O Carnaval de 2025 trouxe uma série de lançamentos de artistas consagrados do axé e do pagodão baiano, mas os números das plataformas de streaming contam uma história diferente daquela que se vê nas ruas.
Enquanto trios elétricos e blocos embalam multidões com arrocha, pagodão e axé, os charts do Spotify, Apple Music e Deezer mostram que os sucessos das plataformas seguem outro ritmo.
A conclusão é clara: os hits de Carnaval já não são mais os mesmos — pelo menos não nas plataformas digitais.
A conexão do streaming x a desconexão com os trios elétricos
Para entender o que separa o que toca nas ruas e o que é consumido nas plataformas, o Mundo da Música se debruçou sobre os lançamentos mais recentes de grandes nomes dos gêneros tradicionalmente associados aos trios elétricos e ao Carnaval.
Artistas como Ivete Sangalo, Léo Santana, Claudia Leitte, Bell Marques, Daniela Mercury e Parangolé, por exemplo, tiveram suas músicas de trabalho para o Carnaval 2025 incluídas na análise. São faixas como “Energia de Gostosa” (Ivete Sangalo), “Última Noite” (Léo Foguete), “Resenha do Arrocha” (J. Eskine) e “É a Bahia” (Parangolé), que foram criadas especialmente para embalar a folia, mas que, com exceção de poucas, não conseguiram se firmar nas paradas digitais.
Enquanto isso, os charts das principais plataformas de streaming contam outra história. No Spotify Brasil, os artistas que mais aparecem no top 50 são nomes como Zé Felipe, Felipe Amorim, Henrique & Juliano, Gusttavo Lima e Jorge & Mateus, representantes do sertanejo, além de fenômenos do funk como MC Tuto e MC Cebezinho. A única exceção é J. Eskine, cuja “Resenha do Arrocha” alcançou o segundo lugar, mostrando que, com a combinação certa de batida e engajamento, o arrocha pode conquistar ainda mais espaço.
Na Apple Music, o cenário é semelhante, com destaque para Grupo Menos É Mais, Gusttavo Lima e Jorge & Mateus, além de artistas internacionais como Lady Gaga e Bruno Mars. Ivete Sangalo aparece em nono lugar com “Energia de Gostosa”, mas é uma exceção em meio a um mar de sertanejo e pop.
Já na Deezer, o pagode e o sertanejo também dominam, com Grupo Menos É Mais, Henrique & Juliano e Gusttavo Lima liderando as paradas, enquanto Ivete Sangalo figura na 42ª posição.
Essa disparidade entre os sucessos das ruas e os das plataformas levanta questões importantes sobre o futuro dos lançamentos de Carnaval. Enquanto os trios elétricos continuam a ser palco para os grandes nomes do axé e do pagodão, as plataformas digitais mostram que o público consumidor de música no Brasil está cada vez mais diversificado — e menos conectado aos ritmos tradicionais da folia.
O abismo entre as ruas e o streaming
Com exceção de J. Eskine, nenhuma das “músicas do Carnaval” aparece no top 50 do Spotify Brasil. Na Deezer, Ivete Sangalo consegue emplacar “Energia de Gostosa” na 42ª posição, enquanto na Apple Music a mesma música alcança o 9º lugar, e “O Verão Bateu em Minha Porta” aparece na 24ª posição.
Enquanto nas ruas de Salvador, Recife e Rio de Janeiro o arrocha e o pagodão reinam absolutos, as playlists digitais são dominadas por gêneros como funk, sertanejo e pop internacional. Músicas como “Resenha do Arrocha”, que conseguiu um desempenho excepcional graças à viralização no TikTok e Instagram, são exceções que confirmam a regra: o Carnaval, como fenômeno cultural, não se traduz mais automaticamente em sucesso nas plataformas.
A música de trabalho no Carnaval: um ritual que persiste
Apesar da mudança no consumo musical, o Carnaval continua sendo um momento importante para os artistas dos gêneros associados à folia. Todos os grandes nomes do axé, pagodão e arrocha batem cartão nessa época, lançando suas “músicas de trabalho” — faixas pensadas especialmente para embalar os foliões. No entanto, o impacto desses lançamentos está mais difuso do que nunca.
Nos anos 1990 e 2000, era comum que todo mundo conhecesse os lançamentos de É o Tchan, Netinho ou Banda Eva. Hoje, a realidade é outra. Enquanto alguns artistas conseguem dialogar melhor com as plataformas de streaming, outros focam em rádios regionais ou em performances ao vivo. Essa fragmentação do mercado faz com que os sucessos do Carnaval não tenham mais o mesmo alcance nacional que tinham no passado.
