O direito autoral pode salvar a classe artística. Ainda que retirada do contexto atual, essa frase faria todo sentido; no cenário de guerra pelo qual estamos passando, sobretudo no setor cultural, poderiamos arriscar extrapolar: apenas o direito autoral será capaz de garantir a sobrevivência dos artistas da música durante a crise do coronavírus.
Muitos pensam no direito autoral como sinônimo dos direitos morais do autor, isto é, o direito que o autor tem, entre outros aspectos, de ter seu nome veiculado sempre que sua obra é utilizada, ou o de que a obra não seja utilizada nem modificada sem sua autorização. De fato, tratam-se de direitos importantíssimos para a arte em geral e para a música em específico, cenário em que, em regra, não se reconhece o compositor da música.
No entanto, é a faceta patrimonial dessa espécie híbrida que é o direito autoral a capaz de sustentar autores, intérpretes, músicos, editoras musicais e gravadoras em meio à pandemia.
Isso porque os direitos patrimoniais são a faceta econômica do direito autoral. Garantem ao autor e aos demais titulares de direitos uma justa remuneração pelo uso de suas obras, fonogramas e demais modalidades. Esse aspecto econômico se concretiza na música quando há a execução pública ou a reprodução das obras musicais e das gravações, sendo esses os dois grandes grupos de direitos remunerados toda vez que uma música é ouvida num player como Spotify ou Youtube.
Nesse aspecto, muito se tem questionado sobre as lives. Como se daria a remuneração dos compositores pelas músicas ali utilizadas? Os artistas teriam direitos a receber?
É bem verdade que jamais se imaginou um cenário com lives diárias de pelo menos 1 hora, com artistas tocando pelo menos 10 músicas. Apesar de as entidades responsáveis possivelmente terem alguma dificuldade para controlar esse repertório utilizado, é sem dúvida a partir de uma sistematização da identificação das obras musicais utilizadas nas lives que os compositores terão sua sobrevivência garantida nesse período.
No que diz respeito aos artistas, como estão tocando ao vivo e em regra não há a gravação de um fonograma, não teriam direitos conexos a receber.
Por isso, recorrerem a ferramentas de remuneração de suas lives, utilizando por exemplo platafomas de crowdfunding já muito bem estruturadas no Brasil, pode auxiliá-los. Até mesmo para conseguirem remunerar toda a cadeia que trabalha para os artistas e que, sem shows, ficaram completamente sem renda.
Outra ideia seria deixar as lives gravadas, hipótese em que os views posteriores serão remunerados em plataformas que veiculam publicidade e remuneram artistas e autores. De fato, a indústria da música sofreu severas perdas com o advento da tecnologia, momento em que foi o direito autoral a maior fonte de receitas para superação daquela crise.
Neste momento, em que somos novamente desafiados, o direito autoral mais uma vez mostra sua relevância como mecanismo poderoso de remuneração de toda a cadeia da música, bastando que, para isso, tenhamos criatividade e generosidade.
________________
Daniel Campello é advogado graduado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UFRJ, em 2004, membro da OAB/RJ desde 2004. É Mestre em Direito Autoral, com dissertação sobre Edição Musical em 2013, e Doutorando em Direito Autoral, com pesquisa sobre Streaming e Regulação, desde 2016; ambos pela UFRJ, tendo sido pesquisador visitante da Queen Mary University, em Londres, em 2017/18. Trabalhando com direito autoral desde 2005, é fundador e CEO da ORB Music desde 2012, uma Plataforma de Negócios de Música que provê toda a infraestrutura necessária para que editoras musicais, selos e artistas independentes possam alcançar seu público consumidor e receber, em contrapartida, todos os valores referentes aos direitos autorais e royalties que lhes sejam devidos.