PL da Inteligência Artificial mobiliza setores culturais em defesa de direitos autorais

Entidades da música, jornalismo, literatura e edição entregam carta à Câmara pedindo salvaguardas no PL da Inteligência Artificial.
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Nathália Pandeló
Entidades dos setores Musical, Jornalístico, Editorial e Literário entregam carta à Câmara dos Deputados sobre PL da Inteligência Artificial
Entidades dos setores Musical, Jornalístico, Editorial e Literário entregam carta à Câmara dos Deputados (Crédito: Divulgação)

O debate em torno do Projeto de Lei nº 2338/2023, que pretende regulamentar o uso da Inteligência Artificial (IA) no Brasil, ganhou um novo capítulo nesta semana em Brasília. Representantes de diferentes setores criativos se uniram para cobrar que a proposta preserve garantias aos criadores e intérpretes de obras artísticas, jornalísticas e literárias.

Na terça-feira, 2 de setembro, a Pro-Música Brasil e a União Brasileira de Compositores (UBC), acompanhadas de dezenas de entidades culturais, entregaram uma carta à Comissão Especial sobre Inteligência Artificial da Câmara dos Deputados. O documento defende a manutenção de dispositivos que resguardam os direitos autorais diante do avanço das tecnologias de IA generativa, que hoje conseguem criar textos, imagens, músicas e vídeos a partir de obras já existentes.

Carta com recomendações

A entrega foi feita pessoalmente por Paulo Rosa, presidente da Pro-Música Brasil, e Sydney Sanches, advogado e diretor jurídico da UBC, durante reunião com os deputados que integram a comissão. O foco central do texto é a preservação dos artigos 62 a 66 do PL, que tratam especificamente da proteção de conteúdos protegidos por direitos autorais.

De acordo com as entidades, esses artigos são fundamentais para evitar que obras e produções artísticas sejam usadas em treinamentos de algoritmos sem consentimento ou remuneração de seus criadores. O documento também reforça que plataformas e desenvolvedores precisam assumir responsabilidade por eventuais violações, estabelecendo um ambiente mais transparente e seguro.

Ampla adesão institucional

O movimento reuniu representantes de áreas distintas da cultura e da comunicação. Além da Pro-Música e da UBC, assinam a carta entidades como Associação Procure Saber, Academia Brasileira de Letras (ABL), Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), Câmara Brasileira do Livro (CBL), Abramus, Ecad, Associação Brasileira de Imprensa (ABI), SBACEM, Assim, Socinpro, ABMI, Sicam, AMAR, UBEM, AUTVIS, Abrelivros, Abrale e ABDR.

Essa adesão plural evidencia a abrangência dos impactos da IA generativa. O avanço tecnológico afeta desde músicos e intérpretes até jornalistas, escritores, editoras e profissionais das artes visuais. O consenso entre setores diferentes reforça a ideia de que a discussão não se limita a um campo específico, mas envolve toda a cadeia criativa.

Referência internacional

O texto entregue à Câmara também aponta para experiências internacionais. Um dos exemplos citados é o Ato Europeu da Inteligência Artificial, já aprovado pela União Europeia, que estabelece diretrizes para uso de obras protegidas em treinamentos de sistemas tecnológicos. A referência busca mostrar que o Brasil não está isolado nesse debate e precisa avançar em sintonia com outros mercados.

As entidades defendem que as exceções previstas no PL, como uso de obras para pesquisa ou objetivos educacionais, fiquem restritas a instituições sem fins lucrativos e dentro de parâmetros claros. Essa medida impediria brechas que poderiam ser exploradas por empresas privadas em benefício próprio.

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Crédito: Freepik

Sugestões de ajustes

Embora apoiem a versão aprovada no Senado, as entidades sugeriram ajustes pontuais. O principal deles está no artigo 65, §1º, II, que trata de regras de proteção internacional. Para os signatários, adotar o princípio do tratamento nacional seria mais adequado do que manter as regras de reciprocidade, alinhando a legislação brasileira a práticas mais comuns no cenário global.

Os representantes também se colocaram à disposição da comissão para participar de audiências públicas e oferecer subsídios técnicos e jurídicos. A expectativa é contribuir com soluções equilibradas que conciliem inovação tecnológica e preservação dos direitos constitucionais dos criadores.

Desafios para o futuro

A regulamentação do uso da Inteligência Artificial é vista como uma necessidade para o futuro da cultura no Brasil. De um lado, há a importância de incentivar a inovação e garantir que o país acompanhe o ritmo de desenvolvimento tecnológico mundial. De outro, existe a urgência de proteger artistas, autores e jornalistas de práticas que possam fragilizar sua subsistência e diminuir o valor das criações humanas.

