Inteligência artificial começa a criar novos gêneros musicais, revela estudo da Stability AI

Pesquisa analisa como artistas profissionais estão utilizando IA para criar novos gêneros musicais e transformar processos criativos.
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Nathália Pandeló
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A presença da inteligência artificial na música já não se limita a ferramentas auxiliares. Segundo um novo estudo da Stability AI, a tecnologia está sendo usada por artistas profissionais para experimentar sons inéditos e até dar origem a gêneros musicais que antes não existiam.

O levantamento, chamado “Music and Artificial Intelligence: Artistic Trends”, examinou 337 obras musicais ligadas ao uso de IA e mostrou que a maior parte dos músicos tem recorrido à tecnologia como parceira de composição, criação de letras e design sonoro. Além de apoiar processos criativos já estabelecidos, os algoritmos vêm abrindo espaço para colaborações e interações de novos tipos entre artistas e público.

Entre os experimentos já observados, surgem nomenclaturas que tentam dar forma a essas criações. Estilos como Neural Pop, focado em canções pop produzidas a partir de modelos de voz; AI Jazz, voltado para improvisações infinitas simuladas por algoritmos; Synthetic Ambient, que explora timbres inexistentes em instrumentos reais; e Algorithmic EDM, variação eletrônica construída por padrões criados em tempo real, aparecem em trabalhos de artistas e plataformas de geração musical. Ainda que não haja consenso sobre quais deles irão se consolidar, os nomes ajudam a ilustrar como a IA vem sendo associada a novas identidades sonoras.

Novas interações entre artistas e público

O estudo citou exemplos de artistas como Holly Herndon, Grimes e Sevdaliza, que lançaram modelos de voz baseados em IA, permitindo que fãs e outros criadores produzam músicas utilizando suas identidades vocais. Os pesquisadores ressaltam que esse tipo de recurso inaugura novas formas de colaboração, expandindo a relação entre artistas e suas audiências.

Outro ponto levantado é o impacto do debate sobre direitos autorais. Muitos músicos têm criado bancos de dados próprios para treinar modelos de IA, de modo a proteger suas obras e, ao mesmo tempo, explorar novas sonoridades. Essa prática lembra o trabalho de programar sintetizadores, mas com o objetivo de definir assinaturas sonoras personalizadas.

Transformações nos gêneros musicais

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Crédito: Freepik

A pesquisa também destacou a capacidade da IA de criar sons considerados incomuns e de traduzir letras para diferentes idiomas com facilidade. O single “Masquerade”, do grupo de K-pop MIDNATT, lançado em seis línguas, e a faixa “Love U Like That” de Lauv, gravada em inglês e coreano, são exemplos de como a tecnologia pode acelerar estratégias de alcance global.

Outro avanço está na possibilidade de transformar músicas de um gênero para outro. Antes, dominar estilos musicais exigia anos de estudo. Agora, os algoritmos conseguem misturar referências e produzir faixas em vários gêneros de uma só vez, ou até inaugurar categorias completamente novas. 

Esse movimento lembra outras mudanças tecnológicas do passado, como a chegada dos amplificadores, samplers e auto-tune, que acabaram impulsionando o surgimento de novos estilos. Agora, algo similar acontece com os gêneros musicais, em velocidade amplificada.

Resistências e paralelos históricos

O estudo lembra que a rejeição à IA repete debates já conhecidos. O uso de samples, por exemplo, foi tratado inicialmente como plágio antes de se consolidar como recurso criativo. O mesmo ocorreu com o auto-tune, criticado por alterar a naturalidade da voz e hoje usado de maneira recorrente em diversos estilos. Para os pesquisadores, essa trajetória sugere que práticas inicialmente rejeitadas podem se tornar parte da cultura musical ao longo do tempo.

Entre os exemplos recentes de impacto da tecnologia estão a faixa “Heart on My Sleeve”, que viralizou com vozes simuladas de artistas famosos, e produções oficiais como “Now and Then”, dos Beatles, que utilizou IA para recuperar a voz de John Lennon registrada em 1978. Outro caso é o de Randy Travis, que conseguiu lançar uma canção inédita com apoio de simulações vocais após perder a voz em decorrência de um AVC. Situação semelhante ocorreu com Cleber Augusto, ex-integrante do Fundo de Quintal, que lançou o álbum “Minhas Andanças” graças ao uso de IA para recriar sua voz – consequência de mais de duas décadas afônico após um câncer na garganta.

Gêneros em ascensão com IA generativa

Enquanto a Stability AI investigou o uso artístico da tecnologia, outras empresas têm observado o potencial comercial da criação de novos estilos. A plataforma Soundful, por exemplo, identificou que EDM, ambient, hip hop, pop e trilhas orquestrais são os gêneros mais produzidos por IA generativa atualmente.

A projeção é que a influência se expanda para áreas como jazz, world music e música experimental, sugerindo que a IA pode tanto preservar tradições quanto estimular o surgimento de linguagens sonoras inéditas.

Apesar da velocidade dessas transformações, os pesquisadores destacam que ainda não é possível prever até que ponto a inteligência artificial vai alterar a música popular e a cultura de maneira ampla. Para eles, esse momento deve ser visto como o início de um processo comparável a outras viradas históricas, como o desenvolvimento do piano moderno ou a popularização das primeiras drum machines.

O futuro ainda incerto

Ao mesmo tempo em que amplia o horizonte criativo e possibilita o surgimento de novos gêneros, a inteligência artificial também traz desafios que o setor ainda precisa enfrentar. Questões éticas e comerciais, como o uso de obras pré-existentes em treinamentos sem autorização, permanecem no centro do debate. Para especialistas e artistas, o avanço estético só será sustentável se vier acompanhado de práticas que respeitem os direitos autorais e garantam que a inovação tecnológica não se apoie exclusivamente no trabalho já produzido por outros criadores.

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