa. Isso amplia a precarização e empurra o músico a assumir, sozinho, todas as funções da sua carreira: ele precisa ser seu próprio contador, empresário, assessor de imprensa e operador financeiro.
Na prática, isso significa que a autogestão vira regra, mesmo para quem não tem preparo ou recursos para assumir tantas frentes. E, quando não há organização mínima, o resultado aparece no futuro: ausência de aposentadoria, falta de comprovação de renda e exclusão de projetos que exigem formalização. Por isso, apesar das dificuldades, entender e planejar a própria estrutura fiscal é uma forma de proteger a trajetória artística e garantir algum nível de sustentabilidade no longo prazo.
Adotar um sistema simples de controle financeiro e consultar um contador especializado em cultura facilita escolher o regime tributário correto, acompanhar prazos e evitar as tão temidas autuações. Registrar todas as despesas como equipamentos, locação de estúdio e transporte ajuda a compor deduções legais e manter o negócio sustentável.
Regularizar a atividade e cumprir suas obrigações fiscais reforça a credibilidade profissional, facilita o acesso a oportunidades e protege contra riscos. No setor musical, isso é tanto um passo prático quanto estratégico para consolidar projetos de longo prazo.
- Leia mais:
- Formalização do mercado da música ainda é escassa; descubra quais os encargos trabalhistas e fiscais para trabalhadores e empregadores do setor
- Roda de conversa debate música autoral feita por mulheres no Recife com foco no protagonismo negro
- Music Ally aponta cinco grandes transformações na indústria da música em 2025
- UBC promove oficinas gratuitas com Michael Sullivan em três capitais do Nordeste
- Natura Musical revela curadores do edital 25/26, que vai investir R$ 7 milhões em novos projetos