Para os setores envolvidos, a transparência sobre quais obras são usadas nos treinamentos de IA e a responsabilização de empresas que se beneficiam dessas tecnologias são pontos inegociáveis. A expectativa é que o processo legislativo resulte em um equilíbrio capaz de promover avanços sem abrir mão da valorização do trabalho criativo.

A tramitação do PL da Inteligência Artificial segue agora sob análise da Câmara dos Deputados, que deverá avaliar as propostas apresentadas. A decisão será determinante para definir como o Brasil pretende lidar com os desafios éticos, jurídicos e econômicos trazidos pela era da inteligência artificial.

Confira abaixo a íntegra do documento, com as demandas e sugestões apresentadas:

Excelentíssimos Senhores Deputados Federais Membros da Comissão Especial Sobre Inteligência Artificial

Ref. PL 2338/2023

O PL 2338/2023, que passará a ser submetido à apreciação de V. Exas., foi fruto de criterioso estudo técnico realizado por comissão de especialistas e de amplo e democrático debate no Senado Federal, que culminou na apresentação de substitutivo da lavra do Senador Eduardo Gomes.

Vencida a fase de deliberação no Senado, agora caberá à Câmara dos Deputados exercer seu papel de instância revisora, dar continuidade à análise do referido projeto de lei, que versa sobre a regulamentação da Inteligência Artificial no Brasil. Diante da instalação dessa prestigiada Comissão Especial, as entidades que assinam a presente carta, representantes dos setores Musical, Jornalístico, Editorial e Literário, vêm manifestar e reiterar a importância da manutenção dos artigos 62 a 66, do PL 2338/2023, que versam sobre os conteúdos protegidos por direitos autorais.

A manutenção desses dispositivos é essencial para garantir a salvaguarda dos direitos intelectuais de milhares de criadores e intérpretes de obras artísticas, intelectuais, jornalísticas e produções protegidas, especialmente frente ao avanço dos sistemas de inteligência artificial generativa.

A proteção de obras, interpretações e produções tem sido um dos pilares nas normas internacionais de que tratam a matéria, valendo destacar o Ato Europeu da Inteligência Artificial, aprovado por toda a comunidade europeia, em linha com as demais normas da região adotadas para regular o funcionamento das plataformas digitais.

Reafirmamos que as criações humanas são os principais ativos e insumos para o desenvolvimento dos sistemas de inteligência artificial generativa. Assim, é imperiosa a necessidade de que os titulares de direitos autorais tenham conhecimento do uso de suas obras, interpretações e produções, que deverão ser identificadas e informadas aos seus detentores pelos sistemas de inteligência artificial generativa, e que as limitações e exceções propostas fiquem restritas às entidades de pesquisa, jornalismo, museus, arquivos, bibliotecas e educacionais, desde que sem fins lucrativos e em conformidade com os requisitos estabelecidos no artigo 63 e seus parágrafos, constantes do texto aprovado pelo Senado Federal no PL 2338/2023.

O Brasil tem a responsabilidade de alcançar um marco regulatório relativo à inteligência artificial, que promova a inovação, proteja a sociedade e resguarde os direitos autorais constitucionalmente assegurados aos criadores, intérpretes e suas obras. O projeto de lei em apreço busca conciliar os interesses de diversos setores da sociedade e, por isso, recebe o apoio das entidades signatárias, que seguem comprometidas com o contínuo aprimoramento da regulamentação em benefício dos titulares de obras e produções protegidas.

A aprovação pela Câmara dos Deputados do PL 2338/2023, contendo o modelo regulatório proposto para os direitos autorais da Seção IV do Capítulo X (Direitos de Autor e Conexos), será um importante e necessário marco para proteção aos direitos de criadores, intérpretes e titulares no desenvolvimento, treinamento e oferta de sistemas de inteligência artificial. Se algum ajuste coubesse, este deveria recair sobre o artigo 65, § 1º, II, que melhor adequado estaria se adotado o princípio do tratamento nacional como regime para proteção aos direitos autorais, em lugar das regras de reciprocidade propostas no texto vindo do Senado Federal.

Estamos à disposição de Vossas Excelências para participar das discussões que serão levadas a cabo por essa Comissão, oferecendo subsídios técnicos e jurídicos, que servirão para sustentar a presente manifestação, inequivocamente em linha com o ordenamento internacional e a necessária valorização da criatividade do gênio humano.

Renovamos, por fim, nossos protestos de elevada estima e consideração.

Atenciosamente,

Firmado por Sydney Sanches, Advogado e Diretor Jurídico da União Brasileira dos Compositores – UBC

Firmado por Paulo Rosa, Presidente da Pro-Música Brasil, ambos em representação das entidades cujas logomarcas constam da presente.

Ambos em representação das entidades cujas logomarcas constam da presente. 

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