m, documentário que estreia em 16 de janeiro, oferece uma visão única da trajetória de Luiz Melodia, uma das vozes mais importantes da música brasileira. Em entrevista exclusiva ao Mundo da Música, Alessandra Dorgan, diretora do filme, e Patrícia Palumbo, diretora musical, discutiram os bastidores da produção, que combina gravações em primeira pessoa, músicas emblemáticas e materiais inéditos.
A narrativa inclui mais de 30 músicas, que ajudam a contar a trajetória do cantor. A ideia central do documentário é trazer a perspectiva do próprio Melodia para a tela, segundo Alessandra.
“É um relato extremamente íntimo, próximo, de um artista que muitas vezes na carreira havia sido rotulado, invisibilizado, silenciado. Nesse momento, a gente não só dá voz a esse artista, como a gente aproxima o espectador dessa voz única e incomparável”.
Arquivos inéditos e reconstrução de uma época
O processo de pesquisa para o documentário se estendeu por mais de três anos, envolvendo diversas fontes. Alessandra relatou como os materiais coletados moldaram a construção da narrativa:
“Acho que grande parte a gente pode atribuir à pesquisa em vários acervos. Primeiro, através do trabalho da pesquisadora Camila Camargo, que nos auxiliou numa primeira etapa de pesquisa lá em 2020. Depois, passando por materiais raros e de acervos pessoais, como o acervo da própria Jane Reis, esposa do Luiz Melodia.”
Entre os destaques está um material em super 8 da cinegrafista amadora Marcia Lancellotti, nunca revelado. Além disso, a equipe utilizou trechos de filmes de cineastas renomados como Júlio Bressane, Nelson Pereira dos Santos e Andrucha Waddington.
“Esses materiais impactaram a narrativa, levaram o filme para um lugar em que a gente tem uma memória, um arquivo vivo, que acaba se ressignificando com o lançamento desse filme”, acrescentou Alessandra.
A escolha de integrar esses arquivos ao documentário também ajudou a contextualizar o ambiente cultural das décadas de 1970 e 1980. Segundo a diretora, isso foi essencial para compreender a trajetória de Melodia e o cenário no qual ele se inseriu como artista.
Música como elemento narrativo
A trilha sonora do documentário foi construída para destacar as várias facetas de Luiz Melodia, algo que, para Patrícia Palumbo, foi fundamental.
“A escolha foi justamente mostrar todas elas. Melodia é um autor pós tropicalista, antropofágico. Um exemplo perfeito do melhor da música brasileira, da mistura que dá no original. São mais de 30 músicas no documentário e todas são incríveis, boas de dançar, que emocionam ou fazem pensar e transcender, como é o caso do poema do Manoel de Barros musicado por ele”.
Patrícia, que é uma renomada jornalista e radialista especializada em música, também destacou a importância da obra de Melodia como parte de sua narrativa de vida.
“Trabalhamos muito em cima de uma entrevista que fiz com Melodia em 2001 para meu primeiro livro [“Vozes do Brasil”, Editora Sesc, 2002]. Nessa longa conversa falamos sobre escolhas, carreira, poesia e até espiritualidade. Na feitura do filme, fomos destacando a conexão forte entre suas convicções e o que ele produzia como cantautor, o que ele escolhia dizer e cantar.”
Para Palumbo, essa abordagem reforça o caráter autobiográfico das músicas de Melodia, que não apenas ilustram momentos de sua vida, mas também fortalecem seu discurso como artista.
A relação com a cultura brasileira
Um dos elementos centrais do filme é a conexão de Luiz Melodia com diferentes influências musicais e culturais. Patrícia explicou como essas referências moldaram o tom musical do documentário.
“Tenho plena convicção de que a música brasileira conta a história do nosso país. A música reflete, retrata e forma uma sociedade. No caso de Luiz Melodia, para além dessa função quase básica da arte como cronista, a sua música é parte importante da narrativa. Um jovem que se desloca do morro do São Carlos para a zona sul carioca e para as paradas de sucesso e que leva com ela a escuta de rádio nos anos de formação, o blues, o jazz, o samba canção, as pastoras do Estácio de Sá. Nas letras é evidente a conversa com a poesia marginal dos anos 70. Por isso não seria possível contar a história desse artista sem tocar muito da sua produção musical”.
Essa mistura de estilos e referências também evidencia a originalidade de Melodia como compositor e intérprete.
Novas perspectivas sobre Luiz Melodia
Narrado em primeira pessoa, o documentário oferece uma nova forma de olhar para a trajetória de Luiz Melodia, tanto para quem já conhece sua obra quanto para as novas gerações. Alessandra destacou a importância dessa decisão criativa:
“Essa escolha contribui muito para a experiência audiovisual do espectador, porque ela te aproxima imediatamente desse personagem tão importante. É um relato extremamente íntimo, próximo, de um artista que muitas vezes na carreira havia sido rotulado, invisibilizado, silenciado. Nesse momento, a gente não só dá voz a esse artista, como a gente aproxima o espectador dessa voz única e incomparável. Porque além de ser esse grande autor, a gente tem também um grande intérprete. Uma das maiores vozes da música popular brasileira, que infelizmente não está mais entre nós, mas que consegue contar sua própria história para que a gente tenha essa experiência única de ouvi-lo mais uma vez.
Mas além desse atributo da voz, que traz essa atmosfera tão íntima para o filme, a própria obra dele desempenha esse papel. É um filme extremamente musical: temos mais de 30 músicas, e as poesias do Luiz contam muito sobre ele e sobre essa trajetória para a gente. Então, eu acredito que as músicas dele também são esse relato autobiográfico tão importante do filme”.
A intenção é, também, colocar Melodia em um lugar central na história da música brasileira. Para Alessandra, “o coração do Brasil é o lugar que ele merece, o lugar onde ele realmente precisa estar”. O filme busca celebrar o artista, revisitar seu legado e destacar sua relevância cultural.
Reflexão sobre arte e resistência
Por meio de sua narrativa e música, Luiz Melodia construiu uma trajetória marcada por escolhas artísticas ousadas e resistência às normas impostas pela indústria cultural.
“É uma obra extensa, riquíssima e original. O Luiz é um artista que criou sua própria musicalidade, que criou um gênero com essa mistura de blues, jazz, Jovem Guarda, reggae, com a rítmica do samba”, concluiu Alessandra.
Essa resistência se traduz não apenas na música, mas também no compromisso de Melodia em viver daquilo que acreditava. O documentário é uma oportunidade para revisitar essa história e entender o impacto de um dos nomes mais singulares da música brasileira.
