O cantor e compositor mineiro Toninho Geraes afirma que a música “Million Years Ago”, de Adele, lançada em 2015 no álbum “25”, apresenta similaridades com sua composição “Mulheres”, popularizada por Martinho da Vila em 1995. A alegação deu origem a uma disputa judicial que já ultrapassa três anos, com episódios que colocam em discussão questões importantes sobre direitos autorais e a circulação da música brasileira no exterior.
A ação, movida no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, conta com laudos técnicos, análise de partituras e até sobreposição de gravações para comprovar as semelhanças. No final de 2024, o processo teve um marco importante: o juiz Victor Torres ordenou a retirada temporária da música de Adele das plataformas, determinada por liminar. Enquanto a cantora britânica e suas gravadoras recorrem das decisões preliminares, o caso segue ganhando atenção internacional.
Primeiras acusações e tentativas de acordo
Toninho Geraes diz ter notado a semelhança entre as canções ao ouvir “Million Years Ago” pela primeira vez. A composição de Adele teria mais de 80 compassos semelhantes a “Mulheres”, incluindo introdução, melodia e harmonia. Segundo o advogado Fredímio Trotta, especialista em direito autoral que representa Geraes, as músicas foram analisadas em estúdio, com gravações que mostram sobreposição melódica quase idêntica.
Antes de recorrer à Justiça, o compositor tentou resolver o caso de forma amigável, enviando notificações extrajudiciais para Adele, o produtor Greg Kurstin (que também assina como compositor) e as gravadoras envolvidas. A resposta foi limitada, com apenas uma das empresas negando qualquer responsabilidade. A ausência de retorno levou Geraes a entrar com o processo em 2021, inicialmente contra Adele e Kurstin nos Estados Unidos, mas os custos elevados redirecionaram a ação para a Justiça brasileira.
A disputa judicial
A ação ganhou um desdobramento relevante em 2024, quando uma liminar determinou a retirada de “Million Years Ago” das plataformas digitais, sob pena de multa diária de R$ 50 mil. A decisão foi baseada em evidências técnicas, incluindo análises de ondas sonoras e partituras que indicaram “indisfarçável simetria” entre as obras. Apesar da ordem, a música continua disponível, pois as plataformas ainda não foram formalmente notificadas.
Os representantes de Adele e das gravadoras contestam a liminar, alegando que as semelhanças não configuram plágio. A defesa de Geraes, por outro lado, reforça que o produtor Greg Kurstin é conhecedor da música brasileira e teria tido acesso a “Mulheres” em diversos momentos. A ausência de resposta direta de Adele e de seus advogados também é apontada como indicativo de descaso.
Impacto na música brasileira
O caso Toninho Geraes x Adele não é o primeiro a envolver alegações de plágio envolvendo artistas internacionais e músicas brasileiras. Nos anos 1970, Jorge Ben Jor acusou Rod Stewart de copiar “Taj Mahal” na criação de “Do You Think I’m Sexy?”. A disputa terminou com um acordo fora dos tribunais, no qual Stewart admitiu ter se inspirado na música após ouvi-la durante um carnaval no Rio de Janeiro.
Casos como esses levantam um debate sobre o reconhecimento internacional da música brasileira. Embora admirada e estudada em diversos países, a obra nacional frequentemente enfrenta desafios para ser devidamente protegida. Para Toninho Geraes, o processo é também uma forma de valorizar os compositores brasileiros e exigir respeito por suas criações.
Próximos passos e expectativas
Com o processo atualmente na 6ª Vara Empresarial do Rio, a próxima etapa inclui uma perícia musical conduzida por especialistas da Escola Nacional de Música da UFRJ. O laudo será determinante para esclarecer as semelhanças entre as canções e definir se houve plágio. Toninho Geraes pede R$ 1 milhão por danos morais e uma indenização proporcional aos lucros gerados por “Million Years Ago”. Ele também exige ser listado como um dos compositores da música gravada por Adele.
Enquanto isso, a liminar que determina a retirada da música de plataformas digitais continua em vigor. O desfecho do caso pode estabelecer um precedente importante para futuros processos envolvendo artistas brasileiros e internacionais, especialmente em um mercado globalizado onde a circulação de músicas transcende fronteiras com facilidade.
O que está em jogo
Além das questões legais, o caso coloca em evidência o desequilíbrio de forças entre grandes gravadoras e artistas independentes. Geraes comparou a disputa com a luta entre Davi e Golias, ressaltando a importância de manter firme a defesa dos direitos autorais. Seu advogado, Fredímio Trotta, também destacou a relevância da música popular brasileira como um tesouro cultural que deve ser protegido.
Independentemente do resultado final, o processo de Toninho Geraes contra Adele reacende a discussão sobre os desafios de compositores em um cenário dominado por grandes corporações e artistas globais. A história, que mistura música, direito e questões culturais, segue despertando o interesse de executivos, empresários e artistas que acompanham de perto esses desdobramentos — que, ao que tudo indica, não estão perto de acabar.