Os 10 principais números do novo relatório do Spotify – e 7 lacunas deixadas por eles

O novo relatório do Spotify detalha recordes de pagamentos e o impacto do streaming, mas omite informações sobre a real distribuição da receita entre os artistas.
Foto de Nathália Pandeló
Nathália Pandeló
Loud&Clear 2025 é divulgado pelo Spotify (Crédito: Divulgação)
Loud&Clear 2025 é divulgado pelo Spotify (Crédito: Divulgação)

O Spotify divulgou seu novo relatório “Loud & Clear” sobre a economia da música em 2024, destacando recordes de pagamento a artistas e o impacto do streaming no mercado global. Mas alguns números levantam questões sobre a realidade financeira da maioria dos músicos na plataforma.

A influência do Spotify na indústria musical é inegável. Com mais de 675 milhões de usuários ativos mensais, dos quais 263 milhões são assinantes pagos, a plataforma se tornou um dos principais meios de consumo de música. 

O Mundo da Música foi um dos veículos convidados a conhecer o “Loud&Clear” deste ano em primeira mão, e o panorama que ele descortina é de um mercado em constante transição, mas com muitos trabalhadores ainda sem perspectiva de ganhos reais.

O já tradicional relatório anual de economia da música detalha os pagamentos a artistas e selos, além de indicar tendências do setor. No entanto, embora os números do Spotify mostrem avanços, algumas informações seguem sem explicação clara.

10 principais números do relatório do Spotify – e algumas lacunas não respondidas

1. US$ 10 bilhões pagos em 2024

O Spotify pagou mais de US$ 10 bilhões à indústria musical em 2024, um recorde anual. Esse valor representa um aumento expressivo quando comparado a anos anteriores e reflete o crescimento contínuo do streaming como principal meio de consumo de música. 

No total, a plataforma já distribuiu quase US$ 60 bilhões desde sua criação, consolidando-se como uma das maiores fontes de receita para artistas, gravadoras e detentores de direitos autorais.

2. Crescimento de 10x nos pagamentos em 10 anos

Em 2014, o Spotify pagava cerca de US$ 1 bilhão à indústria fonográfica. Uma década depois, esse valor aumentou para US$ 10 bilhões, acompanhando o crescimento do streaming e a adesão de novos assinantes. 

Esse aumento está diretamente ligado à expansão da base de usuários pagantes, que ultrapassou os 500 milhões globalmente entre todas as plataformas. O impacto desse crescimento não se restringe apenas às majors, mas também impulsiona selos independentes e artistas autônomos, embora a distribuição da receita continue desigual.

Gráfico ilustrativo mostrando o aumento de 10 vezes nos pagamentos do Spotify ao longo dos últimos 10 anos, destacando os anos 2014 e 2024, com representações de barcos.
Gráfico mostra o aumento de 10 vezes nos pagamentos do Spotify ao longo dos últimos 10 anos, destacando os anos 2014 e 2024 (Crédito: Reprodução)

3. O 100.000º artista gerou US$ 6 mil em royalties

Artistas que ocupam a posição 100.000 na plataforma receberam quase US$ 6 mil em royalties ao longo de 2024. Esse valor é mais de 10x maior do que o pago em 2014, evidenciando que mesmo os artistas de menor alcance estão vendo um aumento na receita gerada pela plataforma. 

Lacuna: Considerando que o Spotify possui cerca de 12 milhões de artistas cadastrados, isso significa que a grande maioria ganha valores ainda menores, o que levanta dúvidas sobre a viabilidade financeira de se sustentar apenas com royalties do streaming.

4. 1.500 artistas superaram US$ 1 milhão em royalties

Quase 1.500 artistas ganharam mais de US$ 1 milhão só com o Spotify em 2024. Segundo a empresa, mais de 80% desses não tiveram um hit no Top 50 Global da plataforma. Isso indica que é possível construir uma carreira financeiramente sustentável no streaming sem necessariamente figurar entre os artistas mais tocados. 

Lacuna: Esse número representa uma pequena fração do total de artistas na plataforma, sugerindo que apenas uma elite de músicos consegue alcançar essa marca.

5. Os 10.000 artistas mais bem pagos aumentaram seus ganhos em 4x

Em 2014, o artista de posição 10.000 gerava cerca de US$ 34 mil em royalties. Em 2024, esse valor subiu para US$ 131 mil. Isso mostra um crescimento na remuneração dos artistas que se encontram nessa faixa de popularidade. 

