Quem frequenta eventos ao vivo já deve ter notado que a busca por práticas mais sustentáveis tem ganhado cada vez mais destaque entre os organizadores de festivais. Agora, um levantamento da organização A Greener Future (AGF), reuniu dados de 40 festivais avaliados em 16 países de quatro continentes. O estudo apresenta um panorama detalhado das ações adotadas pelos eventos ao longo de 2023, com foco em áreas como transporte, energia, alimentação, resíduos e emissões de carbono.
O relatório anual “AGF Festival Sustainability Insights” é baseado nas auditorias realizadas por meio do processo de certificação ou diagnóstico ambiental promovido pela AGF. Os eventos analisados variam em tamanho e localização, sendo 70% realizados em áreas urbanas e 30% em locais rurais. Entre eles, 60% oferecem camping ao público. A diversidade geográfica e estrutural permitiu traçar um retrato amplo dos desafios enfrentados pelos produtores culturais diante das metas climáticas e ambientais.
Claire O’Neill, CEO da AGF, resumiu o panorama atual:
“Os festivais que trabalham com a AGF ou solicitam certificação são geralmente ambientalmente conscientes e ativos. No entanto, esses resultados são promissores, mostrando uma tendência à descarbonização e redução de resíduos. Em particular, estamos felizes em ver mais festivais adotando uma alimentação baseada em plantas, pois essa é uma das mudanças mais importantes que os eventos podem fazer para proteger a natureza e combater as mudanças climáticas, e não custa nada.”
Emissões de carbono sobem com transporte do público
O transporte do público segue como o maior responsável pelas emissões de carbono dos festivais, com variações de 35% a 94% da pegada total dos eventos, de acordo com o relatório. Essa disparidade se deve à localização e ao perfil dos frequentadores: festivais urbanos atraem um público mais local, enquanto eventos em áreas rurais ou de camping dependem do deslocamento de longas distâncias.
Ainda assim, 33% dos festivais relataram que mais de 70% do público era local. Além disso, o número de artistas nacionais nos line-ups se manteve alto, com média de 68%. “Mesmo em festivais com camping e público viajando de outros países, vemos esforços para contratar talentos locais e reduzir os deslocamentos de equipe e artistas”, destaca o relatório.
Mudanças no cardápio e redução nas emissões alimentares

A alimentação sustentável teve grandes avanços. De acordo com o estudo, 20% dos festivais foram inteiramente vegetarianos ou veganos em 2023, frente aos 8% registrados no ano anterior. Essa mudança resultou em uma redução média de 60% nas emissões relacionadas à alimentação, segundo os cálculos da AGF.
Ao todo, 82% dos eventos tinham uma política formal sobre alimentos e bebidas, e 54% coletaram dados específicos sobre o tipo de refeições oferecidas. Copos reutilizáveis foram utilizados por 67% dos festivais, e em diversos casos houve integração com sistemas de trocas, depósito ou brindes, estimulando a devolução dos itens ao final do uso.
Energia limpa cresce, mas geradores ainda dominam
O uso de fontes de energia mais limpas também avançou, embora de forma gradual. O relatório aponta que 25% dos festivais operaram com 100% de eletricidade ou energia renovável. Outros 20% utilizaram exclusivamente HVO (óleo vegetal hidrotratado) em substituição ao diesel tradicional.
Apesar disso, os geradores ainda foram utilizados por 68% dos eventos, inclusive em áreas urbanas. Em alguns casos, eles foram acionados como fonte primária de energia, mesmo quando havia acesso à rede elétrica. Um dos eventos estudados operou com baterias 100% recarregadas por energia solar e outro utilizou exclusivamente fontes locais de energia renovável.
Gestão de resíduos avança com foco em separação e compostagem

A taxa média de separação de resíduos chegou a 49%, superando os 43% de 2023. Além disso, 70% dos festivais destinaram resíduos biodegradáveis para compostagem ou digestão anaeróbica. A redistribuição de alimentos também cresceu: 23% dos eventos relataram ter programas ativos para evitar o descarte de itens não consumidos.
No entanto, o relatório alerta para lacunas na medição de impactos gerados por setores como decoração, merchandising, hospitalidade e construção de estruturas temporárias. Em muitos casos, esses dados não são coletados ou reportados de maneira sistemática.
Uso da água cresce com o calor e estrutura de camping
O consumo de água foi maior em festivais com áreas de camping, especialmente em 2023, devido ao aumento das temperaturas. A AGF relaciona esse cenário aos efeitos das mudanças climáticas, com os eventos enfrentando condições climas extremos cada vez mais frequentes.
Entre os festivais avaliados, apenas 15% utilizaram banheiros de compostagem, enquanto 30% estavam conectados a redes de esgoto convencionais. O restante operou com sistemas temporários, cuja eficiência e impacto variam conforme o porte do evento.
Panorama brasileiro
Embora o relatório da AGF não inclua dados específicos do Brasil, festivais nacionais como o Rock in Rio vêm adotando medidas concretas de sustentabilidade. Em 2022, o evento reciclou 80% dos resíduos, utilizou aço reciclado no Palco Mundo e implementou ingressos digitais.
Já em 2024, ampliou o uso de energia renovável com postes solares e reforçou metas de inclusão e diversidade, com o compromisso de realizar eventos 100% acessíveis e diversos até 2030. Essas ações demonstram um avanço local na integração de práticas sustentáveis em grandes produções culturais.
Desafios seguem na mensuração e integração de dados
A metodologia do relatório foi baseada no GHG Protocol e utilizou bases como UK DESNZ 2024, ADEME Base Carbone 8.10 e Agribalyse v3.1.1. O estudo considerou os escopos 1, 2 e 3 para energia, transporte, alimentação, materiais, água e resíduos.
Apesar do avanço nas práticas ambientais, o relatório da AGF indica que ainda há desafios relevantes, especialmente na integração de dados e na articulação entre setores da cadeia produtiva. A recomendação é que os festivais alinhem metas de sustentabilidade com fornecedores, patrocinadores, público e poder público, de forma a ampliar o impacto positivo e reduzir riscos ambientais.
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