Dados revelam que os programas de TV nunca tiveram tão poucos convidados musicais

Levantamento mostra queda drástica nas apresentações musicais na TV, com impacto direto para artistas em início de carreira.
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Nathália Pandeló
Report da Consequence mostra que programas de TV nunca tiveram tão poucos convidados musicais
Report da Consequence mostra que programas de TV nunca tiveram tão poucos convidados musicais (Crédito: Reprodução)

A televisão aberta nos Estados Unidos, historicamente um dos principais palcos para a estreia de artistas musicais, vive hoje uma retração inédita nesse espaço. De acordo com levantamento da Consequence, o número de performances em programas noturnos de TV caiu de mais de 800 anuais, entre 2011 e 2013, para pouco mais de 200 em 2023. O dado marca uma virada na relação entre a música ao vivo e os formatos televisivos tradicionais, que antes eram vistos como trampolim essencial para artistas em início de carreira.

A mudança se intensificou após a pandemia e foi acelerada pelas greves da indústria audiovisual nos Estados Unidos em 2023. Mas fatores como cortes orçamentários e mudanças no comportamento do público, que passou a consumir mais conteúdos em redes sociais e plataformas de streaming, também pesaram. 

“As pessoas não assistem mais à TV noturna ao vivo como antes, especialmente os jovens. Hoje, o impacto de uma performance acontece mais nas redes sociais no dia seguinte do que no momento da transmissão”, explicou a pesquisadora Alyxandra Vesey, especializada em estudos sobre música e mídia.

O fim de uma era na TV noturna

O cenário atual representa uma ruptura com o que músicos e produtores consideravam como a era de ouro da TV noturna. Programas como Late Night with David Letterman e The Tonight Show with Jay Leno eram vitrines respeitadas para estreias e turnês. 

A performance da banda Future Islands no programa de Letterman, em 2014, é um exemplo clássico do impacto desse espaço: após a exibição, o grupo recebeu uma enxurrada de convites de festivais que antes haviam recusado sua participação.

No entanto, com a saída de David Letterman e Conan O’Brien da televisão aberta, e sem substitutos com o mesmo apelo musical, esse cenário se modificou. Em junho de 2024, o Late Night with Seth Meyers encerrou as atividades da banda residente liderada por Fred Armisen. Desde então, o programa também deixou de agendar apresentações musicais. Uma década atrás, o talk show registrava, em média, oito atrações por mês. Hoje, esse número é zero.

Declínio progressivo e mudanças de direção

A mudança no perfil dos apresentadores também impacta os números. Enquanto Letterman era conhecido por promover novos talentos e chegou a receber mais de 150 convidados musicais por ano, seu sucessor, Stephen Colbert, reduziu esse volume drasticamente. Em 2024, o The Late Show registrou apenas 50 apresentações — o menor número desde que ele assumiu o programa em 2015. A diminuição se tornou um indicativo de que a música perdeu centralidade na estratégia desses formatos.

Por outro lado, The Tonight Show Starring Jimmy Fallon e Jimmy Kimmel Live continuam priorizando performances musicais. Ambos mantêm médias acima de 150 apresentações por ano. Segundo os produtores Mac Burrus e Jim Pitt, a decisão é editorial e estratégica: “A música sempre foi prioridade para o Jimmy”, afirmou Burrus, ao defender a permanência do espaço dedicado aos músicos. Em 2024, Fallon chegou a 139 atrações musicais, incluindo bandas emergentes e artistas pop em ascensão.

Por outro lado, artistas como Jennifer Hudson e Kelly Clarkson ganharam seus próprios talk shows nos últimos anos. No caso de Clarkson, a música ganhou ainda mais destaque, mas para a própria apresentadora. Seu já tradicional Kellyoke mostra a cantora recriando sucessos de grandes nomes do pop e rock, um dos pontos altos da atração.

Fragmentação de audiência e novas possibilidades

O recuo das performances ao vivo nos programas de TV reflete também uma nova lógica de consumo. 

“Hoje, os artistas jogam para várias plateias fragmentadas ao mesmo tempo. Não é mais sobre impactar o público em tempo real, mas sobre viralizar no dia seguinte”, explica Vesey.

Artistas como Doechii, Billie Eilish e Olivia Rodrigo têm explorado esse modelo, investindo em produções que se destacam visualmente e funcionam como clipes compartilháveis.

Mesmo assim, alguns formatos ainda conseguem manter o prestígio. O Saturday Night Live, que completou 50 temporadas em 2025, segue sendo uma das principais vitrines para músicos de diferentes estilos. Embora o programa vá ao ar apenas uma vez por semana, seu alcance e influência continuam relevantes. 

Em paralelo, projetos como Everybody’s Live, apresentado por John Mulaney na Netflix, tentam resgatar o espírito dos antigos shows de variedades, com participações musicais como Kim Gordon e Cypress Hill.

Dados da Consequence mostram declínio no número de convidados musicais
Dados da Consequence mostram declínio no número de convidados musicais (Crédito: Reprodução)

Não é só na gringa

Na televisão aberta brasileira, a música ao vivo vem perdendo espaço de forma parecida ao que ocorre nos Estados Unidos. Programas que antes eram referência em apresentações musicais, como o Domingão do Faustão ou o Altas Horas, reduziram a frequência com que recebem artistas para performances completas, priorizando entrevistas e quadros de entretenimento. 

A MTV Brasil, que já foi um dos principais canais de descoberta de novos nomes na música nacional, praticamente abandonou esse papel após reformulações em sua grade e modelo de negócios. Agora, a estação prioriza a exibição de reality shows e séries.

O Brasil, em diversos momentos, buscou replicar o formato norte-americano de programas de entrevistas com toques locais. O Programa do Jô, liderado por Jô Soares, é talvez o exemplo mais bem-sucedido, reunindo entrevistas, humor e atrações musicais por mais de uma década. 

Danilo Gentili, com o The Noite, também tenta seguiu essa linha. Já Tatá Werneck, no Lady Night, trouxe um formato mais híbrido e voltado para o improviso, recebendo músicos, mas com espaço limitado para performances completas. O modelo é reinterpretado no Brasil com adaptações de linguagem e orçamento, nem sempre com o mesmo impacto cultural das versões originais.

Um modelo em transição

A queda nas performances musicais na TV não significa, necessariamente, que esse espaço está perdido. Para artistas como Sharon Van Etten, que estreou na televisão em 2012, a experiência ainda é valiosa: 

“É uma chance de alcançar um público mais amplo. Meus pais, meus vizinhos, todos assistiram.” 

O desafio para os artistas e produtores é adaptar-se ao novo contexto, onde o impacto imediato cede lugar à repercussão pós-programa. Apesar da fragmentação do público, ainda há espaço para momentos memoráveis — e para muitos músicos, essa oportunidade continua sendo motivo suficiente para lutar por um lugar no palco da televisão.

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