Fabiane Pereira quer falar com as massas e constrói sua trajetória costurando projetos, afetos e linguagens

Jornalista, apresentadora, radialista e curadora, Fabiane ocupa múltiplos espaços na cultura brasileira com consistência, escuta ativa e independência.
Foto de Nathália Pandeló
Nathália Pandeló
Fabiane Pereira

Fabiane Pereira está em muitos lugares, e em todos eles seu nome aparece com força e familiaridade. Para quem trabalha com música, cultura ou comunicação, é difícil passar muito tempo sem cruzar com algum projeto conduzido, idealizado ou apresentado por ela. A curadora do recém-lançado Festival Dupla de Três e também do Festival Papo de Música, que chega à segunda edição em setembro, está ao vivo toda semana na NovaBrasil FM e na TV Brasil, escreve para diferentes veículos, apresenta um canal no YouTube e assina roteiros e colunas em múltiplas plataformas.

Essa onipresença não se desgasta, apenas mostra diferentes facetas de uma mesma profissional dedicada a jogar luz sobre as belezas e contradições da música feita no Brasil.

“Eu não sei exatamente quando comecei a fazer esses atravessamentos dentro do meu trabalho. Curadoria, jornalismo musical, jornalismo cultural, rádio… acho que tudo começou na própria faculdade”, conta. “Eu usei a faculdade mesmo para fazer estágio em absolutamente todas as áreas: fiz televisão, fiz rádio, fiz impresso. Digital ainda estava engatinhando, mas eu também me interessei. Relações públicas também. Eu sempre fui muito interessada.”

Com mais de 20 anos de carreira, Fabiane nunca trabalhou em apenas um lugar. E diz que nunca conheceu outro ritmo de vida. 

“Eu sempre trabalhei em mais de um lugar, sempre. Por alguns motivos. Um deles é pela grana, óbvio. É muito difícil você ser jornalista e ter um trabalho só e dizer que você ganha bem, que consegue se manter. E segundo, porque eu sempre gostei de fazer várias coisas.”

Atualmente, essas “várias coisas” incluem o programa Vozes da Vez na NovaBrasil, participações no Sem Censura (TV Brasil), colunas, textos e roteiros, além da curadoria dos festivais e das entregas do canal Papo de Música. Ela também é mãe de um bebê de 10 meses. 

“Eu tô trabalhando muito, muito mesmo, mas eu tô muito feliz, porque um trabalho acaba complementando o outro”.

Tudo se conecta e essa é uma escolha

Fabiane Pereira comanda o Vozes da Vez
Fabiane Pereira comanda o Vozes da Vez (Crédito: Divulgação)

Fabiane costuma dizer que tudo o que faz é complementar. E não é força de expressão. 

“Eu não faço nada fragmentado. Ah, isso é meu trabalho da rádio e isso é meu trabalho da TV. Pelo contrário”, diz. “Na NovaBrasil, eu apresento entrevistas que muitas vezes viram colunas no digital. No Sem Censura, falo com artistas que já passaram pelos meus programas de rádio. Quando estou muito fissurada num artista, tento levá-lo para todas essas frentes.”

Um dos exemplos foi com Liniker

“Quando saiu o disco da Liniker, Caju, eu estava no meu puerpério. Eu fiquei aficionada por aquele disco, não podia fazer nada porque eu estava no puerpério, mas assim que eu saí, a Liniker foi para o Sem Censura, foi entrevistada no Vozes da Vez, eu fiz uma coluna da Veja Rio sobre ela… eu tento sempre costurar tudo que eu faço. Acho que ganha mais força também.”

Ela sabe que esse ritmo exige muito, e não romantiza a exaustão. 

“Eu tenho burnout crônico. Eu sempre estou exausta. Não me lembro de não estar muito cansada.” 

Mas há um sistema de apoio. 

“Eu sou muito organizada. Tenho uma agenda de papel. Eu não vou dormir sem estar tudo ticado. Claro que uma coisa ou outra passa, mas eu tento deixar tudo o mais alinhado possível. E eu tenho ajuda — ajuda paga, ajuda doméstica, ajuda emocional. E tenho um bom time que joga junto comigo.”

“Eu fiz jornalismo pra falar com as massas”

Fabiane Pereira 2

Ao contrário de muitos colegas que migraram exclusivamente para projetos digitais, Fabiane faz questão de manter vínculos com os meios tradicionais. Rádio e televisão seguem como veículos centrais em sua atuação. E não por acaso. 

“O Brasil, por ser um país de dimensões continentais, precisa de comunicações diversas. O que chega para o Rio e São Paulo não necessariamente chega para a região Norte, para a Centro-Oeste”, observa. “A minha maneira de tentar chegar ao maior número possível de pessoas é me comunicar com o maior número possível de veículos.”

Ela se posiciona com clareza. 

“Eu não abro mão de me comunicar com Rádio e TV porque, na minha opinião — e pesquisas provam isso —, são os veículos de maior alcance, de maior impacto, de maior abrangência no território brasileiro. E eu quero falar com a massa. Com as massas, né? Porque a gente não tem uma massa homogênea, a gente tem massas heterogêneas que pensam diferente, que sentem diferente, e que têm acessos culturais diferentes.”

Em meio a esse raciocínio, ela resume com uma frase que guia sua atuação desde o início: 

“Eu fiz jornalismo pra falar com as massas. Porque é isso mesmo.”