O Carnaval das muitas tribos
Outro fator que contribui para essa mudança é a própria diversificação do Carnaval. A festa já não é sinônimo apenas de axé music. Blocos de rock, reggaeton, samba e até k-pop ganham espaço nas ruas, refletindo a pluralidade de gostos do público brasileiro.
Artistas como Bad Bunny e Taylor Swift, que não têm nenhuma ligação tradicional com o Carnaval, acabam sendo incorporados à rotação musical da folia, especialmente em blocos temáticos. Entre folias que vão de Beatles ao emo, é possível encontrar um bloco para chamar de seu.
Essa diversidade é um reflexo de como o Carnaval se tornou uma festa de muitas tribos, cada uma com suas preferências musicais. Enquanto alguns foliões curtem o pagodão baiano, outros preferem o sertanejo universitário ou até mesmo o funk carioca. Nas plataformas de streaming, essa pluralidade é ainda mais evidente, com playlists que misturam gêneros e artistas de diferentes origens.
Por que os hits de Carnaval não dominam mais as plataformas?
A desconexão entre os sucessos das ruas e os das plataformas pode ser explicada por vários fatores. Em primeiro lugar, o algoritmo das plataformas de streaming tende a privilegiar músicas que já estão em alta, criando um ciclo em que os grandes sucessos continuam a crescer, enquanto os lançamentos de Carnaval lutam por visibilidade – e com uma “data de validade” bastante curta.
Além disso, o público do streaming é mais diversificado e globalizado. Enquanto nas ruas de Salvador o pagodão baiano é rei, nas plataformas o sertanejo, o funk e o pop internacional competem pela atenção dos ouvintes. Isso faz com que músicas de Carnaval, que muitas vezes têm um apelo regional e sazonal, tenham dificuldade para se destacar. Difícil competir com o exército de fãs de k-pop quando a festa coincide com lançamento do álbum de Lisa, por exemplo.

Por fim, há uma questão de timing. Muitas das músicas de Carnaval são lançadas poucas semanas antes da festa, o que pode não ser suficiente para que ganhem tração nas plataformas. Em um mercado onde a viralização muitas vezes depende de campanhas bem planejadas e de engajamento nas redes sociais, o lançamento tardio pode ser um tiro pela culatra.
Podem surgir até mesmo hits improváveis. O “Trap do Trepa Trepa”, de Luísa Perissé, foi de um podcast para o Spotify, com direito a produção de DENNIS. E o verso “joga no coroa”, parte de “Calma Vida Tá de Boa” (de MC Reizin com J. Eskine) também teve apelo viral graças à popularidade de Walter Salles e seu filme vitorioso no Oscar, “Ainda Estou Aqui”.
Estratégias para o futuro: como reconectar as ruas e as plataformas
Para artistas e gravadoras, a lição é clara: não basta lançar uma música de Carnaval e esperar que ela viralize. É preciso pensar em estratégias que reconectem o sucesso nas ruas com o desempenho nas plataformas.
Algumas estratégias podem ajudar a reconectar os sucessos das ruas com o desempenho nas plataformas. Antecipar os lançamentos é uma delas: lançar músicas com pelo menos um mês de antecedência pode ajudar a construir engajamento antes do Carnaval, dando tempo para que as faixas ganhem tração e sejam incluídas em playlists temáticas.
Investir em parcerias com plataformas de streaming também é indispensável, pois a inclusão em playlists como “Carnaval Hits” ou “Pagodão Baiano” pode ser decisiva para o sucesso de uma música.
Além disso, o engajamento nas redes sociais não pode ser subestimado: desafios de dança, memes e campanhas interativas podem ajudar a viralizar músicas de Carnaval, especialmente entre o público mais jovem.
Por fim, a fusão de gêneros é uma tendência que vem ganhando força. Incorporar elementos de funk, pop ou até mesmo eletrônico pode atrair um público mais amplo. Essas estratégias, quando bem executadas, podem ajudar a diminuir a distância entre o que toca nas ruas e o que domina as plataformas de streaming.
Mas, como os charts vêm mostrando desde sempre, fazer sucesso não é uma ciência exata.
O Carnaval que a gente conhece de outros carnavais
Quem conhece os hits carnavalescos de outros carnavais sabe que a festa está em constante transformação. O que os números de 2025 mostram é que, embora o Carnaval continue sendo um momento chave para a música brasileira, o impacto dos sucessos de festa está mais difuso do que nunca.
Enquanto alguns artistas conseguem emplacar hits que transcendem as fronteiras da folia, outros ficam pelo caminho, mostrando que, no mundo do streaming, não basta ser sucesso na rua: é preciso conquistar o algoritmo.
E, como bem disse Léo Santana em entrevista à Folha de S. Paulo, “Êxito no streaming é dinheiro: tem ‘top 1’ que nunca ouvi na rua”. No Carnaval de 2025, essa frase nunca fez tanto sentido.