Lacuna: Ainda assim, esse valor não representa uma renda milionária, o que indica que mesmo dentro do grupo dos 10 mil mais bem pagos, a dependência de outras fontes de receita, como shows e merchandising, continua sendo essencial.

Visualização que mostra que o artista classificado em 100.000 gerou quase $6K em royalties no Spotify, destacando a quantidade de artistas. Gráfico informativo sobre royalties do Spotify.
Visualização que mostra que o artista classificado em 100.000 gerou quase $6K em royalties no Spotify, destacando a quantidade de artistas. Gráfico informativo sobre royalties do Spotify (Crédito: Reprodução)

6. US$ 4,5 bilhões pagos a compositores em dois anos

Os pagamentos a editores musicais, que representam compositores e letristas, alcançaram US$ 4,5 bilhões nos últimos dois anos, com crescimento de dois dígitos em 2024. 

Esse aumento reflete uma valorização do papel dos compositores na economia do streaming, mas ainda há questionamentos sobre como esses valores são distribuídos, especialmente para aqueles que não possuem contratos robustos com editoras e dependem exclusivamente da arrecadação digital.

7. 50% dos royalties foram para artistas e selos independentes

O Spotify afirma que metade dos pagamentos em 2024 foi para artistas e gravadoras independentes. O critério para essa classificação, no entanto, não é especificado. Há grandes selos independentes que operam com estrutura semelhante às majors e possuem investimentos consideráveis em marketing e distribuição. 

Lacuna: Sem essa diferenciação, o dado pode dar a falsa impressão de que artistas independentes sem apoio financeiro estão em pé de igualdade com aqueles que possuem grandes equipes e recursos à disposição.

8. O streaming impulsionou a música em mais de 50 idiomas

Em 2024, artistas que gravam em mais de 50 idiomas ganharam pelo menos US$ 100 mil em royalties. Esse número dobrou desde 2017, segundo a plataforma. O aumento da diversidade linguística no consumo de música reflete a expansão do streaming para mercados emergentes e a crescente globalização do consumo cultural. 

Lacuna: A presença de mais idiomas não garante que todos os artistas estão vendo um aumento proporcional em suas receitas, pois a concorrência se torna ainda maior.

Uma ilustração colorida mostrando lábios pronunciando saudações em oito idiomas diferentes, destacando os royalties gerados pela música nesses idiomas no Spotify.
Spotify impulsiona músicas em várias línguas (Crédito: reprodução)

9. Artistas ganham em média 4x mais do que o valor recebido no Spotify

O Spotify diz que sua plataforma representa 1/4 da receita de um artista, sugerindo que outros canais de monetização são fundamentais para a sustentabilidade financeira dos músicos. Imagina-se que se trate de fontes de renda como shows, merchadising e até outras plataformas.

Lacuna: A empresa não especifica quais são esses canais e se essa proporção se aplica a artistas de todos os níveis. Se considerarmos que a maioria dos artistas já ganha valores baixos no Spotify, a afirmação de que suas receitas totais são 4x maiores não necessariamente os coloca em uma posição confortável.

10. 1 em cada 1 milhão de streams gerou mais de US$ 10 mil

Pela primeira vez, um artista que recebeu um milionésimo dos streams totais da plataforma gerou mais de US$ 10 mil em royalties, um aumento importante em relação à década passada. 

Lacuna: O dado não esclarece a disparidade na remuneração de artistas menores, que continuam lutando para garantir uma renda estável com o streaming.

Um panorama em constante evolução

Os números apresentados pelo Spotify mostram um mercado musical dinâmico, mas também reforçam que a distribuição da receita continua sendo um desafio para grande parte dos artistas. Enquanto os pagamentos totais crescem, a concorrência dentro da plataforma se intensifica, reduzindo as chances de sucesso financeiro para a maioria dos músicos.

O relatório deixa evidente que, embora mais artistas estejam ganhando dinheiro com o streaming, apenas uma pequena parcela consegue atingir valores suficientes para sustentar uma carreira sem fontes adicionais de receita. A realidade financeira da maioria dos músicos segue sendo desafiadora, e a falta de transparência em alguns pontos reforça a necessidade de um debate mais aprofundado sobre o modelo econômico do setor.

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