Jornalismo e curadoria se cruzam desde o início

Fabiane Pereira com Céu e Seu Jorge
Fabiane Pereira com Céu e Seu Jorge (Crédito: Divulgação)

Com a estreia do Festival Dupla de Três em agosto no Rio e a segunda edição do Festival Papo de Música marcada para setembro em São Paulo, Fabiane tem se consolidado também como curadora. Mas rejeita a ideia de que esse papel veio por convite ou legitimação do mercado. 

“Eu nunca fui convidada para fazer curadoria de absolutamente nada. Todos os projetos que eu faço curadoria foram idealizados por mim. Porque eu sinto que existe, no mercado, um certo ‘acomodamento’ das curadorias.”

Criar os próprios projetos foi a forma que encontrou de incluir artistas que admirava, mas que não estavam nos circuitos dominantes. 

“Eu via muito artista que eu respeito, que admiro, fora das ‘panelinhas curatoriais’. Porque existem, né? Muitas panelinhas curatoriais. E a minha intenção é sempre ampliar essa panela.”

Mesmo assim, sabe que sua curadoria também tem filtros. 

“A minha curadoria é afetiva. Então, dentro dela estão todos os artistas que eu gosto. Só por esse aspecto a gente já entende que existe, sim, uma panela. Mas eu tento deixar essa panela muito diversa. Já chamei artistas que eu não tenho afinidade musical, mas tenho afinidade pessoal.”

O que diferencia sua abordagem é o compromisso com diversidade e inclusão. 

“A curadoria é, sobretudo, uma tradução de valores. A minha curadoria traduz exatamente a forma como eu sou, a forma como eu me coloco no mundo, a forma como eu acredito que é possível o mundo. É uma curadoria feminina, plural, preta, parda, indígena, com pessoas LGBTQIAPN+, com pessoas com deficiência, com mães. É uma curadoria que inclui.”

Ela se guia por uma frase simples, mas potente. 

“Eu li certa vez uma frase, tipo pra-choque de caminhão, que não sai do meu norte. A frase é: Quando chegar lá, faça caber mais gente. E é isso que eu tento.”

“Cultura é premissa”

Fabiane Pereira - Festival Dupla de Três

Ao ser perguntada sobre o que sustenta sua coerência entre tantas frentes, Fabiane não hesita. 

“O que faz com que eu me mantenha alinhada em tudo que eu faço é a certeza de que eu sou uma prestadora de serviço. E como prestadora de serviço, eu procuro sempre divulgar aquilo que é um serviço para a população. E cultura é serviço para a população. Cultura é mais do que serviço. Cultura é uma premissa para que forme bons cidadãos.”

Essa visão se reflete tanto nas entrevistas quanto na forma como trata a música. 

“Exercer um jornalismo musical com escuta ativa, especialmente hoje, é um ato de curadoria responsável. Em um cenário dominado por algoritmos, que tendem a reforçar padrões de consumo e visibilidade baseados em números e engajamento, a escuta ativa se propõe a ir na contramão.”

Para ela, ouvir com atenção é uma escolha ética e política. 

“Escutar significa não apenas ouvir, mas ouvir com atenção, com contexto, com interesse real em entender a intenção estética, política e cultural por trás de cada obra. Significa também criar espaço para vozes que não têm, necessariamente, acesso privilegiado às grandes plataformas, mas que produzem música relevante, inovadora e conectada com a realidade do país.”

E completa. 

“Fazer jornalismo musical com escuta ativa é acreditar que a boa música nem sempre é a mais visível — mas merece ser ouvida, compreendida e reverberada. É optar por uma escuta que não seja preguiçosa, nem previsível, mas sim curiosa, generosa e comprometida com a arte como expressão profunda da sociedade.”

O jornalista como peça do ecossistema cultural

Ao refletir sobre os rumos do jornalismo cultural no Brasil, Fabiane reconhece as dificuldades do presente, mas também o potencial de reinvenção. 

“Essa não é uma realidade apenas do jornalismo cultural, e sim do jornalismo em geral. Uma lástima. Porque ao enfraquecer o jornalismo, enfraquece por consequência a democracia.”

Mas vê novos papéis se desenhando para quem atua fora das redações tradicionais. 

“O papel do jornalista cultural hoje é mais crucial do que nunca — justamente porque ele se reinventa fora das redações. Com os cortes nas grandes editorias, perdemos espaço institucional, mas ganhamos autonomia e capilaridade.”

E, mais do que isso, ganhamos responsabilidade. 

“O jornalista deixou de ser apenas um repórter de bastidores e lançamentos para se tornar curador, articulador e mediador entre artistas e público em múltiplos formatos — podcasts, newsletters, redes sociais, programas autorais, festivais e plataformas digitais.”

Ela deixa um alerta importante. 

“Alguém precisa pagar essa conta, e não pode ser o jornalista.”

Fabiane acredita que o jornalismo de qualidade exige investimento — e que empresas precisam compreender isso. Ainda assim, permanece firme na missão que a move desde o início. 

“O jornalista é, antes de mais nada, o operário da prestação de serviço. E é assim que eu me vejo. Eu quero estar no maior número possível de veículos que eu conseguir, pra eu falar com cada vez mais pessoas e com universos cada vez mais diferentes, classes sociais diferentes, etc.”

Ao final da entrevista, ela resume com simplicidade o que parece guiar todas as suas escolhas:

“Quando eu entrei na faculdade, eu queria ser exatamente a profissional que eu sou hoje. Em relação a isso, eu sou muito realizada.”

Não é só a trajetória de Fabiane Pereira que se fortalece com cada novo projeto. Ao lançar luz sobre artistas diversos e iniciativas autorais, ela contribui para a construção de um jornalismo cultural mais presente e de um mercado musical mais acessível, onde artistas e público possam se reconhecer, se ouvir e caminhar juntos.

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