Cresce demanda por estrutura profissional em eventos gratuitos de grande porte

Avanço de shows e eventos em espaços públicos pressiona operadores a equilibrar logística, segurança e legislação mesmo sem bilheteria.
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Nathália Pandeló
NS Operações gerencia entrada de público em festival
NS Operações gerencia entrada de público em festival (Crédito: Divulgação)

A temporada de outono de 2025 tem consolidado uma tendência que já vinha se desenhando nos últimos anos: o aumento de eventos gratuitos de grande porte em espaços públicos Brasil afora. De shows internacionais em praias a festivais em praças e parques e extensas programações de São João, cidades de médio e grande porte têm investido em ações culturais que atraem milhares de pessoas — e colocam em xeque a capacidade de operação e segurança desses encontros a céu aberto.

A realização de eventos sem bilheteria não significa ausência de complexidade. Pelo contrário: à medida que o público cresce e a ocupação de espaços urbanos se intensifica, os organizadores enfrentam exigências legais específicas, além de desafios operacionais comparáveis aos de eventos pagos. A Lei nº 11.948/2004, válida no município de São Paulo, determina, por exemplo, que organizadores adotem sistemas eficientes de controle de público, acessibilidade e evacuação, mesmo quando a entrada é gratuita.

Com isso, o setor técnico que atua nos bastidores — especialmente empresas de controle de acesso e gestão de público — passou a ser peça central para viabilizar esse tipo de experiência. 

“Em eventos pagos, você tem um controle prévio por meio da venda de ingressos. Já nos gratuitos, é preciso mapear pontos de entrada, prever picos de fluxo, montar esquemas de triagem e empulseiramento, além de treinar a equipe para atender com empatia — tudo isso em espaços públicos que muitas vezes não têm estrutura física definida”, explica Raquel Boletti, CEO da NS Operações, empresa que atuou em 481 eventos apenas em 2024.

Raquel Boletti, CEO da NS Operações
Raquel Boletti, CEO da NS Operações (Crédito: Tomás Senna)

A explosão dos eventos open air gratuitos

O boom atual de eventos gratuitos é impulsionado por dois fatores principais: políticas públicas de cultura mais ativas e um aumento da demanda por lazer acessível, após anos de retração durante a pandemia. Com uma população economicamente pressionada, os eventos open air se tornaram uma alternativa popular e politicamente estratégica — mas essa expansão também pressiona os bastidores da produção.

Empresas do setor têm relatado aumento na demanda por operações rápidas, adaptáveis e de baixo custo. Mas, ao mesmo tempo, enfrentam a necessidade de cumprir requisitos legais rigorosos e manter a segurança em ambientes sem infraestrutura fixa. A solução tem sido o uso de tecnologias móveis, como pulseiras com QR Code, contadores digitais de público e equipes de orientação espalhadas por zonas estratégicas de entrada e saída.

No caso da NS Operações, por exemplo, o crescimento do volume de eventos gratuitos é evidente: de 310 operações em 2023 para 481 em 2024. Ao mesmo tempo, a empresa informa ter mobilizado mais de 1.200 trabalhadores temporários no ano passado, o que indica também o fortalecimento de uma cadeia produtiva muitas vezes invisível — formada por operadores de catraca, orientadores, fiscais e técnicos de acesso.

Falta de estrutura física impõe novos padrões ao setor

Entrada de público em festival
Entrada de público em festival (Crédito: Divulgação)

A maioria dos eventos gratuitos ocorre em espaços urbanos que não foram originalmente pensados para suportar grandes fluxos de público: orlas, praças e parques. Isso exige adaptações operacionais específicas, como montagem de pontos de triagem e sinalização provisória — e, mais importante, exige que essas ações sejam feitas em conformidade com a legislação.

Especialistas do setor alertam que muitos produtores ainda subestimam a complexidade desses eventos. Sem controle de entrada, há risco de superlotação, dificuldade em casos de emergência e falhas na comunicação com o público. Em resposta a isso, surgem modelos operacionais mais robustos, inspirados em festivais pagos, que se adaptam ao formato gratuito sem abrir mão da rastreabilidade e da fluidez no acesso.

O avanço dessa profissionalização, embora ainda desigual no país, é visto como um passo necessário para consolidar políticas públicas de cultura que vão além do improviso. 

O que está em jogo para o mercado

A tendência de eventos gratuitos de grande porte deve se intensificar nos próximos meses, com o calendário cultural de inverno e primavera já apontando novas edições de festivais abertos em diversas capitais. Para o mercado de produção, isso representa uma mudança de paradigma: o volume crescente de ações sem bilheteria direta exige soluções operacionais sofisticadas, mas com modelos financeiros distintos dos eventos privados.

A ausência de bilheteria, por exemplo, muda a lógica de arrecadação — deslocando a responsabilidade para o poder público ou para patrocinadores. Ao mesmo tempo, não reduz as exigências legais nem os riscos de operação. Empresas especializadas em logística de público passam a ser procuradas também por gestores municipais e organizações sociais, indicando uma nova área de atuação para o setor técnico da cultura.

Essa transformação ainda em curso deixa claro que a realização de eventos gratuitos em larga escala não é apenas uma ação cultural: é também um desafio de engenharia, regulação e planejamento urbano.

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